sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Telemedicina entra em nova fase para superar barreiras e alcançar maturidade

Não há dúvidas que a pandemia da covid-19 foi um acontecimento histórico que deixou lições valiosas em diversos aspectos das nossas vidas. Na saúde, um dos “legados” desse período difícil foi a ampliação do uso da telemedicina. Entre 2020 e 2021, por exemplo, o Brasil registrou mais de 10,2 milhões de atendimentos via teleconsulta. E, em 2022, a média mensal de atendimentos à distância triplicou, atingindo 1,4 milhões de sessões, segundo dados da Saúde Digital Brasil (SDB). De lá para cá, a modalidade se consolidou, inclusive com mudanças regulatórias e, hoje, vive um momento de amadurecimento – embora ainda tenha desafios de capacitação, interoperabilidade e equidade no acesso. 

“No boom da pandemia, a pergunta mais frequente era se a telemedicina tinha vindo para ficar. Hoje, é como se perguntássemos se o telefone celular veio para ficar”, analisa Caio Soares, vice-presidente da SDB. “É algo que faz parte do nosso dia a dia, veio para ampliar o acesso à saúde, para ampliar o cuidado e que já demonstrou ter inúmeros benefícios.” 

Até mesmo o perfil dos atendimentos realizados tem se alterado. A princípio, eles se concentravam em situações agudas não urgentes, como cefaleias, infecções urinárias e sintomas gripais. Mas, a partir de 2022, houve uma transição para o uso da telemedicina na atenção primária e secundária. É uma mudança que conversa com a tendência do ecossistema de saúde de uma abordagem mais centrada na prevenção de doenças e na manutenção do bem-estar.  

E os avanços tecnológicos devem contribuir ainda mais para essa evolução. Ferramentas de inteligência artificial e dispositivos de monitoramento remoto, por exemplo, se apresentam como aliados no suporte à prática da telemedicina. Ao ter à disposição tecnologias que permitem acompanhar o paciente na sua jornada, desde a inserção no sistema de saúde até as atividades de prevenção, a janela para intervir antes que doenças crônicas se instalem ou ainda no início delas é maior. 

“A grande diferença do sistema habitual é que, normalmente, os profissionais de saúde se posicionam de forma passiva, esperando o paciente agendar uma consulta”, avalia Carlos Pedrotti, cardiologista e gerente do Centro Médico de Telemedicina do Hospital Israelita Albert Einstein. “Nesse novo modelo, você tem um acompanhamento ativo do paciente, consegue verificar se está realizando o acompanhamento corretamente, acompanha o resultado de exames, pode identificar a necessidade de uma consulta mais precoce e assim em diante. E isso também minimiza os custos gerados por um tratamento inadequado.” 

·        Telemonitoramento é uma das tendências 

Pedrotti lembra que as iniciativas de telemonitoramento começam a chegar com maior robustez e devem se intensificar nos próximos anos. Para ele, essas tecnologias podem ganhar espaço principalmente em ações de enfermagem ou multiprofissionais de cuidado com pacientes com doenças crônicas. “Isso tem uma vinculação muito grande com a atenção primária e secundária, mas ainda carece de um arcabouço regulatório mais efetivo.” 

Segundo ele, em outros países, o uso de dispositivos de monitoramento remoto já tem demonstrado um “excelente resultado de custo-efetividade”, especialmente no que diz respeito ao acompanhamento nas linhas de cuidado de doenças como diabetes, hipertensão e obesidade. 

Ao mesmo tempo, ferramentas baseadas em IA estão otimizando a dinâmica do atendimento. É o caso de sistemas de transcrição de teleconsultas em tempo real. Para Jefferson Gomes, diretor do Programa de Educação da International Society for Telemedicine and eHealth, o uso de IA e de outras ferramentas da Internet das Coisas Médicas (IoMT, na sigla em inglês) pode possibilitar a visão de um filme da vida do paciente, enquanto a teleconsulta ou a consulta é apenas uma foto.  

“Hoje, temos os chatbots, por exemplo, que já são utilizados para realizar triagens e direcionar a pessoa para uma consulta presencial ou remota. Na IoMT, temos os dispositivos que podem monitorar o paciente durante um período. Se temos dados do mundo real dele, do dia a dia, isso pode trazer informações fundamentais não só para os aspectos de adequação do tratamento, como também para entender algumas questões do paciente”, explica Gomes. 

·        Telessaúde em regiões remotas e UTIs 

Um dos principais motivos para o investimento amplo em telessaúde é o potencial da tecnologia em alcançar populações que vivem em um deserto de serviços assistenciais – seja pela dificuldade de acesso ao território ou pela baixa densidade de profissionais de saúde para suprir a demanda local. E não apenas no sentido do atendimento direto entre médico e paciente, mas na relação entre profissionais de saúde de diferentes localidades. Um médico generalista em uma área remota, por exemplo, pode acessar um especialista de outra parte do país. 

Essa é uma realidade que já possui casos concretos, como o TeleAMES. Inaugurado em 2020, o projeto do Einstein no âmbito do Proadi-SUS oferece consultas especializadas por telemedicina e já atendeu mais de 300 mil pessoas nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil. Entre as especialidades oferecidas estão cardiologia, endocrinologia, psiquiatria, pneumologia, reumatologia e neurologia pediátrica e adulta.

A ideia é realizar as primeiras consultas normalmente pela Unidades Básicas de Saúde (UBS) de referência e, caso seja necessário, é agendada uma teleconsulta com um dos especialistas do Einstein. Dessa forma, o projeto reduz filas, custos e a necessidade de deslocamentos. Além disso, médicos locais se beneficiam com atualizações constantes, que melhoram a qualidade do atendimento nas UBSs. 

Com o natural avanço da cobertura de banda larga e desenvolvimento de sistema de saúde digital integrado, a sociedade deve usufruir ainda mais dos benefícios da telessaúde. Por outro lado, há necessidade de investimentos na atualização de equipamentos e softwares. “Temos UBSs que ainda atuam com computadores que sequer têm memória para rodar os sistemas necessários para esse tipo de atendimento. O investimento tem que ser nesse sentido também”, afirma Jefferson Gomes. 

Na área de cuidados intensivos, a tecnologia também tem se mostrado uma aliada. A visita remota de um médico intensivista melhora os resultados do tratamento de pacientes graves em UTIs do SUS, onde a disponibilidade desse profissional é restrita. “É uma estrutura simples, basicamente você tem um carrinho, um monitor e o sistema de videoconferência. O médico visita cada paciente de forma bem objetiva, discutindo os casos com o plantonista local e participando das decisões no cuidado”, explica Pedrotti. 

·        Próximos passos da telemedicina: interoperabilidade e literacia digital

Embora os benefícios das teleconsultas estejam consolidados – seja ao desafogar a demanda na porta de entrada dos serviços de saúde, seja no atendimento em áreas com pouca oferta desses serviços –, o amadurecimento da telessaúde no Brasil ainda exige um olhar para a forma como o atendimento é realizado.  

Para Gomes, quando o paciente não está na presença do profissional, há a perda de alguns componentes e, por isso, uma boa comunicação se torna ainda mais importante. Ele afirma ainda que a plataforma utilizada para a consulta remota e outros aspectos práticos da própria tecnologia devem ser levados em consideração. O ambiente, por exemplo, não deve conter distrações ou contar com a presença de terceiros. 

“A teleconsulta não é uma ferramenta, é um método. A ferramenta é o computador, a câmera, o software. Então, essas questões precisam ser aprendidas já na graduação, mas também em cursos livres que permitam que os profissionais aprofundem suas habilidades no atendimento à distância”, defende. 

Os especialistas ressaltam ainda outros pontos importantes para uma evolução ainda maior da telessaúde em solo nacional. O primeiro é o financiamento, já que a implementação de novas tecnologias ainda é custosa e é preciso chegar a acordos sobre quem deve pagar essa conta. O segundo é o investimento na interoperabilidade. “As informações dos pacientes precisam estar disponíveis em diferentes locais para que essa navegação seja facilitada. Se ele for atendido em uma UBS e depois em um hospital privado, esses dados precisam estar disponíveis”, destaca Gomes. 

Outra questão é a regulamentação das tecnologias. No Brasil, se avançou nesse tema com a aprovação pelo Senado, nesta terça-feira, 10, do Projeto de Lei 2338/2023, que dispõe sobre o uso de IA em diferentes frentes, inclusive na saúde. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados. Para o vice-presidente da SDB, embora a criação de uma lei sobre as novas tecnologias envolva uma complexidade maior do que a observada no caso da telemedicina, a experiência na lei da telemedicina pode emprestar aprendizados a serem replicados: “Na lei da telemedicina, sociedades médicas, operadoras de saúde, desenvolvedores das tecnologias, prestadores de serviço e representantes dos pacientes participaram do processo de formulação. Conseguimos uma lei que espelhasse os anseios da sociedade com base em conhecimento sólido e uma redação que passasse nessa matéria.” 

Por último, um aspecto relevante é o direcionamento de esforços para a construção de uma cultura de letramento digital – o conhecimento da população no uso de recursos digitais na saúde, tanto no que diz respeito aos aspectos tecnológicos quanto de senso crítico. Pedrotti pontua que, para a adoção de qualquer ferramenta tecnológica, o que determina se a pessoa vai adotar ou não é a percepção de utilidade. Por isso, apesar do trabalho de comunicação ser importante, essas ferramentas também devem ser construídas com o foco na usabilidade.  

“O uso da ferramenta em si vai se dar muito pelo marketing boca a boca, uma evolução orgânica em que as pessoas vão percebendo a utilidade e a conveniência de utilizar uma ferramenta de saúde digital. Isso leva tempo, é uma mudança cultural”, conclui o gerente do Centro de Telemedicina do Einstein. 

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

Nenhum comentário: