A
nova estratégia de segurança nacional de Donald Trump
A nova
Estratégia de Segurança Nacional foi divulgada e causou um grande impacto. Não
se trata apenas da mais recente declaração pública de princípios, ambições e
prioridades que norteiam a política externa dos Estados Unidos. Em vez disso,
assemelha-se a um manifesto para um projeto americano radicalmente diferente.
É mais
restrita, mais partidária, mais voltada para dentro e mais personalizada do que
qualquer uma de suas antecessoras. Abaixo, apresentamos dez pontos importantes
para a compreensão de como os Estados Unidos enxergam seu papel e sua posição
no mundo.
Primeiramente,
a estratégia é explicitamente sobre este presidente e não sobre os Estados
Unidos como um todo. A maioria das estratégias de segurança nacional ao menos
tenta apresentar os Estados Unidos como um todo coeso e deixa a política
interna de fora. Esta, em vez disso, coloca a divisão partidária e o próprio
presidente no centro das atenções.
Ela
apresenta o “segundo mandato do presidente Donald Trump” como uma expansão de
seu primeiro mandato – uma “correção necessária e bem-vinda” – que começou a
“inaugurar uma nova era de ouro”.
Chama
Donald Trump de “O Presidente da Paz”, “aproveitando sua habilidade de
negociação” para garantir pessoalmente uma “paz sem precedentes” em oito
conflitos ao redor do mundo, incluindo o fim da guerra em Gaza com todos os
reféns sobreviventes devolvidos às suas famílias. Ao fazer isso, o documento
mescla estratégia nacional e campanha política.
Isso é
importante porque, quando uma estratégia de segurança nacional eleva o
presidente ao papel de protagonista em vez do país, ela confunde a linha
divisória entre estratégia institucional e mensagem política. Isso altera a
forma como os aliados avaliam a confiabilidade, como as agências interpretam as
diretrizes e como os adversários avaliam a continuidade para além de uma única
pessoa.
Em
segundo lugar, restringe o propósito americano aos “interesses nacionais
essenciais” e rejeita explicitamente a ordem liberal pós-Guerra Fria que os
Estados Unidos construíram e lideraram. A estratégia define política externa
como “a proteção dos interesses nacionais essenciais” e afirma que esse é o
“único foco” do documento.
Critica
as “elites da política externa americana” por buscarem a “dominação americana
permanente do mundo inteiro” e por vincularem os Estados Unidos ao “chamado
‘livre comércio’”, ao globalismo e ao “transnacionalismo”, que supostamente
enfraqueceram a classe média americana e corroeram a soberania. Enquanto as
estratégias anteriores envolviam o poder americano na linguagem da promoção da
democracia e da ordem baseada em regras, esta é marcadamente diferente.
Ela
redefine liderança e poder por meio de coerção, bilateralismo e alinhamento
transacional. Esta é uma América que não está necessariamente se retirando do
cenário mundial, mas consolidando seu poder por meio de intimidação e
negociações.
Em
terceiro lugar, a imigração é elevada à condição de principal problema de
segurança nacional. O texto declara, sem rodeios, que “a era da migração em
massa deve terminar” e que “a segurança das fronteiras é o elemento primordial
da segurança nacional”.
Ele
enquadra a migração em massa como um fator impulsionador da criminalidade, da
desestruturação social e da distorção econômica e defende um mundo onde os
Estados soberanos cooperem para “impedir, em vez de facilitar, os fluxos
populacionais desestabilizadores” e controlar rigorosamente quem admitem. Na
prática, isso faz do controle de fronteiras e da fiscalização da imigração o
foco central da política de segurança nacional, e não apenas uma preocupação
entre muitas.
Isso
tem consequências graves para o posicionamento das forças militares, a
diplomacia e a alocação de recursos. Se a segurança das fronteiras é a
prioridade máxima, então as missões no Indo-Pacífico, na Europa e no Oriente
Médio ficam subordinadas à fiscalização hemisférica. Mais do que uma mera
mudança retórica, essa estratégia reordena a hierarquia de ameaças e perigos.
Em
quarto lugar, um “Corolário Trump” à Doutrina Monroe coloca o Hemisfério
Ocidental em primeiro lugar e implica um realinhamento da postura de força
global. A estratégia afirma que os Estados Unidos “afirmarão e farão cumprir um
‘Corolário Trump’ à Doutrina Monroe” para manter o Hemisfério Ocidental livre
de “incursões estrangeiras hostis ou posse de ativos-chave”, garantindo, ao
mesmo tempo, estabilidade suficiente para prevenir a migração em massa e
proteger as cadeias de suprimentos críticas.
Não
está claro como a América Latina se encaixa no plano, se como uma região
parceira externa ou dentro de um perímetro de segurança expandido dos EUA. O
texto prenuncia um “reajuste de nossa presença militar global”, afastando-se de
teatros de operações considerados menos centrais e direcionando-se para
contingências hemisféricas.
Há uma
hierarquia rígida de regiões: as Américas em primeiro lugar, com a Ásia, a
Europa e o Oriente Médio explicitamente importantes, mas agora competindo com
uma prioridade hemisférica oficial. Essa é a lógica da Doutrina Monroe
reaproveitada para controle demográfico e nacionalismo econômico.
Em
quinto lugar, a proteção da cultura americana, da “saúde espiritual” e das
“famílias tradicionais” é apresentada como um requisito fundamental de
segurança nacional. É aqui que as influências do nacionalismo cristão e do
vice-presidente se tornam mais evidentes.
O
documento insiste que a “restauração e o revigoramento da saúde espiritual e
cultural americana” são pré-requisitos para a segurança a longo prazo e vincula
isso a uma América que “valoriza suas glórias passadas e seus heróis” e é
sustentada por um “número crescente de famílias fortes e tradicionais” que
criam “crianças saudáveis”. Assim, a América é retratada como defensora dos
chamados valores tradicionais, enquanto a Europa carece de “autoconfiança
civilizacional e identidade ocidental”.
A
linguagem do documento não se limita à típica menção superficial a valores e
coesão social das estratégias de segurança nacional anteriores. Ele redefine
cultura e família como questões explícitas de segurança nacional, o que traz a
política cultural interna para o domínio da tomada de decisões em segurança
nacional.
Em
sexto lugar, a estratégia eleva as guerras culturais a uma lógica orientadora
para a segurança nacional, e o faz por meio de uma retórica que trata as
disputas ideológicas e culturais como questões de consequência estratégica. O
documento denuncia a Diversidade, Equidade e Inclusão como uma fonte de
deterioração institucional e apresenta isso como um problema de segurança
nacional.
No
entanto, o argumento não se limita à política de pessoal. Ele se expande para
um esforço mais amplo de definir coesão cultural, identidade política e até
mesmo mudança social como indicadores de confiabilidade estratégica. Isso fica
mais claro na seção europeia, onde a estratégia sugere que alguns aliados estão
se afastando devido ao que descreve como liderança política falha, insatisfação
pública com a política em relação à guerra na Ucrânia e supostas fragilidades
estruturais na democracia europeia.
O texto
também especula sobre mudanças demográficas e culturais na Europa como forma de
questionar se os futuros governos compartilharão as visões americanas sobre
suas alianças. A estratégia não fundamenta essas afirmações. Em vez disso,
usa-as para insinuar que o alinhamento cultural é essencial para a parceria
estratégica.
O que
emerge não é uma avaliação tradicional da capacidade ou da vontade política dos
aliados, mas sim um teste cultural de confiabilidade geopolítica. Governos
europeus considerados insuficientemente responsivos à opinião pública são
retratados como supressores de impulsos democráticos legítimos. Suas
divergências políticas com Washington são apresentadas como evidência de uma
deriva cultural ou ideológica mais profunda.
A
estratégia, portanto, trata os debates políticos internos nas democracias
aliadas como assuntos de escrutínio americano, ao mesmo tempo que insiste no
estrito isolamento da política interna americana da influência estrangeira.
Essa assimetria revela uma visão de mundo na qual a política cultural se torna
um instrumento de diplomacia.
Ela
posiciona os Estados Unidos para julgar a ordem interna de seus parceiros pela
ótica da compatibilidade ideológica, em vez da capacidade institucional ou dos
interesses compartilhados. Ao fazer isso, a estratégia incorpora a guerra
cultural à gestão de alianças e trata as narrativas culturais internas como
ferramentas estratégicas, e não puramente políticas.
Sétimo,
o escudo antimíssil “Cúpula Dourada” é identificado como um objetivo
estratégico. A estratégia prevê “defesas antimísseis de próxima geração –
incluindo uma Cúpula Dourada para o território americano” para proteger os
Estados Unidos, seus ativos no exterior e seus aliados. Esta é uma visão
ambiciosa de defesa antimíssil em camadas para o território nacional, que vai
muito além do foco tradicional na proteção limitada contra estados rebeldes.
Na
verdade, trata-se de uma mudança doutrinária. Se interpretada literalmente,
implica compromisso industrial e investimentos imensos. E qual é a
contrapartida? Projeção de poder reduzida? Um exército menor? Qualquer
tentativa de defesa antimíssil abrangente desestabiliza a lógica estabelecida
da dissuasão nuclear. Persegui-la suscitaria preocupações em Moscou e Pequim de
que Washington busca uma vantagem de primeiro ataque.
Oitavo,
o projeto de longa data de aumentar a partilha de encargos com os aliados
evolui para uma transferência de encargos, ancorada na promessa feita pelos
países da OTAN na Cúpula de Haia, em junho de 2025, de gastar 5% do PIB em
defesa. Embora as estratégias anteriores tenham solicitado aos aliados dos
Estados Unidos que fizessem mais, esta eleva a situação a outro patamar.
“Os
dias em que os Estados Unidos sustentavam toda a ordem mundial como Atlas
acabaram”, afirma, e destaca um “Compromisso de Haia” segundo o qual os países
da OTAN “comprometem-se… a gastar 5% do PIB em defesa”, um padrão que, segundo
o governo, os aliados endossaram e que agora “devem” cumprir. Isto é mais do
que uma mera pressão e tem implicações para a coesão da aliança. Trata o
cumprimento como uma condição para obter apoio político. Se imposto,
desencadearia graves choques orçamentais e políticos em toda a Europa e noutros
lugares.
Em nono
lugar, há uma doutrina mais incisiva de afirmação da soberania, aliada à
suspeita em relação às instituições internacionais. Os princípios da estratégia
enfatizam a “primazia das nações” e prometem resistir às “incursões que minam a
soberania das organizações transnacionais mais intrusivas”, prometendo
“reformar” essas instituições para que “auxiliem, em vez de dificultarem, a
soberania individual e promovam os interesses americanos”.
Também
alerta contra tentativas estrangeiras de “manipular nosso sistema de imigração
para formar blocos de votação leais a interesses estrangeiros dentro do nosso
país”. Ao enquadrar a política da diáspora como uma ameaça à segurança
nacional, a estratégia obscurece a fronteira entre contraespionagem e
competição política interna, uma medida sem precedentes em estratégias de
segurança nacional anteriores.
As
afirmações sobre soberania no texto expõem um duplo padrão: não se deve mexer
com os Estados Unidos, mas o governo de Donald Trump não vê problema algum em
se intrometer nos debates políticos internos de aliados, principalmente da
Alemanha.
Por
fim, o nacionalismo econômico e a reindustrialização ocupam o centro da
estratégia de segurança, e não a periferia. O documento considera o
fortalecimento da força industrial americana como “a prioridade máxima da
política econômica nacional”, com uma base manufatureira robusta descrita como
essencial tanto para o poder em tempos de paz quanto em tempos de guerra.
Promete
reequilibrar o comércio, assegurar cadeias de suprimentos críticas em um
espírito hamiltoniano, para que os Estados Unidos “nunca… dependam de qualquer
potência externa” para insumos essenciais de defesa ou econômicos, e posicionar
o setor energético como um dos principais motores de exportação. A política
industrial, as tarifas e os controles da cadeia de suprimentos, portanto, não
são dissociados da estratégia.
Pelo
contrário, são instrumentos centrais da diplomacia, em pé de igualdade com as
ferramentas militares tradicionais. É aí que residem as contradições. A
reindustrialização impulsionada por tarifas exige gastos federais maciços,
enquanto a estratégia também demanda um orçamento de defesa ampliado. E “nunca
depender de qualquer potência externa” é materialmente impossível em alguns
setores, como precursores farmacêuticos, cobalto e terras raras, sem remodelar
os mercados globais.
Em
conjunto, essas conclusões apontam para uma estratégia de segurança nacional
que funde a política econômica e de imigração “América Primeiro”, uma doutrina
hemisférica assertiva e objetivos políticos internos em uma única estrutura
organizadora.
Dito
isso, não está claro o quanto isso importa na prática. Todos os princípios
apresentados na estratégia já foram mencionados anteriormente pelo presidente e
seu círculo íntimo. Tanto para aliados quanto para adversários, o choque não
reside apenas nas políticas específicas, mas na mensagem de que os Estados
Unidos agora enxergam sua segurança de uma maneira mais personalizada, voltada
para dentro e mais restrita do que antes.
Fonte:
Por Rick Landgraf, no portal War on the rocks - Tradução: Artur Scavone, em A
Terra é Redonda

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