Plano Nacional de Educação: uma
oportunidade de fortalecimento da justiça climática nas escolas brasileiras
Nesta quinta-feira, 12 de dezembro, celebramos o dia
do Plano Nacional de Educação
(PNE),
uma data oficial que destaca a importância de direcionar esforços e
investimentos para a melhoria da educação no Brasil. A celebração deste
dia sugere que é preciso criar uma ação conjunta que promova debates, práticas
pedagógicas e engajamento comunitário em torno da educação climática e
ambiental.
Primeiramente, é importante destacar que a “educação
ambiental apoia o entendimento sobre como o modo de vida atual da sociedade
moderna vem causando desequilíbrio no planeta. As mudanças climáticas são as
consequências mais imediatas e concretas desse descompasso ambiental”. Em razão
disso, a educação climática é central para o estudo do meio ambiente e deve ser
priorizada nas políticas educacionais. Nesse sentido, o PNE, sancionado em
2014, foi um marco ao estabelecer metas para a garantia do direito à educação
de qualidade para a população brasileira.
As 58 metas do plano atual são comparáveis aos 56
indicadores do plano anterior, criado em 2014. Para cada meta, há um conjunto
de estratégias atreladas. O PNE, do ano de 2014 até o ano de 2024, contava com
20 metas, 38 a menos que a quantidade estabelecida pelo novo plano. Dessas,
apenas quatro foram cumpridas, sendo estas todas relacionadas ao ensino
superior. Sua implementação ao longo dos anos revela desafios significativos,
especialmente na inclusão de pautas fundamentais como a educação climática, o
letramento de pessoas negras sobre justiça climática e os impactos das mudanças
do clima no ambiente escolar.
No contexto atual, a Política Nacional de Educação
Ambiental (PNEA) deveria fortalecer uma educação emancipatória e colaborar para
uma formação crítica sobre as problemáticas ambientais, porém se observa que
este processo de implementação enfrenta limitações práticas.
Para ilustrar isso, tem-se que a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) menciona a Educação Ambiental apenas de forma tangencial, e o
PNE substituiu a expressão ‘Educação Ambiental’ por ‘sustentabilidade
socioambiental’, sem destacar a necessidade de abordar as desigualdades
estruturais ou valorizar as vozes das populações negras, indígenas, ribeirinhas
e quilombolas. Nesse cenário, a construção do conceito de Educação Climática
nos ambientes escolares se torna importante em razão da necessidade de afirmar
o compromisso público com a promoção de uma formação socioambiental,
interseccional, interdisciplinar e libertadora nos espaços de ensino formal.
Nesse sentido, o espaço escolar é um lugar estratégico
para fomentar uma cidadania ativa e construir novos imaginários sociais. Além
disso, a interação da escola com o contexto local é um pilar essencial quando
se trabalha com a Educação
Ambiental,
prevista nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA/2012). Por esse motivo,
o desenvolvimento de atividades e práticas contextualizadas com a comunidade,
que viabilizem essa troca é de extrema importância, porém ela quase não
acontece. Desse modo, em pesquisa realizada em 67 escolas de Curitiba-PR,
apenas 37 responderam que realizam atividades socioambientais que envolvem o
entorno do ambiente educacional.
A celebração do dia do Plano Nacional de Educação (PNE)
é uma oportunidade valiosa para refletir
sobre o papel transformador da educação e promover o diálogo com pautas
urgentes que afetam diretamente a vida das pessoas que frequentam o cotidiano
escolar,
principalmente em territórios periféricos. Dessa forma, de acordo com o
estudo, “Choosing
Our Future: Education for Climate Action”, do Banco Mundial, estudantes de
50% dos municípios brasileiros mais pobres podem perder o equivalente a um
semestre do ano letivo devido às altas temperaturas. Logo, promover a justiça
climática e combater o racismo ambiental nas escolas é essencial para a redução
das desigualdades no Brasil.
Em um cenário global marcado pelas mudanças climáticas
e por desigualdades históricas, é essencial construir uma educação que não
apenas dialogue com esses desafios, mas que também seja capaz de transformar
realidades e promover um futuro mais justo. Para alcançar esse objetivo,
torna-se imprescindível fomentar a instauração de uma comunidade de prática no
território, que possa se tornar referência no enfrentamento ao racismo
ambiental e na promoção da justiça climática. Essas ações devem propiciar
espaços de troca de saberes, valorizando o conhecimento local e promovendo a
articulação entre as escolas, os movimentos sociais, as universidades e os
gestores públicos.
Portanto, o aumento da interdisciplinaridade na
educação climática é uma estratégia fundamental para ampliar seu impacto no
sistema educacional. Por meio de uma abordagem crítica e conectada às vivências
dos estudantes, é possível engajar o corpo docente e discente em práticas
pedagógicas transformadoras, capazes de promover uma cidadania ativa. Essa
perspectiva reforça a importância de integrar a educação climática ao currículo
escolar, considerando não apenas as questões ambientais, mas também os fatores
sociais e econômicos que amplificam as desigualdades.
Neste Dia do PNE, é preciso reafirmar um
compromisso de construir uma educação que seja protagonista na luta pela
justiça climática e no combate ao racismo ambiental, promovendo mudanças
concretas em nossas escolas e comunidades. Com o eixo de educação climática,
o Centro Brasileiro de Justiça
Climática (CBJC) desenvolve
metodologias de jornadas de formações e educação climática, que visam a
qualificação e o letramento da população negra sobre a crise. O objetivo é
levar o conhecimento à população sobre enfrentamentos e soluções nas cinco
regiões brasileiras. Pensando em mulheres negras e quilombolas, juventudes,
professores, alunos, gestores públicos, ativistas, jornalistas, lideranças e
tomadores de decisão, nossa ambição é proporcionar esses debates, colocando o
maior grupo populacional do Brasil (e também mais afetado pela emergência
climática) como protagonista: as pessoas negras. Logo, não existe outro caminho
senão o investimento estrutural em políticas públicas educacionais centradas em
justiça climática.
¨
‘O catador de histórias’: uma
conversa com o Edmar Neves sobre memória afro-brasileira e seus ensinamentos
para crianças
As histórias de Orixás trazem ensinamentos
valiosos sobre escuta, alteridade, respeito e confiança, principalmente para
crianças. Trazer esses ensinamentos para além de um viés religioso, dando
ênfase à apresentação da cultura afro-brasileira e ao entendimento de uma
cosmovisão africana – mais especificamente banto-iorubá – em que não há a
distinção maniqueísta de bem e mal, é o que faz Edmar Neves em sua nova obra
publicada pela Editora
Jandaíra, O
catador de histórias.
O livro, contemplado pelo edital ProAC/SP
para a realização e publicação de obra literária infantojuvenil inédita, conta
com ilustrações do quadrinista Afa Vasquez e
paratextos desenvolvidos para auxiliar diferentes tipos de leitores e
mediadores de leitura, como glossário e referências bibliográficas.
Edmar Neves se
define como filho de Oxóssi e nasceu em Mogi Mirim, mas passou grande parte de
sua vida em Mogi Guaçu, também no estado de São Paulo. É licenciado em Letras
pela UFSCar, mestre e doutorando em Teoria e História Literária pela Unicamp.
Desenvolve pesquisas sobre literatura brasileira contemporânea, grupos
marginalizados e pensamento literário e social. Além disso, atua como professor
de ensino médio e técnico, pesquisador, redator e produtor cultural. O catador de histórias é sua estreia
literária.
Confira abaixo a entrevista
completa com o autor
·
Por que você decidiu explorar
as histórias dos Orixás de uma forma que transcende o aspecto religioso, conectando-as
a temas universais? O que essa abordagem significa para você?
Partindo das obras que li sobre a temática,
percebo que, quando há adaptações ou referências aos Itans dos Orixás,
normalmente não se abre espaço para pensar questões que vão além do contexto
religioso. Portanto, ao suscitar temas que dialogam com as narrativas e com as
características dos Orixás ali abordados, mas que também fazem sentido em
outros contextos, pretendo abranger o público-alvo da obra, produzindo um livro
que tem como objetivo principal apresentar aspectos da cultura afro-brasileira,
sendo que as expressões religiosas também fazem parte da cultura e da história
de um povo/comunidade, mas que também possam trazer ensinamentos aplicáveis a
outras vivências, como a importância de saber ouvir e transmitir conhecimentos,
de confiar na capacidade das pessoas e de não julgar ninguém pela aparência. Ou
seja, busquei acrescentar diversas camadas de leitura ao livro, utilizando não
só as narrativas verbais e visuais, mas também os paratextos (Apresentação,
Glossário e Referências), visando diferentes públicos e formas de abordar os
temas ali presentes, dependendo do contexto em que a obra está inserida.
·
Como surgiu a ideia de escrever
este livro? Houve algum momento específico ou experiência pessoal que despertou
sua vontade de criar essa obra? E como esse processo evoluiu desde os primeiros
esboços até a publicação?
A ideia do livro surgiu em 2017, ano em que
me iniciei no culto ao Orixá Oxóssi, dentro do candomblé de nação Ketu, e estava
me experimentando como escritor, compondo alguns contos e roteiros de
quadrinhos, além de começar a atuar profissionalmente com a escrita, ao pegar
alguns trabalhos freelancer como redator.
Na mesma época, meu sobrinho tinha 1 ano de
idade, e eu queria comprar livros para ele que apresentassem um pouco mais da
minha fé, da cultura e de toda a história que eu estava descobrindo naquela
época. Com alguns materiais em mãos, pensei: “Por que não escrever meu próprio
livro infantil?”. Foi nesse raro momento de petulância artística que comecei a
esboçar as primeiras linhas da obra. Entretanto, o projeto ficou engavetado até
que, em 2021, durante a pandemia, ministrei um curso de extensão sobre
histórias em quadrinhos na Universidade Federal de São Carlos e, em dado
momento, comentei com a turma que tinha esse projeto de livro infantil e que
pretendia submetê-lo ao Programa de Ação Cultural (ProAC), iniciativa de
fomento à cultura no Estado de São Paulo, e que estava buscando algum parceiro
para ilustrar as histórias. Foi assim que um dos participantes do curso, o
ilustrador e quadrinista Afa Vasquez, entrou para o projeto. No ano de 2023
fomos aprovados no Edital do ProAC e firmamos parceria com a Editora Jandaíra
para a publicação do livro.
·
A escuta é um elemento central
em O catador de histórias. Como
você utilizou esse recurso no processo de criação da obra? Quais foram as
fontes de escuta que mais influenciaram sua escrita, sejam elas relatos,
tradições orais, leituras ou vivências?
Inicialmente, busquei os relatos que ouvia
dentro do terreiro e lia em livros de pesquisadores do tema, que ajudam a
explicar o sistema ritualístico, os dogmas, os preceitos religiosos, em suma,
as tradições culturais que vieram para o Brasil com as pessoas escravizadas e
que são preservadas, transmitidas e atualizadas dentro das comunidades
tradicionais, como os terreiros. Selecionei alguns Itans (narrativas associadas
aos Orixás) que serviram de base para as adaptações e os expandi, trazendo mais
características associadas aos Orixás abordados que não estão descritas nos
registros “originais”, ou ainda, ditados e resumos de outros Itans que tratam
dos mesmos Orixás. Foi esse o processo de escuta, pesquisa, escrita e
reescritas que fez os textos do livro tomarem corpo.
·
Além de destacar aspectos da
cultura africana, que mensagens e reflexões você espera que os leitores levem
ao final da leitura? Há algum ensinamento ou sentimento específico que você
buscou transmitir com esta obra?
Creio que a principal mensagem que fica com
o livro é que, mesmo tendo que sobreviver em um ambiente extremamente hostil,
que ainda busca exterminar sua existência nos mais diversos âmbitos, a
população negra do Brasil consegue manter suas tradições e seus traços
culturais, vindos de várias regiões do território africano, vivos, através de
sua religiosidade ou de outras práticas cotidianas.
·
O que O
catador de histórias representa para você, tanto
pessoal quanto profissionalmente? De que forma essa obra se conecta com sua
jornada pessoal e com o momento atual da sua vida?
O livro representa um movimento de
autoafirmação para mim, no sentido de sentir mais confiança na minha escrita e
na minha capacidade de coordenar um projeto dessa magnitude. Já em relação à
escrita do livro, este foi o espaço em que pude colocar em prática alguns
conceitos relacionados à análise literária que aprendi ao longo da minha
graduação. Mas o que achei mais enriquecedor foi o processo de elaboração das
ilustrações que acompanharam o texto na composição da narrativa, pois eu e o
Afa pensamos em vários detalhes que remetem não só a outros Itans, como também
ao relacionamento entre os Orixás.
·
Quais autores e vivências
influenciaram sua escrita e contribuíram para a criação deste livro? Além das
influências literárias diretas, como os autores que você admira, quais
experiências e vivências pessoais, culturais e religiosas tiveram um impacto
significativo no desenvolvimento da obra?
Eu costumo enxergar o escritor santista
Plínio Marcos como meu grande mentor, sendo que tudo o que escrevo e pesquiso
hoje foi graças às leituras que fiz dos roteiros de suas peças teatrais e de
seus contos, quando estava no final da adolescência. Dito isto, creio que, para
além das leituras de autores como Reginaldo Prandi, José Beniste e Mãe Beata de
Yemonjá, este livro tem como principal influência artística e literária a
transmissão de conhecimentos através dos relatos dos meus mais velhos dentro do
meu ilê, como meu babalorixá Junior de Odé, minha yalorixá Luciana de Oxalá,
meus irmãos Felipe de Lufan, Kauã de Iansã, Janaica de Oxum, entre outros, que,
entre uma tarefa e outra do terreiro, me explicavam os porquês das coisas
através dos ensinamentos dos Itans.
Fonte: Le Monde
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