sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Plano Nacional de Educação: uma oportunidade de fortalecimento da justiça climática nas escolas brasileiras

Nesta quinta-feira, 12 de dezembro, celebramos o dia do Plano Nacional de Educação (PNE), uma data oficial que destaca a importância de direcionar esforços e investimentos para a melhoria da educação no Brasil.  A celebração deste dia sugere que é preciso criar uma ação conjunta que promova debates, práticas pedagógicas e engajamento comunitário em torno da educação climática e ambiental.

Primeiramente, é importante destacar que a “educação ambiental apoia o entendimento sobre como o modo de vida atual da sociedade moderna vem causando desequilíbrio no planeta. As mudanças climáticas são as consequências mais imediatas e concretas desse descompasso ambiental”. Em razão disso, a educação climática é central para o estudo do meio ambiente e deve ser priorizada nas políticas educacionais. Nesse sentido, o PNE, sancionado em 2014, foi um marco ao estabelecer metas para a garantia do direito à educação de qualidade para a população brasileira.

As 58 metas do plano atual são comparáveis aos 56 indicadores do plano anterior, criado em 2014. Para cada meta, há um conjunto de estratégias atreladas. O PNE, do ano de 2014 até o ano de 2024, contava com 20 metas, 38 a menos que a quantidade estabelecida pelo novo plano. Dessas, apenas quatro foram cumpridas, sendo estas todas relacionadas ao ensino superior. Sua implementação ao longo dos anos revela desafios significativos, especialmente na inclusão de pautas fundamentais como a educação climática, o letramento de pessoas negras sobre justiça climática e os impactos das mudanças do clima no ambiente escolar.

No contexto atual, a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) deveria fortalecer uma educação emancipatória e colaborar para uma formação crítica sobre as problemáticas ambientais, porém se observa que este processo de implementação enfrenta limitações práticas.

Para ilustrar isso, tem-se que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) menciona a Educação Ambiental apenas de forma tangencial, e o PNE substituiu a expressão ‘Educação Ambiental’ por ‘sustentabilidade socioambiental’, sem destacar a necessidade de abordar as desigualdades estruturais ou valorizar as vozes das populações negras, indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Nesse cenário, a construção do conceito de Educação Climática nos ambientes escolares se torna importante em razão da necessidade de afirmar o compromisso público com a promoção de uma formação socioambiental, interseccional, interdisciplinar e libertadora nos espaços de ensino formal.

Nesse sentido, o espaço escolar é um lugar estratégico para fomentar uma cidadania ativa e construir novos imaginários sociais. Além disso, a interação da escola com o contexto local é um pilar essencial quando se trabalha com a Educação Ambiental, prevista nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA/2012). Por esse motivo, o desenvolvimento de atividades e práticas contextualizadas com a comunidade, que viabilizem essa troca é de extrema importância, porém ela quase não acontece. Desse modo, em pesquisa realizada em 67 escolas de Curitiba-PR, apenas 37 responderam que realizam atividades socioambientais que envolvem o entorno do ambiente educacional.

A celebração do dia do Plano Nacional de Educação (PNE) é uma oportunidade valiosa para refletir sobre o papel transformador da educação e promover  o diálogo com pautas urgentes que afetam diretamente a vida das pessoas que frequentam o cotidiano escolar, principalmente em territórios periféricos. Dessa forma, de acordo com o estudo, “Choosing Our Future: Education for Climate Action”, do Banco Mundial, estudantes de 50% dos municípios brasileiros mais pobres podem perder o equivalente a um semestre do ano letivo devido às altas temperaturas. Logo, promover a justiça climática e combater o racismo ambiental nas escolas é essencial para a redução das desigualdades no Brasil.

Em um cenário global marcado pelas mudanças climáticas e por desigualdades históricas, é essencial construir uma educação que não apenas dialogue com esses desafios, mas que também seja capaz de transformar realidades e promover um futuro mais justo. Para alcançar esse objetivo, torna-se imprescindível fomentar a instauração de uma comunidade de prática no território, que possa se tornar referência no enfrentamento ao racismo ambiental e na promoção da justiça climática. Essas ações devem propiciar espaços de troca de saberes, valorizando o conhecimento local e promovendo a articulação entre as escolas, os movimentos sociais, as universidades e os gestores públicos.

Portanto, o aumento da interdisciplinaridade na educação climática é uma estratégia fundamental para ampliar seu impacto no sistema educacional. Por meio de uma abordagem crítica e conectada às vivências dos estudantes, é possível engajar o corpo docente e discente em práticas pedagógicas transformadoras, capazes de promover uma cidadania ativa. Essa perspectiva reforça a importância de integrar a educação climática ao currículo escolar, considerando não apenas as questões ambientais, mas também os fatores sociais e econômicos que amplificam as desigualdades.

Neste Dia do PNE,  é preciso reafirmar um  compromisso de construir uma educação que seja protagonista na luta pela justiça climática e no combate ao  racismo ambiental, promovendo mudanças concretas em nossas escolas e comunidades. Com o eixo de educação climática, o Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC) desenvolve metodologias de jornadas de formações e educação climática, que visam a qualificação e o letramento da população negra sobre a crise. O objetivo é levar o conhecimento à população sobre enfrentamentos e soluções nas cinco regiões brasileiras. Pensando em mulheres negras e quilombolas, juventudes, professores, alunos, gestores públicos, ativistas, jornalistas, lideranças e tomadores de decisão, nossa ambição é proporcionar esses debates, colocando o maior grupo populacional do Brasil (e também mais afetado pela emergência climática) como protagonista: as pessoas negras. Logo, não existe outro caminho senão o investimento estrutural em políticas públicas educacionais centradas em justiça climática.

 

¨         ‘O catador de histórias’: uma conversa com o Edmar Neves sobre memória afro-brasileira e seus ensinamentos para crianças

As histórias de Orixás trazem ensinamentos valiosos sobre escuta, alteridade, respeito e confiança, principalmente para crianças. Trazer esses ensinamentos para além de um viés religioso, dando ênfase à apresentação da cultura afro-brasileira e ao entendimento de uma cosmovisão africana – mais especificamente banto-iorubá – em que não há a distinção maniqueísta de bem e mal, é o que faz Edmar Neves em sua nova obra publicada pela Editora JandaíraO catador de histórias.

O livro, contemplado pelo edital ProAC/SP para a realização e publicação de obra literária infantojuvenil inédita, conta com ilustrações do quadrinista Afa Vasquez e paratextos desenvolvidos para auxiliar diferentes tipos de leitores e mediadores de leitura, como glossário e referências bibliográficas.

Edmar Neves se define como filho de Oxóssi e nasceu em Mogi Mirim, mas passou grande parte de sua vida em Mogi Guaçu, também no estado de São Paulo. É licenciado em Letras pela UFSCar, mestre e doutorando em Teoria e História Literária pela Unicamp. Desenvolve pesquisas sobre literatura brasileira contemporânea, grupos marginalizados e pensamento literário e social. Além disso, atua como professor de ensino médio e técnico, pesquisador, redator e produtor cultural. O catador de histórias é sua estreia literária.

Confira abaixo a entrevista completa com o autor

·        Por que você decidiu explorar as histórias dos Orixás de uma forma que transcende o aspecto religioso, conectando-as a temas universais? O que essa abordagem significa para você?

Partindo das obras que li sobre a temática, percebo que, quando há adaptações ou referências aos Itans dos Orixás, normalmente não se abre espaço para pensar questões que vão além do contexto religioso. Portanto, ao suscitar temas que dialogam com as narrativas e com as características dos Orixás ali abordados, mas que também fazem sentido em outros contextos, pretendo abranger o público-alvo da obra, produzindo um livro que tem como objetivo principal apresentar aspectos da cultura afro-brasileira, sendo que as expressões religiosas também fazem parte da cultura e da história de um povo/comunidade, mas que também possam trazer ensinamentos aplicáveis a outras vivências, como a importância de saber ouvir e transmitir conhecimentos, de confiar na capacidade das pessoas e de não julgar ninguém pela aparência. Ou seja, busquei acrescentar diversas camadas de leitura ao livro, utilizando não só as narrativas verbais e visuais, mas também os paratextos (Apresentação, Glossário e Referências), visando diferentes públicos e formas de abordar os temas ali presentes, dependendo do contexto em que a obra está inserida.

·        Como surgiu a ideia de escrever este livro? Houve algum momento específico ou experiência pessoal que despertou sua vontade de criar essa obra? E como esse processo evoluiu desde os primeiros esboços até a publicação?

A ideia do livro surgiu em 2017, ano em que me iniciei no culto ao Orixá Oxóssi, dentro do candomblé de nação Ketu, e estava me experimentando como escritor, compondo alguns contos e roteiros de quadrinhos, além de começar a atuar profissionalmente com a escrita, ao pegar alguns trabalhos freelancer como redator.

Na mesma época, meu sobrinho tinha 1 ano de idade, e eu queria comprar livros para ele que apresentassem um pouco mais da minha fé, da cultura e de toda a história que eu estava descobrindo naquela época. Com alguns materiais em mãos, pensei: “Por que não escrever meu próprio livro infantil?”. Foi nesse raro momento de petulância artística que comecei a esboçar as primeiras linhas da obra. Entretanto, o projeto ficou engavetado até que, em 2021, durante a pandemia, ministrei um curso de extensão sobre histórias em quadrinhos na Universidade Federal de São Carlos e, em dado momento, comentei com a turma que tinha esse projeto de livro infantil e que pretendia submetê-lo ao Programa de Ação Cultural (ProAC), iniciativa de fomento à cultura no Estado de São Paulo, e que estava buscando algum parceiro para ilustrar as histórias. Foi assim que um dos participantes do curso, o ilustrador e quadrinista Afa Vasquez, entrou para o projeto. No ano de 2023 fomos aprovados no Edital do ProAC e firmamos parceria com a Editora Jandaíra para a publicação do livro.

·        A escuta é um elemento central em O catador de histórias. Como você utilizou esse recurso no processo de criação da obra? Quais foram as fontes de escuta que mais influenciaram sua escrita, sejam elas relatos, tradições orais, leituras ou vivências?

Inicialmente, busquei os relatos que ouvia dentro do terreiro e lia em livros de pesquisadores do tema, que ajudam a explicar o sistema ritualístico, os dogmas, os preceitos religiosos, em suma, as tradições culturais que vieram para o Brasil com as pessoas escravizadas e que são preservadas, transmitidas e atualizadas dentro das comunidades tradicionais, como os terreiros. Selecionei alguns Itans (narrativas associadas aos Orixás) que serviram de base para as adaptações e os expandi, trazendo mais características associadas aos Orixás abordados que não estão descritas nos registros “originais”, ou ainda, ditados e resumos de outros Itans que tratam dos mesmos Orixás. Foi esse o processo de escuta, pesquisa, escrita e reescritas que fez os textos do livro tomarem corpo.

·        Além de destacar aspectos da cultura africana, que mensagens e reflexões você espera que os leitores levem ao final da leitura? Há algum ensinamento ou sentimento específico que você buscou transmitir com esta obra?

Creio que a principal mensagem que fica com o livro é que, mesmo tendo que sobreviver em um ambiente extremamente hostil, que ainda busca exterminar sua existência nos mais diversos âmbitos, a população negra do Brasil consegue manter suas tradições e seus traços culturais, vindos de várias regiões do território africano, vivos, através de sua religiosidade ou de outras práticas cotidianas.

·        O que O catador de histórias representa para você, tanto pessoal quanto profissionalmente? De que forma essa obra se conecta com sua jornada pessoal e com o momento atual da sua vida?

O livro representa um movimento de autoafirmação para mim, no sentido de sentir mais confiança na minha escrita e na minha capacidade de coordenar um projeto dessa magnitude. Já em relação à escrita do livro, este foi o espaço em que pude colocar em prática alguns conceitos relacionados à análise literária que aprendi ao longo da minha graduação. Mas o que achei mais enriquecedor foi o processo de elaboração das ilustrações que acompanharam o texto na composição da narrativa, pois eu e o Afa pensamos em vários detalhes que remetem não só a outros Itans, como também ao relacionamento entre os Orixás.

·        Quais autores e vivências influenciaram sua escrita e contribuíram para a criação deste livro? Além das influências literárias diretas, como os autores que você admira, quais experiências e vivências pessoais, culturais e religiosas tiveram um impacto significativo no desenvolvimento da obra?

Eu costumo enxergar o escritor santista Plínio Marcos como meu grande mentor, sendo que tudo o que escrevo e pesquiso hoje foi graças às leituras que fiz dos roteiros de suas peças teatrais e de seus contos, quando estava no final da adolescência. Dito isto, creio que, para além das leituras de autores como Reginaldo Prandi, José Beniste e Mãe Beata de Yemonjá, este livro tem como principal influência artística e literária a transmissão de conhecimentos através dos relatos dos meus mais velhos dentro do meu ilê, como meu babalorixá Junior de Odé, minha yalorixá Luciana de Oxalá, meus irmãos Felipe de Lufan, Kauã de Iansã, Janaica de Oxum, entre outros, que, entre uma tarefa e outra do terreiro, me explicavam os porquês das coisas através dos ensinamentos dos Itans.

 

Fonte: Le Monde

 

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