‘Se não estivéssemos atentos, Yoon teria dado o
golpe’, diz deputado opositor sul-coreano
A ação dos parlamentares da Assembleia Nacional da Coreia do Sul para
barrar a lei marcial declarada pelo presidente Yoon Suk Yeol, em 3 de
dezembro, só teve sucesso porque, desde agosto, alguns
representantes do Legislativo local já haviam denunciado suspeitas sobre o
possível decreto.
A informação é de Kim Byung Joo, membro da Assembleia Nacional pelo
Partido Democrático da Coreia, um dos principais setores de oposição ao
governista Partido do Poder Popular. Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, nesta
quarta-feira (11/12), o político e ex-militar revelou que foi ele quem pôs em
debate os primeiros indícios de que o mandatário preparava um decreto para
promover um autogolpe.
“Sou um ex-general de quatro estrelas. Isso significa que eu tenho um
alto nível de compreensão da organização militar. O fato de eu ter sido o
primeiro político nacional a levantar suspeitas sobre a lei marcial em agosto
deste ano foi possível justamente devido à familiaridade que tenho com a
organização militar”, explicou.
À reportagem, Kim destacou o fato de que, desde agosto, Yoon passou a
nomear “amigos próximos” para compor a sua equipe de gabinete. O parlamentar
mencionou nomes como o ex-ministro da Defesa Kim Yong Hyun, que atualmente se
encontra preso e submetido à determinação da Justiça sul-coreana; e Yeo In
Hyung, ex-comandante de contraespionagem do Exército. Ambos se formaram na
Escola Secundária de Chungnam, assim como o presidente.
“A nossa vida poderia ter mudado da noite para o dia com restrições à
liberdade de expressão. É assustador pensar nisso. Se não tivéssemos sido
atentos e pensado antecipadamente na possibilidade da lei marcial, não teríamos
sido capazes de responder rapidamente à votação para bloquear o decreto, e lei
marcial poderia ter sido implementada”, contou Kim.
Em setembro, logo após ser empossado no cargo, o então ministro da
Defesa havia rejeitado a avaliação do Partido Democrático de que sua nomeação
teria sido motivada para o governo reforçar o controle sobre os militares.
Na ocasião, alguns legisladores haviam sugerido que o “amigo” de Yoon
poderia incentivar uma possível lei marcial no país, levando em consideração o
fato de presidente estar enfrentando uma tendência de crescimento da sua
impopularidade.
“A lei marcial é possível quando o ministro da Defesa Nacional propõe e
o presidente acata. Para que a lei marcial seja emitida, há três
entidades-chaves: o ministro da Defesa Nacional, o comandante responsável da
Lei Marcial e o chefe do Quartel-General de Investigação Conjunta. O chefe do
Quartel-General de Investigação é chefiado pelo comandante de contraespionagem
e tem jurisdição sobre todos os poderes de investigação do país, incluindo os
militares, os promotores e a polícia”, explicou o parlamentar.
Ao reforçar que a lei marcial deve apenas ser declarada quando a nação
entra em estados de guerra ou em situações semelhantes, como de destruição e
catástrofe natural, o parlamentar avaliou que a decisão tomada por Yoon foi
“muito irracional”.
“Além disso, mesmo que a lei
marcial seja declarada, as forças da lei marcial não estão autorizadas a
controlar a Assembleia Nacional. No entanto, os ‘líderes da rebelião’ Yoon Suk
Yeol e Kim Yong Hyun tentaram bloquear a Assembleia Nacional recorrendo aos
militares e à polícia. Esta é uma clara violação da lei. É por isso que
apontamos que se trata de um golpe de Estado, ou de um autogolpe”, enfatizou.
De acordo com o membro do Partido Democrático, o presidente se encontra
em uma situação que “não pode mais administrar assuntos de Estado”, destacando
que as atividades diplomáticas ficaram paralisadas e que a situação econômica,
que ficou desestabilizada imediatamente após o decreto, tem a tendência de
piorar.
“Nesse momento, a possibilidade de uma segunda lei marcial é muito
baixa. No entanto, não podemos ficar sossegados. Yoon Suk Yeol deve renunciar o
mais rápido possível. Caso contrário, deverá sofrer impeachment o quanto
antes”, defendeu.
De acordo com Kim, uma renúncia de Yoon “resultará na suspensão de seu
cargo e na perda de seus poderes. Assim, as pessoas poderão retornar ao seu
cotidiano com tranquilidade. A economia e as forças armadas também recuperarão,
em breve, a estabilidade”.
A expectativa é de que neste sábado (14/12) ocorra mais uma sessão de
votação para o impeachment contra o presidente sul-coreano, uma semana após a
primeira tentativa frustrada em decorrência do boicote do partido governista.
No último sábado (07/12), apenas três dos 108 parlamentares que integram
o Partido do Poder Popular na Assembleia realizaram seus votos: dois se
posicionaram a favor da destituição de Yoon, enquanto um foi contra.
Como o pedido de impeachment depende obrigatoriamente do endosso de pelo
menos dois terços da casa (200 votos de um total de 300), ele não foi aprovado.
A situação gerou críticas e impulsionou os protestos nas ruas de Seul, com
manifestantes chamando Yoon e o seu partido de “covardes”.
<><> O silêncio de Pyongyang sobre a crise
na Coreia do Sul
Na semana seguinte ao
intempestivo anúncio do presidente Yoon Suk Yeol de lei marcial na Coreia do Sul, Pyongyang se
manteve atipicamente silencioso. Yoon Suk explicara que a medida era necessária
devido a forças "anti-Estado" e "comunistas norte-coreanas"
nos quadros da oposição nacional.
Normalmente a máquina de
propaganda estatal do Norte se precipita sobre qualquer indício de dissenção
pública na nação irmã, como uma prova da corrupção e incompetência que degrada
seu sistema democrático e seus líderes. Entre a declaração do presidente, na
noite de 3 de dezembro, e esta terça-feira (10/12), contudo, o Norte ignorou a
oportunidade de zombar do rival ideológico e enfatizar a superioridade de seu
próprio modelo de socialismo.
Em vez disso, a agência de
notícias estatal KCNA concentrou-se em questões domésticas mais mundanas, como
a inauguração de uma fábrica de condimentos e a participação de um grupo jovem
numa "reunião de juramento".
Alguns observadores
sugeriram que Pyongyang teria optado por não mostrar imagens da população
sul-coreana protestando em massa contra o governo para não encorajar seus
próprios cidadãos insatisfeitos a tentarem algo semelhante.
Outros creem que os
distúrbios no Sul despertaram no Norte o temor de que o governo de Seul, sob
pressão, tentasse desviar a atenção pública, provocando um incidente de
segurança entre os dois Estados. Por isso, Pyongyang teria concentrado suas
energias em se preparar para algum tipo de confrontação.
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Fim do princípio de "um só povo coreano"?
Ainda
outra teoria remonta ao anúncio norte-coreano, no fim de 2023, de que alteraria
sua Constituição para refletir o status do Sul como "Estado
beligerante", sendo agora as relações bilaterais "entre dois Estados
hostis". Trata-se de um afastamento radical do paradigma de que as duas
Coreias sejam um só povo homogêneo
que um dia será reunificado.
O
professor de História e Relações Internacionais Andrei Lankov, da Universidade
Kookmin, de Seul, enfatiza que "quase todo fim de semana, desde que Yoon
está no poder, tem havido grandes manifestações contra seu governo" na
capital. "E toda vez que houve uma passeata, a mídia norte-coreana
noticiou. Acho que, se não foi o caso depois da declaração de lei marcial, é em
parte porque o Norte queria ver o que ia acontecer."
"Mas
também houve uma redução gradual do volume de cobertura que o Norte fornece a
seu povo na mídia estatal, porque não quer focalizar sua atenção no Sul, quer
posicioná-lo como 'apenas mais um país'", avalia Lankov.
Goo
Gap-woo, professor de Diplomacia da Universidade de Estudos Norte-Coreanos, em
Seul, concorda que Pyongyang esteja perseguindo ativamente uma política de se
distanciar de qualquer tipo de contato com o vizinho: "Só posso pensar que
essa é mais prova de que eles não querem ter mais nada a ver com o Sul, depois
da declaração de Kim
Jong-un das
'duas Coreias', no ano passado."
"Acima
de tudo, acho que eles não querem se envolver em nenhum conflito na Península
Coreana", reforça Goo: o risco militar pode ser elevado demais, diante da
quantidade de munição e soldados com que a Coreia do Norte enviou para a
Ucrânia para lutar no lado da Rússia na guerra.
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Pyongyang finalmente rompe seu silêncio
No
fim das contas, entretanto, o Norte aparentemente reconheceu que não podia
permanecer calado: nesta quarta-feira, em seu usual tom de provocação, a KCNA
noticiou sobre os eventos no Sul.
"O
chocante incidente do regime do fantoche Yoon Suk-yeol [...], súbito declarando
lei marcial e, sem hesitar, brandindo os fuzis e facas de sua ditadura
fascista, provocou caos por toda a Coreia do Sul."
A
matéria descreveu os militares sul-coreanos como "organização de
gângsters", tachando as ações de Yoon como "um desastre", e
afirmando que a população exigiria seu impeachment e punição imediatos.
A reportagem foi acompanhada por cerca de 20 fotos, embora nenhuma mostrasse
civis resistindo aos militares diante do Parlamento em Seul.
<><> Presidente sul-coreano promete 'lutar até o fim' para
continuar no cargo
O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, defendeu nesta quinta-feira (12/12), em um discurso televisionado,
sua fracassada tentativa de colocar o país sob lei marcial na semana passada.
Também disse que “lutaria até o fim” contra o impeachment que a oposição tentará aprovar no Parlamento no próximo sábado (14/12), embora seu próprio partido, o
direitista Poder Popular (PPP) esteja pressionando pela sua renúncia.
Yoon afirmou que declarou a lei marcial e enviou
centenas de soldados à Assembleia Nacional para
“salvar o país” de partidos de oposição que ele chamou de “antiestatais”
e “grupos criminosos” que estariam sua maioria na Assembleia Legislativa
para “paralisar o país” e perturbar o estado de direito.
A oposição atualmente tem maioria no Parlamento do país, mas o
impeachment requer o voto de dois terços da Casa.
Ele criticou o Partido Democrata, que lidera a oposição, por ter
bloqueado algumas de suas propostas e por ter exigido que sua esposa fosse
investigada por supostas irregularidades.
·
Questionou a lisura das eleições
Yoon levantou dúvidas sobre a lisura das eleições de abril passado, nas
quais seu partido foi derrotado por esmagadora maioria.
Sem apresentar evidências, alegou que os computadores da Comissão
Eleitoral Nacional (NEC) haviam sido invadidos pela Coreia do Norte no ano
passado e que foi isso que propiciou a vitória da oposição.
Durante as seis horas que durou a lei marcial, tropas invadiram a sala
de computadores da comissão eleitoral.
A Comissão respondeu que, ao levantar suspeitas de irregularidades
eleitorais, Yoon cometia um “ato autodestrutivo contra o sistema de supervisão
eleitoral que o elegeu presidente”.
Ele ganhou o cargo em 2022 pela menor margem registrada na história
democrática do país.
Segundo a Comissão, a agência de espionagem do país foi consultada no
ano passado sobre eventuais “vulnerabilidades de segurança” do sistema
eleitoral e que não foram encontrados sinais de um ataque norte-coreano que
comprometesse o sistema.
O discurso foi o primeiro pronunciamento de Yoon após ter se desculpado,
na sexta-feira (06/12), por sua frustrada tentativa de conceder amplos poderes
aos militares.
Seu decreto de estado de emergência foi anulado pelo Parlamento seis
horas depois em sessão marcada pelo confronto entre parlamentares e soldados
enviados por Yoon para impedir a votação.
·
Presidente sob investigação
“Quer eles me acusem ou me investiguem, eu enfrentarei tudo
honestamente, lutarei até o fim”, disse Yoon.
Como ele é também promotor e jurista, acredita-se que esteja apostando
em se manter no poder pela judicialização do processo. Isso porque uma votação
para a sua destituição enviaria o caso ao Tribunal Constitucional, que tem até
seis meses para decidir a respeito.
O partido de Yoon está dividido sobre o impeachment. Alguns de seus
parlamentares aina apoiam o presidente, mas o líder do partido, Han Dong-hoon,
reuniu-se nesta quinta-feira com outros membros para pedir que votassem pelo
impeachment. Sete já confirmaram que o farão
Na quarta-feira (11/12) à noite seis partidos de oposição liderados pelo
Partido Democrata apresentaram formalmente o pedido de impeachment, que deve
ser votado sábado, uma semana depois do fracasso da primeira tentativa pelo
boicote do PPP.
Fonte: Opera Mundi/
Brasil
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