Brasil contorna lobby e passa a defender banimento global de
plásticos
Depois de ceder à pressão da indústria e recuar em um
posicionamento anti-plásticos, o governo brasileiro passou a defender o
banimento internacional de itens problemáticos e prepara reuniões
interministeriais para consolidar sua posição até a próxima rodada de
negociações sobre poluição plástica do Pnuma, o programa de meio ambiente da
ONU.
Ainda no final da última rodada de negociações – que
terminou, sem acordo, no dia 2, em
Busan, na Coreia do Sul –, o Brasil aderiu a uma proposta apresentada por
México e Suíça que inclui uma lista de produtos plásticos para eliminação
gradual até um eventual banimento. A medida tem o apoio de outros 95 países.
O apoio brasileiro se deu dois dias após a reportagem da Agência Pública ter revelado que o Brasil havia
desistido de apresentar sua própria proposta com uma lista de plásticos para
banimento global.
O recuo havia sido pedido por um ex-secretário do
governo Bolsonaro. Hoje no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
(MDIC), Washington Bonini representou a pasta junto à delegação brasileira nas
negociações sobre poluição plástica.
Ele admitiu à reportagem ter consultado a indústria
petroquímica antes de se posicionar contra uma lista para banimento de
plásticos problemáticos – são eles, principalmente, os plásticos de uso único,
como embalagens, canudos, copos e talheres, além de cosméticos com microesferas
plásticas e produtos com plástico oxibiodegradável.
A proposta que seria apresentada pelo Brasil e à qual a
reportagem teve acesso incluía itens que não constam na proposta articulada
pelo México e a Suíça, como copos e pratos descartáveis e filtros de cigarro
com camada plástica.
Por outro lado, a lista apresentada pelos dois
países sugere outros itens que complementariam a proposta brasileira, como os
bastões plásticos de suporte a balões infantis. Ela também é mais abrangente ao
incorporar os aditivos químicos contaminantes, que trazem riscos para a saúde.
Entre eles, estão os ftalatos, o chumbo, o cádmio e o bisfenol.
Largamente usadas na fabricação de plásticos, essas
substâncias estão ligadas a disrupções endócrinas, cânceres, doenças cardiovasculares,
danos neurológicos e nos rins, além de doenças crônicas e redução de
fertilidade em homens e mulheres.
Questionado, o MDIC respondeu através de nota que “não
registra dissensos”. A pasta afirmou que “busca o equilíbrio entre os
diferentes setores, com o objetivo de alcançar um instrumento abrangente e
equilibrado e com a reafirmação de todos os compromissos ambientais”.
“O chamado de muitos países, de que foi porta-voz o
México, pelo fortalecimento das medidas em relação a químicos de preocupação e
a produtos plásticos considerados problemáticos, atende a essa posição [do
Brasil] e, por esta razão, o país se juntou ao grupo”, afirmou o Itamaraty
através de nota.
Já o Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmou que
adesão do país se deveu ao “diálogo construtivo” entres os órgãos do governo
federal. A reportagem apurou que o alto escalão do MDIC e do MMA se reuniram em
Brasília para realinhar a posição brasileira no final das negociações em Busan
– que terminaram sem avanços, após bloqueios de países árabes e grandes
produtores de petróleo. Os países devem voltar a negociar no próximo ano.
De volta a Brasília, a delegação programa reuniões
interministeriais para consolidar a posição brasileira sobre o assunto. De
acordo com o Ministério do Meio Ambiente, que tem puxado a agenda no governo, a
pauta exige uma abordagem abrangente.
Em nota, a pasta afirmou que a discussão deve tratar
“do ciclo de vida completo do plástico, em conformidade com a Estratégia
Nacional de Economia Circular e a Política Nacional de Resíduos Sólidos”.
De acordo com negociadores da delegação brasileira, as
políticas públicas em vigor no país devem servir como base mínima para a
elaboração da posição que o país deve defender internacionalmente. Hoje, o
Brasil conta com algumas regulamentações que restringem a aplicação de químicos
perigosos à saúde, enquanto os plásticos problemáticos são alvo de um projeto
de lei que tramita no Senado – o PL 2524/22, que aguarda, desde março, o
relatório da comissão de assuntos econômicos da casa legislativa.
O lobby da indústria plástica, que marcou presença nas
negociações em Busan através da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria
Química) e da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), também
tem atuado em Brasília contra as listas de banimento de itens plásticos. De
acordo com representantes do setor, faltam critérios científicos para
determinar quais itens devem ser banidos.
Outra preocupação que baseia o argumento da indústria é
com os impactos socioeconômicos da transição dos plásticos para materiais
alternativos, como papel, vidro e alumínio.
De acordo com um estudo encomendado pelas ONGs
ambientalistas Oceana e WWF e realizado pela consultoria Systemiq, a transição
de plásticos descartáveis para outros materiais pode gerar, até 2040, a perda
de 13 mil empregos diretos.
A projeção buscou calcular a diferença entre os
empregos que seriam perdidos na indústria de plásticos e os que seriam criados
em setores alternativos. Ao ampliar o escopo dessa conta, considerando também
as mudanças nos empregos indiretos nessa transição, a diferença entre a perda
no setor de plásticos e a geração de empregos em outros setores fica menor:
seriam apenas mil empregos perdidos, entre diretos e indiretos.
Por outro lado, a análise também calcula um impacto
positivo no valor econômico de mercado e no PIB (Produto Interno Bruto), com
uma injeção de R$ 403 milhões à economia do país.
¨
Vale e JBS lideram em ranking global de empresas ‘bloqueadas’ por
investidores
JBS E VALE ESTÃO
ENTRE AS EMPRESAS mais rejeitadas por
investidores em ranking mundial da plataforma “Financial
Exclusions Tracker”, atualizado nesta quinta-feira (12). O ranking é
baseado em informações divulgadas por 93 instituições financeiras globais,
incluindo grandes bancos e fundos de pensão. Ele lista quais são as empresas
nas quais elas se recusam a investir devido a alegadas práticas nocivas de
negócio.
A mineradora brasileira é a
que mais recebeu exclusões motivadas por preocupações de direitos humanos. Ao
todo, 22 instituições financeiras informam, segundo a plataforma, não realizar
negócios com a Vale por conta do tema. Além de enfrentar denúncias sobre
o impacto de suas operações em comunidades tradicionais na Amazônia, a empresa teve a sua imagem internacional fortemente abalada pelo
rompimento das barragens de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, que
provocaram centenas de mortes.
Questionada pela reportagem,
a Vale informou que não comentaria o ranking. A companhia afirmou que “mantém
seu compromisso com os princípios do Pacto Global da ONU e reconhece sua
importância como orientação fundamental e mecanismo de conformidade para a
companhia” e que “desde 2019, a empresa está focada em transformar a
organização e melhorar suas práticas em questões ambientais, sociais e de
governança”. A resposta da empresa na íntegra pode ser lida aqui.
Já a JBS, uma das empresas
mais afetadas pela operação Lava Jato, é a líder global no ranking de exclusões
relacionadas a “práticas de negócios” – categoria que inclui vetos de
investidores por preocupações relacionadas a corrupção, fraudes e evasão
fiscal. A plataforma lista 15 instituições financeiras que rejeitam oferecer
apoio financeiro ao frigorífico pelos motivos elencados nesta categoria.
Procurada, a JBS afirmou que
o mapeamento “possui falhas na apresentação dos dados” e que não iria se
manifestar sobre ele. Também declarou que “possui uma sólida relação com as
instituições do mercado financeiro há muitos anos, sendo hoje a empresa do
setor de alimentos e bebidas listada na B3 que possui a maior cobertura de
analistas de mercado e 100% da recomendação de compra”. A manifestação completa
pode ser lida aqui.
“Esse mapeamento sinaliza
que algumas empresas têm um impacto ambiental e social tão grave que estão
sendo excluídas do mercado financeiro porque representam um grande risco [para
os investidores]”, analisa Merel van der Mark, da Rainforest Action Network –
uma das organizações mantenedoras da plataforma.
<><> Outras empresas brasileiras
Na lista das companhias
brasileiras com grande número de rejeições aparecem ainda a estatal Petrobras e
a Eneva, empresa que tem o BTG Pactual como principal acionista e que produz
energia a partir de combustíveis fósseis. Ambas são vetadas por investidores
por preocupações relacionadas a direitos humanos e ao aquecimento global.
Petrobras e Eneva não se
posicionaram até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para
manifestações futuras.
“Diligência adicional é
necessária para empresas que aparecem neste banco de dados. Esperamos que elas
melhorem suas práticas”, afirma Kees Kodde, líder de projeto da Fair Finance
International, outra das organizações responsáveis pela plataforma.
De acordo com o mapeamento,
o impacto climático é o principal motivo para investidores vetarem negócios com
empresas, representando quase metade (48%) das exclusões. O envolvimento de
companhias com o setor de armamentos aparece na sequência (15%), seguido pelo
envolvimento com a indústria do tabaco (13%), preocupações relacionadas a
políticas nacionais dos países onde a empresa atua (6%) e vetos de investimento
a outros produtos considerados nocivos (5%), como álcool e jogos de azar.
Os cinco países com mais
empresas rejeitadas são Estados Unidos (1.160), China (852), Índia (341),
Canadá (290) e Rússia (283).
O ranking é uma iniciativa
das organizações BankTrack, Both ENDS, Fair Finance International, Forests
& Finance, Health Funds for a Smokefree Netherlands, Milieudefensie
(Friends of the Earth Netherlands), PAX, Profundo Research Foundation,
Rainforest Action Network e Environmental Paper Network.
Por
Ana Carolina Amaral, da Agência Pública/Reporter Brasil
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