sábado, 14 de dezembro de 2024

‘Se não estivéssemos atentos, Yoon teria dado o golpe’, diz deputado opositor sul-coreano

A ação dos parlamentares da Assembleia Nacional da Coreia do Sul para barrar a lei marcial declarada pelo presidente Yoon Suk Yeol, em 3 de dezembro, só teve sucesso porque, desde agosto, alguns representantes do Legislativo local já haviam denunciado suspeitas sobre o possível decreto.

A informação é de Kim Byung Joo, membro da Assembleia Nacional pelo Partido Democrático da Coreia, um dos principais setores de oposição ao governista Partido do Poder Popular. Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, nesta quarta-feira (11/12), o político e ex-militar revelou que foi ele quem pôs em debate os primeiros indícios de que o mandatário preparava um decreto para promover um autogolpe.

“Sou um ex-general de quatro estrelas. Isso significa que eu tenho um alto nível de compreensão da organização militar. O fato de eu ter sido o primeiro político nacional a levantar suspeitas sobre a lei marcial em agosto deste ano foi possível justamente devido à familiaridade que tenho com a organização militar”, explicou.

À reportagem, Kim destacou o fato de que, desde agosto, Yoon passou a nomear “amigos próximos” para compor a sua equipe de gabinete. O parlamentar mencionou nomes como o ex-ministro da Defesa Kim Yong Hyun, que atualmente se encontra preso e submetido à determinação da Justiça sul-coreana; e Yeo In Hyung, ex-comandante de contraespionagem do Exército. Ambos se formaram na Escola Secundária de Chungnam, assim como o presidente.

“A nossa vida poderia ter mudado da noite para o dia com restrições à liberdade de expressão. É assustador pensar nisso. Se não tivéssemos sido atentos e pensado antecipadamente na possibilidade da lei marcial, não teríamos sido capazes de responder rapidamente à votação para bloquear o decreto, e lei marcial poderia ter sido implementada”, contou Kim.

Em setembro, logo após ser empossado no cargo, o então ministro da Defesa havia rejeitado a avaliação do Partido Democrático de que sua nomeação teria sido motivada para o governo reforçar o controle sobre os militares.

Na ocasião, alguns legisladores haviam sugerido que o “amigo” de Yoon poderia incentivar uma possível lei marcial no país, levando em consideração o fato de presidente estar enfrentando uma tendência de crescimento da sua impopularidade.

“A lei marcial é possível quando o ministro da Defesa Nacional propõe e o presidente acata. Para que a lei marcial seja emitida, há três entidades-chaves: o ministro da Defesa Nacional, o comandante responsável da Lei Marcial e o chefe do Quartel-General de Investigação Conjunta. O chefe do Quartel-General de Investigação é chefiado pelo comandante de contraespionagem e tem jurisdição sobre todos os poderes de investigação do país, incluindo os militares, os promotores e a polícia”, explicou o parlamentar.

Ao reforçar que a lei marcial deve apenas ser declarada quando a nação entra em estados de guerra ou em situações semelhantes, como de destruição e catástrofe natural, o parlamentar avaliou que a decisão tomada por Yoon foi “muito irracional”.

 “Além disso, mesmo que a lei marcial seja declarada, as forças da lei marcial não estão autorizadas a controlar a Assembleia Nacional. No entanto, os ‘líderes da rebelião’ Yoon Suk Yeol e Kim Yong Hyun tentaram bloquear a Assembleia Nacional recorrendo aos militares e à polícia. Esta é uma clara violação da lei. É por isso que apontamos que se trata de um golpe de Estado, ou de um autogolpe”, enfatizou.

De acordo com o membro do Partido Democrático, o presidente se encontra em uma situação que “não pode mais administrar assuntos de Estado”, destacando que as atividades diplomáticas ficaram paralisadas e que a situação econômica, que ficou desestabilizada imediatamente após o decreto, tem a tendência de piorar.

“Nesse momento, a possibilidade de uma segunda lei marcial é muito baixa. No entanto, não podemos ficar sossegados. Yoon Suk Yeol deve renunciar o mais rápido possível. Caso contrário, deverá sofrer impeachment o quanto antes”, defendeu.

De acordo com Kim, uma renúncia de Yoon “resultará na suspensão de seu cargo e na perda de seus poderes. Assim, as pessoas poderão retornar ao seu cotidiano com tranquilidade. A economia e as forças armadas também recuperarão, em breve, a estabilidade”.

A expectativa é de que neste sábado (14/12) ocorra mais uma sessão de votação para o impeachment contra o presidente sul-coreano, uma semana após a primeira tentativa frustrada em decorrência do boicote do partido governista.

No último sábado (07/12), apenas três dos 108 parlamentares que integram o Partido do Poder Popular na Assembleia realizaram seus votos: dois se posicionaram a favor da destituição de Yoon, enquanto um foi contra.

Como o pedido de impeachment depende obrigatoriamente do endosso de pelo menos dois terços da casa (200 votos de um total de 300), ele não foi aprovado. A situação gerou críticas e impulsionou os protestos nas ruas de Seul, com manifestantes chamando Yoon e o seu partido de “covardes”.

 

<><> O silêncio de Pyongyang sobre a crise na Coreia do Sul

Na semana seguinte ao intempestivo anúncio do presidente Yoon Suk Yeol de lei marcial na Coreia do SulPyongyang se manteve atipicamente silencioso. Yoon Suk explicara que a medida era necessária devido a forças "anti-Estado" e "comunistas norte-coreanas" nos quadros da oposição nacional.

Normalmente a máquina de propaganda estatal do Norte se precipita sobre qualquer indício de dissenção pública na nação irmã, como uma prova da corrupção e incompetência que degrada seu sistema democrático e seus líderes. Entre a declaração do presidente, na noite de 3 de dezembro, e esta terça-feira (10/12), contudo, o Norte ignorou a oportunidade de zombar do rival ideológico e enfatizar a superioridade de seu próprio modelo de socialismo.

Em vez disso, a agência de notícias estatal KCNA concentrou-se em questões domésticas mais mundanas, como a inauguração de uma fábrica de condimentos e a participação de um grupo jovem numa "reunião de juramento".

Alguns observadores sugeriram que Pyongyang teria optado por não mostrar imagens da população sul-coreana protestando em massa contra o governo para não encorajar seus próprios cidadãos insatisfeitos a tentarem algo semelhante.

Outros creem que os distúrbios no Sul despertaram no Norte o temor de que o governo de Seul, sob pressão, tentasse desviar a atenção pública, provocando um incidente de segurança entre os dois Estados. Por isso, Pyongyang teria concentrado suas energias em se preparar para algum tipo de confrontação.

<><> Fim do princípio de "um só povo coreano"?

Ainda outra teoria remonta ao anúncio norte-coreano, no fim de 2023, de que alteraria sua Constituição para refletir o status do Sul como "Estado beligerante", sendo agora as relações bilaterais "entre dois Estados hostis". Trata-se de um afastamento radical do paradigma de que as duas Coreias sejam um só povo homogêneo que um dia será reunificado.

O professor de História e Relações Internacionais Andrei Lankov, da Universidade Kookmin, de Seul, enfatiza que "quase todo fim de semana, desde que Yoon está no poder, tem havido grandes manifestações contra seu governo" na capital. "E toda vez que houve uma passeata, a mídia norte-coreana noticiou. Acho que, se não foi o caso depois da declaração de lei marcial, é em parte porque o Norte queria ver o que ia acontecer."

"Mas também houve uma redução gradual do volume de cobertura que o Norte fornece a seu povo na mídia estatal, porque não quer focalizar sua atenção no Sul, quer posicioná-lo como 'apenas mais um país'", avalia Lankov.

Goo Gap-woo, professor de Diplomacia da Universidade de Estudos Norte-Coreanos, em Seul, concorda que Pyongyang esteja perseguindo ativamente uma política de se distanciar de qualquer tipo de contato com o vizinho: "Só posso pensar que essa é mais prova de que eles não querem ter mais nada a ver com o Sul, depois da declaração de Kim Jong-un das 'duas Coreias', no ano passado."

"Acima de tudo, acho que eles não querem se envolver em nenhum conflito na Península Coreana", reforça Goo: o risco militar pode ser elevado demais, diante da quantidade de munição e soldados com que a Coreia do Norte enviou para a Ucrânia para lutar no lado da Rússia na guerra.

<><> Pyongyang finalmente rompe seu silêncio

No fim das contas, entretanto, o Norte aparentemente reconheceu que não podia permanecer calado: nesta quarta-feira, em seu usual tom de provocação, a KCNA noticiou sobre os eventos no Sul.

"O chocante incidente do regime do fantoche Yoon Suk-yeol [...], súbito declarando lei marcial e, sem hesitar, brandindo os fuzis e facas de sua ditadura fascista, provocou caos por toda a Coreia do Sul."

A matéria descreveu os militares sul-coreanos como "organização de gângsters", tachando as ações de Yoon como "um desastre", e afirmando que a população exigiria seu impeachment e punição imediatos. A reportagem foi acompanhada por cerca de 20 fotos, embora nenhuma mostrasse civis resistindo aos militares diante do Parlamento em Seul.

<><> Presidente sul-coreano promete 'lutar até o fim' para continuar no cargo

presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, defendeu nesta quinta-feira (12/12), em um discurso televisionado, sua fracassada tentativa de colocar o país sob lei marcial na semana passada.

Também disse que “lutaria até o fim” contra o impeachment que a oposição tentará aprovar no Parlamento no próximo sábado (14/12), embora seu próprio partido, o direitista Poder Popular (PPP) esteja pressionando pela sua renúncia.

Yoon afirmou que declarou a lei marcial e enviou centenas de soldados à Assembleia Nacional para “salvar o país” de partidos de oposição que ele chamou de “antiestatais” e  “grupos criminosos” que estariam sua maioria na Assembleia Legislativa para “paralisar o país” e perturbar o estado de direito.

A oposição atualmente tem maioria no Parlamento do país, mas o impeachment requer o voto de dois terços da Casa.

Ele criticou o Partido Democrata, que lidera a oposição, por ter bloqueado algumas de suas propostas e por ter exigido que sua esposa fosse investigada por supostas irregularidades.

·        Questionou a lisura das eleições

Yoon levantou dúvidas sobre a lisura das eleições de abril passado, nas quais seu partido foi derrotado por esmagadora maioria.

Sem apresentar evidências, alegou que os computadores da Comissão Eleitoral Nacional (NEC) haviam sido invadidos pela Coreia do Norte no ano passado e que foi isso que propiciou a vitória da oposição.

Durante as seis horas que durou a lei marcial, tropas invadiram a sala de computadores da comissão eleitoral.

A Comissão respondeu que, ao levantar suspeitas de irregularidades eleitorais, Yoon cometia um “ato autodestrutivo contra o sistema de supervisão eleitoral que o elegeu presidente”.

Ele ganhou o cargo em 2022 pela menor margem registrada na história democrática do país.

Segundo a Comissão, a agência de espionagem do país foi consultada no ano passado sobre eventuais “vulnerabilidades de segurança” do sistema eleitoral e que não foram encontrados sinais de um ataque norte-coreano que comprometesse o sistema.

O discurso foi o primeiro pronunciamento de Yoon após ter se desculpado, na sexta-feira (06/12), por sua frustrada tentativa de conceder amplos poderes aos militares.

Seu decreto de estado de emergência foi anulado pelo Parlamento seis horas depois em sessão marcada pelo confronto entre parlamentares e soldados enviados por Yoon para impedir a votação.

·        Presidente sob investigação

“Quer eles me acusem ou me investiguem, eu enfrentarei tudo honestamente, lutarei até o fim”, disse Yoon.

Como ele é também promotor e jurista, acredita-se que esteja apostando em se manter no poder pela judicialização do processo. Isso porque uma votação para a sua destituição enviaria o caso ao Tribunal Constitucional, que tem até seis meses para decidir a respeito.

O partido de Yoon está dividido sobre o impeachment. Alguns de seus parlamentares aina apoiam o presidente, mas o líder do partido, Han Dong-hoon, reuniu-se nesta quinta-feira com outros membros para pedir que votassem pelo impeachment. Sete já confirmaram que o farão

Na quarta-feira (11/12) à noite seis partidos de oposição liderados pelo Partido Democrata apresentaram formalmente o pedido de impeachment, que deve ser votado sábado, uma semana depois do fracasso da primeira tentativa pelo boicote do PPP.

 

Fonte: Opera Mundi/ Brasil

 

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