sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Pensão militar é 100% do salário, e civil ganha 60%; veja outros benefícios

Com benefícios praticamente intocados no pacote para conter gastos públicos, os militares deixam pensões integrais e outros benefícios para seus familiares, direitos que os civis não têm.

<><> O que aconteceu

Em 2024, o Ministério da Defesa pagará R$ 22,8 bilhões para 235.416 pensionistas de militares. O valor equivale a 27,7% dos gastos da pasta com folha de pagamento, que somam R$ 127,9 bilhões. O restante vai para militares da ativa (33,5%) e inativos (32,7%).

Enquanto no sistema militar a pensão corresponde a 100% do salário, servidores e trabalhadores da iniciativa privada, que estão no INSS, recebem 60% do salário, mais 10% por cada dependente adicional. É o que explica o economista Pedro Fernando Nery, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino).

“A pensão é uma fonte de distorção importante. Se o pai falece em uma família de quatro pessoas, a pensão equivale a 80% do salário. Para os militares, é 100%. É uma evidente falta de isonomia.” - Pedro Fernando Nery, economista

Há outros privilégios nas pensões. Até hoje, familiares de militares expulsos das Forças por crimes ou infrações recebem pensão. A Folha revelou que, só no Exército, o pagamento da morte ficta, como é chamado o benefício, ultrapassa R$ 20 milhões por ano.

<><> O pensionista também pode transferir a pensão.

Depois de usufruída por cônjuges e filhos, a pensão pode ser transferida a parentes mais afastados, como irmãos, em caso de morte de familiar mais próximo.

Ao contrário da integralidade, os dois últimos pontos são alvo do ajuste proposto pelo ministro Fernando Haddad. O terceiro é o pagamento de 3,5% da remuneração militar para o fundo de saúde militar.

Somando as três mudanças, porém, a contribuição das Forças Armadas para o ajuste será de apenas R$ 2 bilhões dos R$ 70 bilhões economizados em dois anos. A tesourada será de R$ 1 bilhão em despesas e R$ 1 bilhão em receitas.

 

<><> Mudanças são vistas como "muito tímidas".

 "Mesmo a questão da morte ficta, que é moralizante, me parece uma nuvem de poeira", diz Nery.

“O impacto é quase irrelevante, já que pouca gente é expulsa da Forças (...) Mas passa a impressão de que cederam, de que excessos estão sendo corrigidos. Não estão.” - Pedro Fernando Nery, economista

Entre 2018 e 2022, o Brasil gastou R$ 94 bilhões para pagar pensões a herdeiros de militares. Teria sido suficiente para bancar o Bolsa Família a quase 3 milhões de famílias pelo mesmo período, como mostrou o colunista do UOL José Roberto de Toledo.

<><> Herdeiras solteiras

Citada frequentemente como exemplo de privilégio, a pensão para filhas solteiras de militares deve pesar nas contas públicas até 2060. O benefício foi extinto para os militares que ingressaram na carreira a partir de 2001. Mas foi mantido até para quem estava na academia militar e ainda nem tinha filhos na época.

“As projeções indicam que, até 2060, o governo e a sociedade continuarão a arcar com os custos de tal apanágio.” - Walton Alencar, ministro do TCU

<><> Rombo de R$ 50 bilhões

O rombo previdenciário é a principal dor de cabeça das contas federais. Somados os déficits dos setores privado, público e militar, os gastos acima da arrecadação com aposentadoria giraram em torno de R$ 420 bilhões em 2023.

<><> Proporcionalmente, o maior déficit é da previdência militar.

Embora os R$ 49,7 bilhões de déficit da categoria equivalha a 11,6% do total, o rombo per capita é 16 vezes superior ao do INSS. Enquanto cada aposentado ou pensionista do INSS gera R$ 9,4 mil de déficit por pessoa ao ano e os servidores públicos civis geram rombo de R$ 69 mil, os militares têm déficit de R$ 159 mil por beneficiário, segundo relatório de junho do TCU (Tribunal de Contas da União), que alertou sobre os "privilégios" dos aposentados das Forças Armadas.

<><> A arrecadação do setor militar quase não cobre suas despesas.

A do setor privado cobriu 65%, a dos servidores civis 41,9%, enquanto "o sistema dos militares arrecadou apenas R$ 9,1 bi e gastou R$ 58,8 bi, perfazendo a extremamente pequena proporção de 15,47% da despesa que causa ao erário", comparou na época o ministro do TCU Walton Alencar.

O UOL procurou o Ministério da Defesa, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. Os militares também têm alguns direitos restringidos: Eles não têm direito à greve, não podem se candidatar a cargo público quando na ativa e não recebem horas extras e adicional de periculosidade.

 

¨         Mesmo com privilégios, militares estão abandonando a caserna e as Forças Armadas enfrentam colapso na retenção de talentos estratégicos

As Forças Armadas brasileiras enfrentam uma crise sem precedentes: a evasão de profissionais. Em apenas uma década, mais de 5 mil militares deixaram as fileiras, um número alarmante que coloca em risco a segurança nacional e a capacidade de resposta do país. A principal causa desse êxodo em massa é a insatisfação com as condições de trabalho e a remuneração, segundo levantamento exclusivo da CNN Brasil.

Motivos do êxodo

Jornadas exaustivas, perda de benefícios após a reforma da Previdência de 2019, salários defasados em comparação com outras carreiras e a perspectiva de novas reduções nos direitos trabalhistas estão empurrando os militares para a porta de saída. “A evasão tem sido verificada especialmente nos quadros de Médicos, Engenheiros e Fuzileiros Navais, que têm migrado para outras carreiras que oferecem salários mais atrativos”, admite a Marinha em nota.

O Exército, por sua vez, reconhece a gravidade do problema e alerta para a necessidade de tornar a carreira mais atrativa. “É importante que a carreira seja atrativa, em relação ao salário e à Proteção Social, a fim de que sejam conquistados e mantidos talentos do mais alto nível”, afirma a instituição em comunicado. No entanto, a Força Aérea Brasileira (FAB) se recusou a comentar os dados sobre a evasão.

Fontes internas, porém, confirmam que os problemas também impactam a Aeronáutica. Imagens de ex-pilotos da FAB contratados pela Latam circularam em grupos militares, evidenciando a crise.

Relatos de decepção

Os relatos de militares que deixaram as Forças Armadas corroboram a tese de que as condições de trabalho são insustentáveis.

É o caso de Vitória Carvalho, ex-controladora de voo, que descreve um cenário de “burnout” e “cargas muito pesadas”. “Perder a minha saúde, perder a minha liberdade, não vale a pena. Hoje, muitas pessoas estão se desvinculando das Forças Armadas justamente por encontrar muito mais atrativos fora da caserna”, afirma.

Outro exemplo é Acássia Diniz (ex-piloto), que trocou 11 anos de carreira na FAB pela faculdade de Medicina. “O regime militar exige muitas renúncias. Talvez, se não tivesse a reforma de 2019, eu tivesse aguardado mais para sair”, declarou.

Debate em curso

O Ministério da Fazenda planeja novas medidas para reduzir custos com aposentadorias e a manutenção da tropa. Apesar das vantagens, como aposentadoria integral e auxílio-saúde, os militares argumentam que faltam direitos trabalhistas básicos, como FGTS e adicionais por periculosidade ou insalubridade.

Enquanto isso, o êxodo de profissionais qualificados levanta questões sobre a sustentabilidade das Forças Armadas. “É um alerta. Precisamos de condições mais justas para manter nossos talentos”, conclui a Marinha.

 

¨         Escola de Aprendizes Marinheiros tem queda de 58% de interessados, mas não é única a declinar

Em entrevista à Folha de São Paulo neste domingo, 8 de dezembro, o almirante da Reserva Eduardo Leal Ferreira, ex-comandante da Marinha (2015-2019), afirmou que as Forças Armadas e a profissão militar estão muito desprestigiadas.

“Nos bons colégios do Rio, você não vai encontrar quem queira ser militar, porque os atrativos são cada vez menores em comparação com outras atividades”.

A conversa foi originalmente sobre as mudanças na previdência militar e a participação de generais em planos de golpe contra o Estado democrático, mas Ferreira e outros oficiais da reserva e da ativa acabaram mostrando preocupação com a atratividade da carreira.

Um deles disse que o sargento de um pelotão de fronteira está muito mais preocupado com quando vai poder passar à reserva do que com a prisão de um general.

<><> Número de interessados em concursos das Forças têm caído 

Os números de inscritos em concursos para as 3 Forças nos últimos anos corroboram para essa preocupação e são alarmantes. Para fazer esse levantamento, o Sociedade Militar consultou as tabelas divulgadas pelo Estratégia Militares, curso preparatório pra quem tem interesse em prestar concurso pra instituições militares.

Em 2017, o número de inscritos para o certame da EAM (Escola de Aprendizes-Marinheiros) foi de 29.261 candidatos. Em 2018 caiu para 24.440. Em 2019 e 2020 voltou a subir, mas em 2021 caiu para 16.627 e nunca mais voltou ao melhor patamar. Em 2024 foram 12.166 inscritos, uma queda de 58,42% em 7 anos.

No concurso para Fuzileiros Navais, em 2018 foram 32.045 inscritos e em 2019 foram 19.668 inscritos. Uma queda vertiginosa de 38,62%. Apesar de em 2020 o concurso ter ensaiado uma recuperação, indo para 29.138 inscritos, em 2023 ele voltou para o patamar dos 19.967. 

No caso da Epcar (Escola Preparatória de Cadetes do Ar), a situação é mais amena. Em 2017 foram 25.961 inscritos. Em 2018 e 2019 houve aumento dessa quantidade, mas em 2021 foram 22.788 inscritos e em 2022 foram 21.396 inscritos.

O ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) perdeu 21,65% de interessados. Saiu de 12.484 candidatos em 2017 para 9.781 em 2024.

A EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército) já teve 43.757 inscritos em 2019. Em 2024 foram 31.623. Um dos menores números da história.

<><> Preocupação com a carreira foi um dos motivos de atraso do pacote fiscal do governo

possível impacto na carreira nas Forças Armadas atrasou o anúncio do pacote de corte de gastos elaborado pela equipe econômica do governo. Isso porque ao ser estabelecida idade mínima de 55 anos para aposentadoria, o que hoje inexiste, o tempo na ativa dos militares deve aumentar e impactar diretamente o sistema de promoção. Atualmente, ele prevê média de tempo em que o oficial ou praça fica em cada posto.

Com o aumento do tempo de serviço, existe o risco de quebra da pirâmide da carreira, com o acúmulo de coroneis e subtenentes (últimos postos de oficiais e praças) e redução de militares em cargos menores. 

Além disso, a atratividade da carreira também tende a ser prejudicada, já que o aumento do tempo de permanência em postos vai levar os militares a demorarem mais para ter aumento de salário e se aposentar. 

<><> Entrada das mulheres nas Forças Armadas é fundamental 

Apesar de ser sempre anunciado com viés de inclusão e integração de gênero, o anúncio do aceite de mulheres no Serviço Militar brasileiro como voluntárias a partir de 2025 pode ser mais uma questão estratégica e política do que propriamente preocupação com a diversidade. O mesmo vale para a 1ª Turma de mulheres soldados fuzileiros navais e para a 1ª Turma feminina da Academia Militar das Agulhas Negras.

Em junho deste ano, em entrevista ao Jornal USP, a psicóloga da FAB (Força Aérea Brasileira), Wildyrlaine Cristina Pretko, disse que o grande desinteresse por parte dos homens na carreira militar é um dos motivos para a abertura de vagas para mulheres.

“Os homens tentam se esquivar a todo custo. Eu posso dizer porque fiz parte do processo seletivo para o ano obrigatório dos militares e a maioria foge mesmo. Enquanto isso, nós conhecemos diversas mulheres que adorariam que o serviço militar fosse obrigatório a partir dos 18 anos, e agora existe uma possibilidade de que não seja obrigatório, mas facultativo, e que as mulheres possam também fazer parte desse ingresso aos 18 anos”.

<><> Problemas de recrutamento são históricos e não são particular do Brasil

As dificuldades com recrutamento e retenção de pessoal nas Forças Armadas existem há várias décadas, em especial a retenção, já que há oportunidades muitas vezes melhores no mercado de trabalho civil, com salários superiores e mais benefícios. 

No último dia 6 dezembro, em levantamento realizado pelo colunista Pedro Duran, a CNN divulgou que Marinha e Exército perderam 5.247 profissionais nos últimos 10 anos. Na ocasião, os militares ouvidos por Duran apontaram como principais motivos para desistência as jornadas de trabalho, perdas de benefícios pela reforma de 2019, salários defasados em relação a carreiras públicas e privadas e a possível nova reforma da previdência militar. A Aeronáutica não respondeu ao questionamento.

Helena Carreiras, primeira mulher a ocupar o cargo de ministra da Defesa de Portugal, disse em maio que tentou enfrentar esse problema por múltiplas vias no país lusófono

“Criei melhores condições àqueles que estão nas fileiras, não apenas com remunerações melhores, mas melhorando as condições de habitação e de transição para a vida civil nos fins dos contratos. A vida militar faz grandes exigências, é uma tarefa difícil, mas julgo que o caminho precisa ser tornar a profissão militar uma profissão valorizada”.

 

Fonte: UOL/Revista Sociedade Militar

 

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