'Venenoso e
mortal': o inferno de viver em Nova Déli, uma das cidades mais poluídas do
mundo
O inverno chegou à
capital da Índia, Nova Déli. Com
ele, veio uma conhecida sensação de pesar.
Aqui, o céu está cinza, coberto por uma
manta espessa e visível de neblina e fumaça – o smog.
Basta ficar fora de
casa por alguns minutos e você quase consegue sentir o gosto da cinza. Você irá sentir
falta de ar em questão de minutos, se tentar correr ou até caminhar com passos
mais rápidos no smog.
Os jornais locais
voltaram a usar palavras como "tóxico", "mortal" e
"venenoso" nas manchetes.
A maioria das
escolas está fechada e as pessoas foram aconselhadas a permanecer dentro de
casa. Mas isso é impossível para aqueles que precisam sair para trabalhar e
garantir o seu sustento.
O índice de qualidade do ar de Nova Déli
variou entre 1.200 e 1.500 em 18 e 19 de novembro, segundo diversas agências de
monitoramento. O limite aceitável é abaixo de 100.
Estas avaliações
medem os níveis de material particulado no ar – PM2,5 e PM10. Estas partículas
minúsculas podem entrar nos pulmões e causar inúmeras doenças.
Nas redes sociais,
as pessoas têm expressado sua comoção, angústia e descontentamento ao verem
tudo isso acontecendo mais uma vez.
Além do pesar,
existe uma forte sensação de déjà vu. Afinal, já presenciamos isso muitas vezes
nos últimos 15 anos.
·
Problema
sem solução
Em 2017, gravei em
vídeo meu trajeto até o escritório. Naquela ocasião, o smog havia reduzido a
visibilidade para menos de 2 metros. Mas, em 19 de novembro deste ano, o
caminho parecia ainda pior.
Nós já cobrimos
todos os aspectos desta história nas últimas duas décadas. Já informamos como a
poluição está deixando as pessoas doentes e reduzindo sua expectativa de vida.
Contamos na BBC que
a Suprema Corte da Índia exige ações urgentes do governo para combater a
poluição todos os anos. E não foi diferente em 2024.
Informamos como as
crianças são as mais prejudicadas pela poluição. Descrevemos como os políticos
culpam uns aos outros pelo problema, todos os anos.
Já discutimos as
principais causas do problema. Também comentamos as soluções, tanto as que
funcionaram parcialmente quanto aquelas que foram completos fracassos.
Contamos como a
poluição prejudica principalmente os mais pobres e quantas pessoas não têm
escolha, a não ser sair para trabalhar em meio ao smog.
A cobertura
jornalística faz parecer que estamos assistindo ao mesmo filme distópico todos
os anos. Estamos presenciando a mesma história, com os mesmos personagens,
enredos e roteiros idênticos.
E a conclusão é
sempre a mesma: tudo permanece igual.
Os parques estão
novamente vazios. As pessoas, principalmente as crianças e idosos, foram
aconselhadas a ficar dentro de casa.
Aqueles que
precisam trabalhar, como diaristas, condutores de riquixás e entregadores,
continuam saindo às ruas, mesmo tossindo. Os hospitais recebem um número cada
vez maior de pessoas com problemas respiratórios.
Em meio a tudo
isso, voltamos mais uma vez à mesma pergunta: por que nada disso muda?
A resposta mais
simples é que eliminar a poluição do ar em Nova Déli exige coordenação e
esforços monumentais.
Existem várias
razões para o problema. Uma delas é a prática dos agricultores de queimar os restos
de produção para
limpar os campos rapidamente e semear a próxima safra. Isso acontece
principalmente nos Estados vizinhos de Punjab, Haryana e Uttar Pradesh.
A fumaça das
queimadas envolve a capital todos os anos, no inverno. E fica suspensa na
atmosfera, já que a velocidade dos ventos diminui durante os meses de frio.
Mas os agricultores
não podem ser totalmente culpados pela situação. Afinal, esta é a forma mais
barata de limpar os campos.
Diversos governos
já prometeram o fornecimento de máquinas e incentivos financeiros para pôr fim
às queimadas. Mas as ações concretas foram muito poucas.
·
Origem
do problema
A cidade de Nova
Déli também produz grande parte da sua poluição, com as emissões de gases dos
veículos, das fábricas e da construção civil.
Todos os anos,
durante o inverno, as pessoas se revoltam, os jornalistas produzem reportagens,
os políticos culpam uns aos outros e os tribunais se enfurecem. E, no ano
seguinte, tudo se repete.
Uma emergência de
saúde pública como esta geraria protestos em massa na maioria dos países
democráticos. Mas, aqui, a revolta se limita principalmente às redes sociais.
Ativistas afirmam
que isso ocorre porque a poluição não causa problemas imediatos para a maioria
das pessoas. A ingestão de altos níveis de PM2,5 faz com que a saúde se
deteriore lentamente.
E um estudo publicado
na revista Lancet concluiu que
a poluição causou mais de 2,3 milhões de mortes prematuras na Índia em 2019.
E há também a
divisão de classes. As pessoas que têm condições financeiras deixam
temporariamente a capital. Outras podem comprar purificadores de ar e ainda
outras podem se expressar aos quatro ventos nas redes sociais.
As demais, que não
têm estas opções, simplesmente vivem suas vidas.
A angústia coletiva
ainda não resultou em protestos em massa. E, como observou certa vez a Suprema
Corte indiana, os políticos simplesmente "passam a bola" e esperam
que a estação termine.
Especialistas
afirmam que o governo federal e os diversos governos estaduais precisam
esquecer a política partidária e trabalhar em conjunto para resolver o
problema. Eles devem se concentrar em soluções de longo prazo.
Os cidadãos
precisam cobrar os políticos e os tribunais devem aprovar imposições enérgicas
meses antes do aumento da poluição.
Este ano, estamos
novamente no pico da estação e foram anunciadas medidas temporárias, como a
proibição do trabalho na construção civil. Mas será que estas ações podem
trazer de volta o céu azul que sumiu de Nova Déli?
As evidências
verificadas nos últimos anos não trazem grandes esperanças
Fonte: BBC News
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