sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Medicamentos não incorporados mais judicializados no SUS são para doenças raras

O Ministério da Saúde gastou em 2023 mais de 1,4 bilhão de reais para o fornecimento de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Cerca de 40% do montante foi destinado para aquisição de três medicamentos para doenças raras. Os dados são do Departamento de Logística em Saúde e foram obtidos com exclusividade por Futuro da Saúde através da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o fornecimento de medicamentos não incorporados, criando critérios mais rígidos, o valor gasto pelo Ministério pode ser reduzido nos próximos anos. Contudo, pacientes com doenças raras serão os principais afetados e temem que não tenham acesso a tratamentos inovadores.

Voxzogo (vosoritida), para acondroplasia (nanismo), Translarna (atalureno), tratamento para Distrofia Muscular de Duchenne, e Tegsedi (inotersena), para polineuropatia amiloidótica familiar, são os medicamentos não incorporados com maiores contratos em 2023 para o atendimento de demandas judiciais. 

Deles, apenas o Tegsedi (inotersena) passou por avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e recebeu recomendação de não incorporação em 2024, indicando incertezas das evidências existentes e impacto orçamentário elevado. Com a decisão do STF tornando a análise da Conitec soberana, o acesso ao medicamento por via judicial tende a se tornar mais complexo.

Em nota, a PTC Therapeutics, fabricante do inotersena e do atalureno, afirma que “a companhia está avaliando as próximas solicitações de incorporações (submissões e ressubmissões) para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) de suas terapias”.

Já a BioMarin, responsável pelo Voxzogo, afirma que está preparando “um dossiê robusto, incluindo dados clínicos bem estabelecidos de segurança, eficácia e vida real da população brasileira, e vai solicitar, em 2025, a incorporação de vosoritida pela Conitec”.

Procurado, o Ministério da Saúde afirma, em nota, que a decisão e os critérios estabelecidos pelo STF “contribuem para uma maior eficiência no tratamento de pacientes com doenças graves, ao mesmo tempo em que evitam a sobrecarga do SUS, dando um direcionamento mais claro à judicialização da saúde. No entanto, ainda é cedo para determinar se haverá economia e possível diminuição desses valores”.

·        Tratamento para nanismo

Fabricado pela BioMarin, o Voxzogo (vosoritida), é indicado para o tratamento de acondroplasia, um dos tipos mais comuns de nanismo, a partir de seis meses de vida, seguindo critérios específicos. Ele deve ser utilizado até que demonstre efeitos positivos na saúde do paciente. A doença rara impacta além da baixa estatura, e o uso do medicamento de forma precoce pode contribuir com a redução do risco de outras complicações.

Atualmente o acesso se dá apenas por via judicial. A BioMarin confirmou em nota que deve submeter o medicamento para incorporação em 2025. “Ao longo desse processo, a BioMarin trabalhará em estreita colaboração com o Ministério da Saúde para buscar alinhamento em todo o processo de submissão e análise, para garantir que esta terapia, a única aprovada para crianças com acondroplasia, esteja disponível àqueles que dela necessitam”, afirma a farmacêutica.

Vice-presidente da Associação Nanismo Brasil (Annabra), Karine Siqueira defende que, embora a decisão do STF, estabelecendo critérios mais rígidos, busque trazer mais previsibilidade ao fornecimento de medicamento, traz também impactos negativos a pacientes vulneráveis, como no caso do nanismo. “As pessoas menos favorecidas que dependem da Defensoria Pública vão ter uma maior dificuldade de entendimento e em buscar documentos para essa judicialização. Também vai ter um maior acúmulo de trabalho para os defensores em provar isso. Isso tudo vem burocratizar a judicialização de medicamentos”, afirma Siqueira, que é advogada.

De acordo com ela, as associações acompanham com ansiedade e preocupação o Projeto de Lei Complementar n° 149, de 2024, de autoria do senador Romário (PL-RJ), em tramitação no Senado. Ele aguarda designação do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Segundo ela, o texto traz os critérios estabelecidos pela justiça anteriores à decisão do STF: registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), incapacidade financeira e relatório médico fundamentado.

“Estamos apreensivos porque essa análise complexa também vai sobrecarregar o Judiciário, assim como profissionais e advogados que defendem os interesses de pessoas com doenças raras. Vão ter que juntar mais documentos e fazer um trabalho aprofundado junto aos magistrados para explicar os requisitos que vieram do STF”, afirma Karine.

Em 2023, o Voxzogo foi o medicamento não incorporado solicitado por via judicial que mais custou ao Ministério da Saúde, de acordo com dados do Departamento de Logística em Saúde. Mais de R$ 260 milhões foram pagos para a aquisição de medicamentos.

·        Revisão da autorização

Destinado para pacientes do sexo masculino com distrofia muscular de Duchenne com dois anos de idade ou mais, o Translarna (atalureno) é utilizado continuamente em pacientes com um tipo específico da doença, com a mutação “nonsense”, para produção de distrofina, proteína que auxilia os músculos a trabalhar adequadamente. O medicamento possui registro na Anvisa desde 2019.

Karina Züge, presidente da Aliança Distrofia Brasil (ADB), explica que o acesso ao medicamento da PTC Therapeutics só está disponível no setor público via judicialização, já que não foi avaliado e incorporado ao SUS. Isso implica na demora do acesso ao tratamento.

A falta de um PCDT para a doença é considerada um dos principais problemas para os pacientes com distrofia muscular de Duchenne, junto à ausência de medicamentos incorporados, mesmo para medicamentos que atuam no controle de sintomas.

Em outubro, a European Medicines Agency (EMA) suspendeu a autorização da PTC Therapeutics de comercialização condicional do atalureno, após analisar dados de mundo real de pacientes que utilizaram o medicamento, considerando-os inconclusivos, e dois estudos clínicos realizados após a autorização em 2014. Não foi observada diferença significativa entre quem utilizou o medicamento e placebo.

No mesmo mês, o U.S. Food and Drug Administration (FDA) informou à PTC Therapeutics que aceitaria a revisão para o reenvio de pedido de registro do medicamento, após tentativa de registro em 2016. Na divulgação sobre a informação, a farmacêutica aponta que irá utilizar estudos que comprovam os benefícios do uso do medicamento em pacientes. Não há data para a conclusão da análise.

“Não é a mesma régua que se usa para doenças raras e ultrarraras. Se usar, vai acabar condenando esses pacientes. Os critérios estabelecidos no STF não nos contempla. Como já estávamos nesse limbo, impacta mas não muda. Na prática já estava ruim”, argumenta Karina Züge. 

·        Decisão do STF e posição do Ministério 

O Ministério da Saúde argumenta, em nota, que “é importante esclarecer que um dos critérios judiciais que autorizam a dispensação de medicamentos não fornecidos pelo SUS é a incapacidade financeira do paciente de arcar com os custos do tratamento. Dessa forma, não há restrições aos direitos daqueles que enfrentam dificuldades financeiras para adquirir medicamentos de alto custo com eficácia comprovada”.

No entanto, os critérios estabelecidos pelo Supremo vão além da comprovação da incapacidade financeira. Além do registro na Anvisa, é preciso mostrar que houve a negativa de fornecimento do medicamento no SUS, ilegalidade no processo de avaliação da Conitec, falta de solicitação para incorporação ou apontar demora no processo. 

Em nota, a PTC Therapeutics afirma que acredita que a decisão do STF “é mais um passo para estruturação do setor, que ainda requer ajustes e políticas públicas consolidadas, mas que tem tido avanços importantes nos últimos dez anos desde a instituição da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, a Portaria nº 199”. A farmacêutica aponta que mantém diálogo com o Ministério da Saúde, reiterando seu compromisso com a comunidade de doenças raras.

O Ministério avalia que houve um “esforço conjunto” para a melhor a gestão do recurso público e o efetivo fornecimento do insumo, assim como a execução de políticas públicas em saúde. O fortalecimento da Conitec tem sido reforçado pela pasta em eventos e comunicados à imprensa. 

Questionado se deve submeter os medicamentos não incorporados para avaliação da Conitec, o Ministério da Saúde não se posicionou sobre o tema. 

Ainda, existe uma discussão sobre a obtenção de medicamentos já incorporados mas não disponibilizados no SUS. Dados do Departamento de Demandas em Judicialização em Saúde, obtidos via Lei de Acesso à Informação, apontam que o Ministério gastou em 2023 mais de R$ 930 milhões em três medicamentos nesta situação: Soliris (eculizumabe), Zolgensma (onasemnogene abeparvoveque) e Trikafta (elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor).

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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