Agressão a
Síria: mais lenha na fogueira da resistência anti-imperialista
A ofensiva
militar que derrubou o presidente da Síria Bashar
Al-Assad demonstra com que fluidez crescente os
acontecimentos na arena internacional estão se dando, cada vez mais, através
das guerras. Mas em meio a imensas contradições que envolvem a Síria, a causa
primeira da queda de Assad não poderia ser outra senão a grave situação interna
do país já há muito bastante crítica. O descontentamento com o governo
autoritário de Assad por parte das massas populares não podia mais ser mitigado
pela posição firme desempenhada por ele frente às ambições e ações subversivas
do colonialismo sionista e em defesa da causa Palestina. Tanto que, ante à
marcha relâmpago de diferentes organizações armadas islamistas sobre Damasco,
nenhum punhado sequer do povo saiu em sua defesa. O próprio Exército Nacional
Sírio não se moveu, a não ser partes suas que se empenham em combater as forças
curdas em luta por seus territórios, ainda que manejadas pelo imperialismo
ianque no objetivo de debilitar o governo. Ademais, grandes e agudas
contradições que vinculam a situação interna de Síria à regional e
internacional a deixavam numa posição complicada na região. Desde a criação do
Estado sionista de Israel, a Síria ocupou papel destacado no confronto com
este, bem como no apoio à causa palestina, papel o bastante para tê-la tornado
alvo permanente de ataques do imperialismo ianque e de sua ponta de lança na
região, Israel e sua insaciável cobiça expansionista colonialista.
Por sua vez, a queda de
Assad confirma a máxima da subjugação nacional de que um país, cujo governo
está subordinado a uma ou mais potências estrangeiras, está totalmente a mercê
dos interesses desta(s) como um peão no tabuleiro do xadrez da luta de partilha
imperialista. Pela segunda vez nos últimos anos, Síria tem sua soberania
avassalada e esmagada em função dos interesses imperialistas estrangeiros. Na
primeira vez, as tropas no terreno das duas superpotências imperialistas – EUA
e Rússia – se confrontavam em prol de interesses próprios: a ianque por
derrubar o governo Assad para substituí-lo por um fantoche seu, e a russa por
defendê-lo como sua esfera de influência, já há décadas, e aprofundar tal
condição. O imperialismo ianque mobilizava no terreno tropas mercenárias apelidadas
de “exército livre”, contando com apoio de Israel, por uma parte, e o
imperialismo russo com o exército nacional sírio, apoiado por unidades
guerrilheiras do Hezbollah, por outra, levava uma guerra de destruição que obrigou dezenas de
milhares do povo sírio a fugir do país para escapar da morte. Chegada a uma
situação grave que poderia precipitar um enfrentamento entre as próprias forças
ianques e russas que posicionavam fora do teatro de operações, estes
imperialistas entraram num acordo para pôr fim às hostilidades, cuja base foi a
indecente imposição ao governo sírio em destruir seu arsenal de armas químicas.
Assim, a bem dos seus interesses imperialistas na Síria e no Oriente Médio,
Putin rifou a soberania da Síria obrigando-a a desfazer-se do que tinha de mais
potente enquanto armas defensivas diante da provocação e agressão do
expansionismo sionista. Agora, da segunda vez que Síria se vê totalmente
violada por forças estrangeiras, não se pode descartar de todo que os mesmos
imperialistas e seus lacaios tenham chegado a novo acordo criminoso e deixar
livre o caminho, ao preço do retalhamento do país. Tal a forma relâmpago que o
governo pôde ser derrubado sem resistência praticamente nenhuma deste ou de
seus “aliados” Rússia e Irã.
Contudo, tomar por verdade
hipótese como esta, de todo não impossível, como a causa da queda de Assad
seria simplificar em demasia a realidade tão complexa da crescente desordem
mundial que revela o grau avançado da decomposição imperialista e secundarizar
suas causas internas ao contrário do já afirmado acima como principal fator.
Como também não se trata de responder sob o domínio de qual potência seria
melhor para Síria, ou qualquer país na condição de colônia ou semicolônia. Só a
total libertação e independência nacional pode salvar uma nação da opressão
imperialista e esta só pode ser obtida de forma completa, na época
imperialista, através da guerra revolucionária sob a direção do partido revolucionário
do proletariado – um verdadeiro e autêntico partido comunista, isto é, livre de
todo e qualquer revisionismo – e apoiado numa frente única das classes
populares, a aliança operário-camponesa como base somada com a
pequena-burguesia e a parte não cooptada da média burguesia (genuína burguesia
nacional). É o que comprova a experiência histórica do Século XX até nossos
dias. Não há outro remédio. Toda outra solução significa ou apenas mudar de amo
imperialista ou a balcanização do país. Esta é a que está em curso na Síria,
dividida em várias partes controladas por facções de diferentes orientações
políticas, cuja mesma base é a de força mercenária a serviço do imperialismo
ianque, da disputa do imperialismo russo com sua base militar instalada e os
interesses da disputa pela hegemonia regional de Israel e Turquia.
***
Como ocorreram os fatos? Em
12 dias, uma coalizão heterogênea, composta por lacaios ianques a mercenários
turcos, marcharam do noroeste num ataque silencioso a Aleppo e, de lá,
capturaram Damasco. Refugiado em Moscou, Assad não pôde resistir com suas
tropas convencionais, que praticamente se decompuseram, boa parte passando às
mãos da “oposição”.
O grupo, alçado como
principal responsável pela ofensiva, é o Tahrir al-Sham
(HTS), que tem o seu líder Abu Mohammed Al-Jawlani,
principal procurado a anos por forças ianques, que oferecem 10 milhões de
dólares pela sua captura. Isso porque o HTS e seu chefe vêm de um longo
processo de organizações salafistas por ele comandadas, e que foram parte
integrante da Al-Qaeda no Iraque e do Estado
Islâmico na Síria. Estas forças são as que, ou
estiveram combatendo as tropas ianques ou a seu soldo durante todo este início
do século presente no objetivo de depor governos, dominar territórios para a
exploração de petróleo e ocupar posições geográficas estratégicas. Durante a
guerra de agressão à Síria, no entanto, o chefe do HTS, tenta melhorar sua
imagem para o imperialismo ianque: na província de Idlib, governada por ele
desde 2007, não se aplica as leis islâmicas como os demais grupos salafistas,
discursa sobre a importância da diversidade religiosa e garante, de pés juntos,
que a HTS não pretende estabelecer um califado transacional como fizera o
Estado Islâmico, tudo para receber a benção de permissão ou de serviçal do
imperialismo ianque, receber deste procuração para instaurar um regime lacaio
pró-ianque. O HTS atua em coalizão com forças apoiadas pela Turquia, como o
Exército Nacional da Síria e outras forças armadas apoiadas e apetrechadas pela
Turquia. O regime burocrático-fascista turco de Erdogán tem realizado desde 2017 intervenções no território sírio, com
ocupações no noroeste e atacando tropas curdas do YPG e outros grupos, que
outrora foram financiados pelos ianques e que, agora, estão entregues à própria
sorte – demonstrando que só foram financiados na medida em que foram úteis aos
ianques, e logo, descartados. Nos últimos dias, as forças financiadas pelos
turcos estão cercando e esmagando os curdos, tendo já tomado a cidade
estratégica de Manbij, no nordeste da Síria. A Turquia, em conluio com os
interesses ianques fez, portanto, parte do golpe mais duro da agressão e
retalhação do território sírio, criou dificuldades para a resistência e prestou
assim grande assistência direta ao sionismo em crise, demonstrando quem é o
senhor Erdogan.
***
O pronunciamento do
presidente ianque Joe Biden dá uma ideia da complexa situação internacional e, em particular,
da Síria: “A queda desse regime [de Assad] é um ato de justiça. É um momento
histórico de oportunidades para o povo da Síria, e é também um momento de risco
e incerteza”. De fato, para o imperialismo ianque, a queda de Assad, qualquer
que seja a força envolvida, é um “ato de justiça”: de cara, desestabiliza a
presença de tropas russas no Oriente Médio (que até então tinha na Síria seu
posto avançado, veremos o que ocorrerá na situação criada), obrigando-lhe a
reorganizar suas forças e distrai suas atenções da Ucrânia, abrindo uma nova
frente em crise. Destaca-se que tal derrota das forças de Assad tem, como base,
as ações do sionismo na fronteira com o Líbano: obrigado a concentrar-se para a
defesa de seu território, o Hezbollah diminuiu suas operações em apoio às
tropas de Assad, já há muito dependentes dele.
De resto, agora, os ianques
poderão aproveitar-se para ampliar sua presença na Síria, através de cooptar
grupos lacaios, e tentar restringir tanto mais a presença de forças
anti-imperialistas na Síria, que têm realizado uma espécie de cerco em
potencial às tropas sionistas. Por isso, tropas sionistas estão bombardeando as
instalações militares de defesa da Síria e avançando sua ocupação nas colinas
de Golã, constando já presença de tanques da entidade sionista a 200 km da
capital Damasco. As oligarquias árabes se encontram ameaçadas, o que tenderá a
aprofundar e elevar a mobilização anti-imperialista na região. É mais lenha na
fogueira das lutas armadas de resistência nacionais e anti-imperialistas!
A Síria, há anos, é uma
nação agredida por uma intervenção imperialista ianque e depois retalhada pelas
demais nações imperialistas ou forças regionais em seus “acordos e
compromissos”. Inclusive, o imperialismo russo é parte do seu processo de retalhação
e divisão. Diante da agressão imperialista, primeiro através de grupos
mercenários e logo com intervenção ianque direta, o governo de Assad mostrou-se
incapaz de levantar a resistência nacional e anti-imperialista: temeroso em
mobilizar e armar as massas para a guerra de salvação nacional e em defesa da
integridade territorial, Assad agarrou-se às ilusões de que os oligarcas russos
defenderiam a Síria acima de tudo, deixando a Síria fortemente dependente dos
ditames de Moscou. Moscou, todavia, tem seus próprios interesses e, para
salvaguardá-los, troca os interesses alheios. O seu capitulacionismo diante da
agressão imperialista, a ausência de ação enérgica e intransigente ante todo
compromisso, fez crescer a desmoralização sobre o seu governo e toda sorte de
rejeição pela opinião pública em seu país – só favorecendo a divisão do país e
sua conquista por forças lacaias imperialistas.
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Levantar a bandeira da luta
anti-imperialista é uma necessidade premente, nestes tempos em que vivemos, nos
quais se inaugura um novo período de revoluções populares e anti-imperialistas
e de perigo de uma nova e terceira guerra mundial. A situação no Oriente Médio
é demonstrativa de que a situação internacional está marcada por grandes abalos
sísmicos, crises de todo tipo entre as nações imperialistas; desordens e
tempestades revolucionárias, por um lado, de reação em toda a linha por parte
do imperialismo, por outro. A tendência principal segue sendo a revolução
proletária mundial, que demanda novas lutas revolucionárias proletárias para
imprimir direção comunista às lutas anti-imperialistas e de resistência
nacional dos povos oprimidos. Este, e somente este elemento, poderá impulsionar
as revoluções e conjurar uma terceira guerra mundial.
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Os horrores de Saydnaya, "matadouro" do
ditador sírio Assad
Em
uma tentativa de explicar o horror indescritível, os ex-prisioneiros passaram a
chamar a prisão militar de Saydnaya, na Síria, de
"matadouro". Como nenhum outro prédio no país, ela passou a
simbolizar o horror absoluto dos tempos do governo do ex-ditador Bashar
al-Assad,
agora derrubado.
Os
oficiais de Assad teriam torturado e matado pessoas nessa e em outras prisões
em uma "escala industrial".
Após
a ofensiva
relâmpago dos insurgentes, liderados pela milícia jihadista Organização
para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham ou HTS),
milhares estão sendo libertados de Saydnaya. As forças de defesa civil dos
Capacetes Brancos estimam que entre 20 mil e 50 mil prisioneiros foram
resgatados em um único dia do complexo ao norte da capital síria, Damasco.
Estima-se
que até 150 mil pessoas podem ter sido aprisionadas no lugar, e muitas ainda
estão desaparecidas.
Com
a libertação dessas pessoas, novos detalhes sobre as condições de vida em
Saydnaya estão sendo revelados. Os Capacetes Brancos temem que entre 50 e 100
pessoas possam ter sido executadas diariamente e depois
queimadas em fornos.
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Buscando um "lampejo de esperança"
Para
os parentes, começou uma busca febril por pistas sobre parentes presos ou
desaparecidos dos quais não têm notícias há anos ou décadas.
Mohammed
Abel Asis, por exemplo, veio de Aleppo para Damasco
em busca de seu pai. Quando as forças de segurança o prenderam em 2000,
Mohammed tinha 7 anos de idade. "Procuramos em vão por um vislumbre
de esperança", disse ele à agência de notícias alemã DPA.
Alguns
parentes que voltam da prisão de mãos vazias realizam funerais simbólicos e
cerimônias de luto para seus entes queridos, que provavelmente nunca mais
verão, dizem as testemunhas.
Há
também prisioneiros que caminham como fantasmas de si mesmos para uma liberdade
inesperada, às vezes depois de décadas na prisão. O canal de notícias Al
Jazeera mostrou um homem que não conseguia se lembrar de seu próprio nome,
supostamente como resultado de tortura severa.
Outros
que foram presos durante a presidência do pai de Bashar al-Assad, Hafez, mal
sabem que ele morreu em 2000 e que seu filho assumiu o poder naquela época.
De
acordo com o jornal britânico The
Guardian, entre os ex-prisioneiros está um ex-piloto que se recusou
a bombardear a cidade de Hama durante um levante contra Hafez al-Assad na
década de 1980, e que agora foi libertado após 43 anos.
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"Assassinatos em escala industrial"
Depois
de ver imagens da tortura do desertor sírio "Caesar", o
ex-procurador-chefe da ONU, David Crane, comparou os métodos brutais dos
oficiais do Exército e das autoridades de segurança de Assad aos do regime
nazista. Em 2014, ele falou de "assassinatos em escala industrial".
De acordo
com a Anistia Internacional, em Saydnaya havia uma sala com 30 forcas para
enforcar prisioneiros. Além disso, o governo dos EUA informou que havia um
crematório ao lado do prédio principal para queimar cadáveres. O líder dos
Capacetes Brancos, Raid al Saleh, também afirma que sua equipe descobriu
cadáveres em fornos.
Sobreviventes
e ex-guardas contaram à Anistia Internacional sobre a existência de uma prensa
humana conhecida como "tapete voador" e um método de tortura, em que
as vítimas eram forçadas a se deitar em um pneu de carro com a cabeça entre os
joelhos, onde eram espancadas.
Alguns
prisioneiros foram estuprados e espancados, outros desenvolveram distúrbios
psicóticos e morreram em suas celas. Desde a década de 1970, há prisões na
Síria onde membros da oposição desapareciam como em buracos negros.
No
passado, o governo de Assad chamou as acusações de infundadas e falsas. No
entanto, ativistas de direitos humanos estimam que, somente entre 2011 e 2018,
mais de 30 mil prisioneiros foram executados em Saydnaya ou morreram como
resultado de tortura, negação de cuidados médicos ou fome.
Enquanto
isso, a busca continua por celas subterrâneas supostamente escondidas, o que
poderia revelar um horror ainda maior.
Fonte:
A Nova Democracia/DW Brasil
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