sábado, 14 de dezembro de 2024

Brasil contorna lobby e passa a defender banimento global de plásticos

Depois de ceder à pressão da indústria e recuar em um posicionamento anti-plásticos, o governo brasileiro passou a defender o banimento internacional de itens problemáticos e prepara reuniões interministeriais para consolidar sua posição até a próxima rodada de negociações sobre poluição plástica do Pnuma, o programa de meio ambiente da ONU.

Ainda no final da última rodada de negociações – que terminou, sem acordo, no dia 2, em Busan, na Coreia do Sul –, o Brasil aderiu a uma proposta apresentada por México e Suíça que inclui uma lista de produtos plásticos para eliminação gradual até um eventual banimento. A medida tem o apoio de outros 95 países.

O apoio brasileiro se deu dois dias após a reportagem da Agência Pública ter revelado que o Brasil havia desistido de apresentar sua própria proposta com uma lista de plásticos para banimento global.

O recuo havia sido pedido por um ex-secretário do governo Bolsonaro. Hoje no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Washington Bonini representou a pasta junto à delegação brasileira nas negociações sobre poluição plástica.

Ele admitiu à reportagem ter consultado a indústria petroquímica antes de se posicionar contra uma lista para banimento de plásticos problemáticos – são eles, principalmente, os plásticos de uso único, como embalagens, canudos, copos e talheres, além de cosméticos com microesferas plásticas e produtos com plástico oxibiodegradável.

A proposta que seria apresentada pelo Brasil e à qual a reportagem teve acesso incluía itens que não constam na proposta articulada pelo México e a Suíça, como copos e pratos descartáveis e filtros de cigarro com camada plástica.

Por outro lado, a lista apresentada pelos dois países sugere outros itens que complementariam a proposta brasileira, como os bastões plásticos de suporte a balões infantis. Ela também é mais abrangente ao incorporar os aditivos químicos contaminantes, que trazem riscos para a saúde. Entre eles, estão os ftalatos, o chumbo, o cádmio e o bisfenol.

Largamente usadas na fabricação de plásticos, essas substâncias estão ligadas a disrupções endócrinas, cânceres, doenças cardiovasculares, danos neurológicos e nos rins, além de doenças crônicas e redução de fertilidade em homens e mulheres.

Questionado, o MDIC respondeu através de nota que “não registra dissensos”. A pasta afirmou que “busca o equilíbrio entre os diferentes setores, com o objetivo de alcançar um instrumento abrangente e equilibrado e com a reafirmação de todos os compromissos ambientais”.

“O chamado de muitos países, de que foi porta-voz o México, pelo fortalecimento das medidas em relação a químicos de preocupação e a produtos plásticos considerados problemáticos, atende a essa posição [do Brasil] e, por esta razão, o país se juntou ao grupo”, afirmou o Itamaraty através de nota.

Já o Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmou que adesão do país se deveu ao “diálogo construtivo” entres os órgãos do governo federal. A reportagem apurou que o alto escalão do MDIC e do MMA se reuniram em Brasília para realinhar a posição brasileira no final das negociações em Busan – que terminaram sem avanços, após bloqueios de países árabes e grandes produtores de petróleo. Os países devem voltar a negociar no próximo ano.

De volta a Brasília, a delegação programa reuniões interministeriais para consolidar a posição brasileira sobre o assunto. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, que tem puxado a agenda no governo, a pauta exige uma abordagem abrangente.

Em nota, a pasta afirmou que a discussão deve tratar “do ciclo de vida completo do plástico, em conformidade com a Estratégia Nacional de Economia Circular e a Política Nacional de Resíduos Sólidos”.

De acordo com negociadores da delegação brasileira, as políticas públicas em vigor no país devem servir como base mínima para a elaboração da posição que o país deve defender internacionalmente. Hoje, o Brasil conta com algumas regulamentações que restringem a aplicação de químicos perigosos à saúde, enquanto os plásticos problemáticos são alvo de um projeto de lei que tramita no Senado – o PL 2524/22, que aguarda, desde março, o relatório da comissão de assuntos econômicos da casa legislativa.

O lobby da indústria plástica, que marcou presença nas negociações em Busan através da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) e da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), também tem atuado em Brasília contra as listas de banimento de itens plásticos. De acordo com representantes do setor, faltam critérios científicos para determinar quais itens devem ser banidos.

Outra preocupação que baseia o argumento da indústria é com os impactos socioeconômicos da transição dos plásticos para materiais alternativos, como papel, vidro e alumínio.

De acordo com um estudo encomendado pelas ONGs ambientalistas Oceana e WWF e realizado pela consultoria Systemiq, a transição de plásticos descartáveis para outros materiais pode gerar, até 2040, a perda de 13 mil empregos diretos.

A projeção buscou calcular a diferença entre os empregos que seriam perdidos na indústria de plásticos e os que seriam criados em setores alternativos. Ao ampliar o escopo dessa conta, considerando também as mudanças nos empregos indiretos nessa transição, a diferença entre a perda no setor de plásticos e a geração de empregos em outros setores fica menor: seriam apenas mil empregos perdidos, entre diretos e indiretos.

Por outro lado, a análise também calcula um impacto positivo no valor econômico de mercado e no PIB (Produto Interno Bruto), com uma injeção de R$ 403 milhões à economia do país.

 

¨         Vale e JBS lideram em ranking global de empresas ‘bloqueadas’ por investidores

JBS E VALE ESTÃO ENTRE AS EMPRESAS mais rejeitadas por investidores em ranking mundial da plataforma “Financial Exclusions Tracker”, atualizado nesta quinta-feira (12). O ranking é baseado em informações divulgadas por 93 instituições financeiras globais, incluindo grandes bancos e fundos de pensão. Ele lista quais são as empresas nas quais elas se recusam a investir devido a alegadas práticas nocivas de negócio.

A mineradora brasileira é a que mais recebeu exclusões motivadas por preocupações de direitos humanos. Ao todo, 22 instituições financeiras informam, segundo a plataforma, não realizar negócios com a Vale por conta do tema. Além de enfrentar denúncias sobre o impacto de suas operações em comunidades tradicionais na Amazônia, a empresa teve a sua imagem internacional fortemente abalada pelo rompimento das barragens de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, que provocaram centenas de mortes.

Questionada pela reportagem, a Vale informou que não comentaria o ranking. A companhia afirmou que “mantém seu compromisso com os princípios do Pacto Global da ONU e reconhece sua importância como orientação fundamental e mecanismo de conformidade para a companhia” e que “desde 2019, a empresa está focada em transformar a organização e melhorar suas práticas em questões ambientais, sociais e de governança”. A resposta da empresa na íntegra pode ser lida aqui.

Já a JBS, uma das empresas mais afetadas pela operação Lava Jato, é a líder global no ranking de exclusões relacionadas a “práticas de negócios” – categoria que inclui vetos de investidores por preocupações relacionadas a corrupção, fraudes e evasão fiscal. A plataforma lista 15 instituições financeiras que rejeitam oferecer apoio financeiro ao frigorífico pelos motivos elencados nesta categoria.

Procurada, a JBS afirmou que o mapeamento “possui falhas na apresentação dos dados” e que não iria se manifestar sobre ele. Também declarou que “possui uma sólida relação com as instituições do mercado financeiro há muitos anos, sendo hoje a empresa do setor de alimentos e bebidas listada na B3 que possui a maior cobertura de analistas de mercado e 100% da recomendação de compra”. A manifestação completa pode ser lida aqui.

“Esse mapeamento sinaliza que algumas empresas têm um impacto ambiental e social tão grave que estão sendo excluídas do mercado financeiro porque representam um grande risco [para os investidores]”, analisa Merel van der Mark, da Rainforest Action Network – uma das organizações mantenedoras da plataforma. 

<><> Outras empresas brasileiras

Na lista das companhias brasileiras com grande número de rejeições aparecem ainda a estatal Petrobras e a Eneva, empresa que tem o BTG Pactual como principal acionista e que produz energia a partir de combustíveis fósseis. Ambas são vetadas por investidores por preocupações relacionadas a direitos humanos e ao aquecimento global.

Petrobras e Eneva não se posicionaram até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.

“Diligência adicional é necessária para empresas que aparecem neste banco de dados. Esperamos que elas melhorem suas práticas”, afirma Kees Kodde, líder de projeto da Fair Finance International, outra das organizações responsáveis pela plataforma.

De acordo com o mapeamento, o impacto climático é o principal motivo para investidores vetarem negócios com empresas, representando quase metade (48%) das exclusões. O envolvimento de companhias com o setor de armamentos aparece na sequência (15%), seguido pelo envolvimento com a indústria do tabaco (13%), preocupações relacionadas a políticas nacionais dos países onde a empresa atua (6%) e vetos de investimento a outros produtos considerados nocivos (5%), como álcool e jogos de azar.

Os cinco países com mais empresas rejeitadas são Estados Unidos (1.160), China (852), Índia (341), Canadá (290) e Rússia (283). 

O ranking é uma iniciativa das organizações BankTrack, Both ENDS, Fair Finance International, Forests & Finance, Health Funds for a Smokefree Netherlands, Milieudefensie (Friends of the Earth Netherlands), PAX, Profundo Research Foundation, Rainforest Action Network e Environmental Paper Network.

 

Por Ana Carolina Amaral, da Agência Pública/Reporter Brasil

 

Nenhum comentário: