Sem ação concreta e
'pacificação' da PM, PEC da segurança será 'só letras no papel', notam
analistas
Em entrevista à
Sputnik Brasil, especialistas listam desafios presentes na tramitação da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelo governo
federal.
A crise envolvendo
as corporações das polícias militares no Brasil não é recente: denúncias
de abuso de autoridade, uso excessivo de força, tortura e extorsão são
rotineiras. Além dos recentes casos envolvendo a violência extrema da corporação
em cidades do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, em Pernambuco um
policial militar é expulso a cada seis dias, segundo o Portal da Transparência
do estado. Somado a isso, está o fortalecimento das facções criminosas
brasileiras que caminham para a internacionalização.
Conter a escalada
de violência urbana e a expansão das facções criminosas para o exterior se
tornou nevrálgico para o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Diante disso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentou a
chamada PEC
da Segurança Pública que,
entre outras coisas, visa centralizar e constitucionalizar o Sistema Único de
Segurança Pública (SUSP) e ampliar a atribuição da Polícia Federal (PF) e da
Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Em entrevista
à Sputnik Brasil, especialistas analisam se a centralização da proposta
pela PEC é eficaz e como ela pode contribuir para reduzir a violência urbana e
policial.
Daniel Hirata, professor
do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e
pesquisador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI) da instituição,
avalia que a PEC é importante porque organiza a coordenação e as atribuições
dos órgãos para atuar na área da segurança pública e constitucionaliza o SUSP,
que, segundo ele, "precisa realmente ser estruturado".
"É um consenso
entre especialistas que o SUSP é o arranjo institucional desejável para o
Brasil. Isso significa, claro, que seja um sistema que tenha capilaridade
local, mas ao mesmo tempo seja nacional, porque desde pelo menos dez anos nós
temos aí uma criminalidade organizada que se nacionalizou no Brasil. Isso
funciona, sobretudo, a partir das facções do tráfico de drogas. O PCC [Primeiro
Comando da Capital] e o Comando Vermelho [CV] são organizações que atuam em
vários estados da Federação. Também atuam fora do Brasil, sobretudo o PCC, de
modo que esse sistema nacional é fundamental para que se faça um enfrentamento
dessas organizações", explica Hirata.
No entanto, ele
frisa que ainda há muito a ser feito para além da PEC, como ações concretas com
desenho de políticas públicas "para que os arranjos normativos não
sejam só letras em pedaços de papel". Hirata afirma que uma dessas ações
necessárias é o controle efetivo sobre forças policiais, de modo a coibir o uso
abusivo da força, que ele afirma abrir margem para a aproximação de agentes com
o crime
organizado.
"Porque o uso
abusivo da força, a violência institucional descontrolada, faz parte da lógica
de formação dos grupos armados, do controle territorial armado. Ou seja, uma
polícia sem controle é uma polícia que pode claramente atuar de forma a
negociar suas prerrogativas de controle, seus poderes de vida e morte.
Portanto, está a um passo de atuar ou de forma conivente ou com participação
direta nessas organizações criminosas."
O especialista
enfatiza que a PEC é importante, porém "absolutamente
insuficiente" se não for acompanhada de políticas públicas.
"Nós
precisamos de políticas públicas que incidam sobre as bases políticas e
econômicas desses grupos, a desvinculação política — seja do ponto de vista do
envolvimento dos agentes do Estado, como também da regulamentação de mercados
legais e ilegais para que esses grupos não atuem nesses mercados. A começar
pelo mercado de drogas, mas nós temos uma diversificação das atividades
criminais que é bastante importante neste momento no Brasil; o mercado
imobiliário, de infraestrutura urbana. Tem uma série de mercados que são legais
e outros que são ilegais nos quais esses grupos têm atuação", afirma.
Rafael Strano,
defensor público e professor do Mackenzie Alphaville, afirma que a
centralização dos dados é necessária porque não há, atualmente,
padronização sobre os dados coletados e produzidos pelas agências de segurança
pública, o que acarreta inúmeras dificuldades, inclusive na fase processual da
persecução penal.
"Cada estado
possui modelos diversos de certidões de antecedentes, boletins de ocorrência e
de tantos outros documentos fundamentais para a atuação do sistema penal. A
informatização e a integração dos dados, já prevista na Lei do Sistema Único de
Segurança Pública, favorece medidas de inteligência e é bem-vinda. Por outro
lado, a criação de uma força ostensiva federal vai na contramão da discussão
sobre a unificação das polícias", afirma.
Strano avalia
que uma das possíveis causas para o fortalecimento do crime organizado no
Brasil é a elevação dos níveis de encarceramento nas duas últimas
décadas e a consequente superpopulação prisional, questão que
aparentemente sequer entrará no atual debate, mas que permitiria analisar o
problema por um aspecto mais amplo, inclusive do ponto de vista social.
Quanto à
necessidade de punir agentes envolvidos em casos de uso abusivo de violência,
ele afirma que a ampliação da governança sobre a atuação de qualquer agência do
sistema punitivo deve ser perene e constitui medida essencial ao Estado
Democrático.
"Além disso, a
utilização de mecanismos de transparência, como a câmera [corporal], deve ser
acompanhada das respectivas melhorias nas condições de treinamento e de
trabalho dos agentes que atuam diretamente junto à população", explica
Strano.
Ele afirma que a
origem das organizações criminosas é multifacetada e depende, inclusive, do
contexto geopolítico interno e externo de cada época. Por isso, é difícil
estabelecer paralelos com contextos como o da Colômbia nos anos 1990 ou do
México atualmente.
"Há, de
qualquer forma, uma preocupação com a ascensão desse tipo de crime no Brasil,
que parece conectado com a ausência do Estado em regiões vulneráveis e,
especialmente, ao já mencionado aumento do nível de encarceramento desde o
início dos anos 2000."
A proposta de
centralização dos dados da segurança pública é, de fato, tentadora, segundo
aponta José Ricardo Bandeira, perito em criminalística e criminologia,
comentarista de segurança pública, presidente do Instituto de Criminalística e
Ciências Policiais da América Latina (Inscrim) e membro ativo da Associação
Internacional de Polícia (IPA, na sigla em inglês).
"A integração
de informações de diferentes polícias poderia gerar um panorama mais preciso do
crime no Brasil, facilitando a identificação de padrões, a criação de
estratégias mais eficazes e a agilização da troca de informações entre as
forças de segurança", afirma.
Entretanto,
Bandeira alerta que essa centralização apresenta alguns obstáculos a serem
superados. O primeiro, segundo ele, seria a questão da privacidade e segurança,
pois seria necessário garantir que os dados sejam protegidos contra vazamentos
e acessos não autorizados. O segundo desafio seria a qualidade dos dados
coletados pela polícia de cada estado, o que traria a necessidade de investir
em sistemas de coleta e armazenamento de dados padronizados e confiáveis.
Ademais, haveria a resistência cultural e o risco de centralização
excessiva.
"A cultura
organizacional de cada polícia pode dificultar a integração e a troca de
informações. É necessário um trabalho de sensibilização e capacitação dos
agentes. A centralização excessiva pode gerar dependência do sistema central,
tornando o sistema mais vulnerável a falhas e ataques. É importante manter um equilíbrio
entre a centralização e a autonomia das polícias estaduais e municipais."
Bandeira afirma que
o surgimento de milícias e a infiltração de agentes no crime organizado são
resultado de vários fatores, que incluem impunidade, ausência do Estado e péssimas
condições de trabalho, e destaca que "a brutalidade policial é um
problema grave que mina a confiança da população nas instituições de
segurança".
"A
'pacificação' da polícia é fundamental para restabelecer essa confiança. Nesse
sentido, as medidas propostas são importantes, pois enviam um sinal claro de
que a violência não será tolerada, aumentando a transparência e a
responsabilização dos policiais, reduzindo o estresse e a exaustão dos
policiais, contribuindo para um ambiente de trabalho mais saudável. No
entanto, é preciso ter cuidado para não criminalizar a polícia. É
fundamental garantir que os policiais tenham as ferramentas e o treinamento
necessários para realizar seu trabalho de forma eficaz e segura."
<><> Proximidade
das eleições pode interferir na tramitação da PEC?
O tema da violência
urbana é uma constante entre políticos, sobretudo durante eleições. Questionado
se a proximidade do pleito, previsto para 2026, pode interferir no debate da
PEC da segurança pública, Strano afirma que, de fato, a questão criminal tem
sido explorada nas eleições brasileiras, especialmente a partir de uma tônica
populista e de recrudescimento do poder punitivo. Porém, ele afirma que os
temas tratados na PEC não abrangem aqueles que causam repercussão eleitoral, que
costumam ser questões relativas a aumento de penas, criação de novos tipos
penais, entre outros temas que não possuem relação com a PEC.
"De qualquer
forma, a política criminal é uma política como as demais e está sujeita às
mesmas pressões verificadas quando dos debates sobre orçamento, política
cambial etc."
Bandeira, por sua
vez, avalia que a segurança pública é um tema sensível e com grande apelo
popular, o que torna a influência política na tramitação da PEC
inevitável.
"É preciso
também garantir que o debate sobre a PEC seja aberto e transparente, com a
participação de especialistas e da sociedade civil. É preciso garantir que as
decisões sobre a PEC sejam tomadas com base em evidências e no interesse
público", conclui o especialista.
¨ Câmara aprova projeto que desidrata Estatuto do
Desarmamento e permite a investigados registrarem armas
A Câmara dos
Deputados aprovou
nesta quarta-feira (11) um projeto que autoriza investigados a registrarem
armas.
O texto volta ao
Senado, porque os deputados alteraram o mérito do projeto. Como o texto começou
a tramitar lá, a proposta precisa ser revisada pelos senadores.
Pacote da
'segurança' de Lira tem jabuti que até anistia arma ilegal
O texto retira do
dispositivo que regulamenta o registro de arma de fogo a obrigação de o
interessado declarar a efetiva necessidade e permite que pessoas que respondem
a inquérito policial registrem armas de fogo.
Atualmente, o
Estatuto do Desarmamento proíbe isso. Segundo a legislação, quem quer ter arma
de fogo não pode estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal.
<><> Acordo
Apesar da polêmica
levantada pelo projeto entre os deputados, houve acordo para votação
simbólica. O deputado Alencar Santana (PT-SP), que ficou responsável pela
orientação do governo para a base aliada, disse que não há compromisso de
sancionar a proposta.
"Diante do
diálogo e da melhora do texto, o governo vota sim, destacando que não há
compromisso de sanção".
O acordo foi
possível após o relator incluir proibições no acesso a armas para algumas
investigações. A versão inicial permitia que investigados por qualquer
crime tivesse acesso a armas.
<><> Lista
de crimes
O projeto aprovado,
no entanto, elenca os crimes pelos quais uma pessoa investigada será proibida
de registrar armas e, na prática, libera para os demais.
“O texto tem vários crimes que havendo
inquéritos a pessoa não pode registrar armas de fogo. Isso é avanço. Mas
quantos outros crimes não estão neste artigo e mesmo pessoas com inquérito
poderão ter armas de fogo? Isso é problemática”, afirmou o deputado Pastor
Henrique Vieira (PSOL-RJ).
Conforme a
proposta, não poderão ter armas pessoas que forem condenadas, por qualquer
crime, ou que estejam respondendo a inquéritos por:
# crime doloso
contra a vida;
# hediondo;
# crime contra a
dignidade sexual;
# crime tipificado
pela Lei Maria da Penha;
# crime cometido
contra o patrimônio com o uso de violência;
# crime de ameaça
ou cometido com grave ameaça.
Além disso, pessoas
sob restrição por medida protetiva também não poderão registrar armamentos.
<>< Anistia
O projeto estende
de 3 para 5 anos a validade do registro de armas de fogo, dilatando portando os
prazos para revisão dos dados do portador.
Além disso, o texto
reabre o prazo para legalização de armas irregulares. Esta janela está fechada
desde 31 de dezembro de 2008. Atualmente, quem ainda ostenta armamento não
regularizado está com porte ou posse ilegal.
Segundo a proposta,
quem tiver arma de fogo ainda não registrada ou com o registro vencido poderá
solicitar seu registro em até um ano a partir da publicação da lei.
<><> Pacote
de segurança
Desde a terça-feira
(10), a Câmara vem
votando uma série de projetos na área de segurança pública. A análise do
pacote de medidas foi uma promessa do presidente da Câmara, Arthur Lira, aos
parlamentares da chamada "bancada da bala", cujas atuações
legislativas são focadas no tema da segurança pública.
Entre os projetos
aprovados pelos deputados neste período estão:
# aumento na pena
para roubo e furto de fios de energia;
# criminalização da
troca de etiquetas de bagagens para tráfico de drogas;
# criação de cadastro
para monitoramento de facções
Fonte: Sputnik Brasil
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