sábado, 14 de dezembro de 2024

Agressão a Síria: mais lenha na fogueira da resistência anti-imperialista

ofensiva militar que derrubou o presidente da Síria Bashar Al-Assad demonstra com que fluidez crescente os acontecimentos na arena internacional estão se dando, cada vez mais, através das guerras. Mas em meio a imensas contradições que envolvem a Síria, a causa primeira da queda de Assad não poderia ser outra senão a grave situação interna do país já há muito bastante crítica. O descontentamento com o governo autoritário de Assad por parte das massas populares não podia mais ser mitigado pela posição firme desempenhada por ele frente às ambições e ações subversivas do colonialismo sionista e em defesa da causa Palestina. Tanto que, ante à marcha relâmpago de diferentes organizações armadas islamistas sobre Damasco, nenhum punhado sequer do povo saiu em sua defesa. O próprio Exército Nacional Sírio não se moveu, a não ser partes suas que se empenham em combater as forças curdas em luta por seus territórios, ainda que manejadas pelo imperialismo ianque no objetivo de debilitar o governo. Ademais, grandes e agudas contradições que vinculam a situação interna de Síria à regional e internacional a deixavam numa posição complicada na região. Desde a criação do Estado sionista de Israel, a Síria ocupou papel destacado no confronto com este, bem como no apoio à causa palestina, papel o bastante para tê-la tornado alvo permanente de ataques do imperialismo ianque e de sua ponta de lança na região, Israel e sua insaciável cobiça expansionista colonialista.

Por sua vez, a queda de Assad confirma a máxima da subjugação nacional de que um país, cujo governo está subordinado a uma ou mais potências estrangeiras, está totalmente a mercê dos interesses desta(s) como um peão no tabuleiro do xadrez da luta de partilha imperialista. Pela segunda vez nos últimos anos, Síria tem sua soberania avassalada e esmagada em função dos interesses imperialistas estrangeiros. Na primeira vez, as tropas no terreno das duas superpotências imperialistas – EUA e Rússia – se confrontavam em prol de interesses próprios: a ianque por derrubar o governo Assad para substituí-lo por um fantoche seu, e a russa por defendê-lo como sua esfera de influência, já há décadas, e aprofundar tal condição. O imperialismo ianque mobilizava no terreno tropas mercenárias apelidadas de “exército livre”, contando com apoio de Israel, por uma parte, e o imperialismo russo com o exército nacional sírio, apoiado por unidades guerrilheiras do Hezbollah, por outra, levava uma guerra de destruição que obrigou dezenas de milhares do povo sírio a fugir do país para escapar da morte. Chegada a uma situação grave que poderia precipitar um enfrentamento entre as próprias forças ianques e russas que posicionavam fora do teatro de operações, estes imperialistas entraram num acordo para pôr fim às hostilidades, cuja base foi a indecente imposição ao governo sírio em destruir seu arsenal de armas químicas. Assim, a bem dos seus interesses imperialistas na Síria e no Oriente Médio, Putin rifou a soberania da Síria obrigando-a a desfazer-se do que tinha de mais potente enquanto armas defensivas diante da provocação e agressão do expansionismo sionista. Agora, da segunda vez que Síria se vê totalmente violada por forças estrangeiras, não se pode descartar de todo que os mesmos imperialistas e seus lacaios tenham chegado a novo acordo criminoso e deixar livre o caminho, ao preço do retalhamento do país. Tal a forma relâmpago que o governo pôde ser derrubado sem resistência praticamente nenhuma deste ou de seus “aliados” Rússia e Irã.

Contudo, tomar por verdade hipótese como esta, de todo não impossível, como a causa da queda de Assad seria simplificar em demasia a realidade tão complexa da crescente desordem mundial que revela o grau avançado da decomposição imperialista e secundarizar suas causas internas ao contrário do já afirmado acima como principal fator. Como também não se trata de responder sob o domínio de qual potência seria melhor para Síria, ou qualquer país na condição de colônia ou semicolônia. Só a total libertação e independência nacional pode salvar uma nação da opressão imperialista e esta só pode ser obtida de forma completa, na época imperialista, através da guerra revolucionária sob a direção do partido revolucionário do proletariado – um verdadeiro e autêntico partido comunista, isto é, livre de todo e qualquer revisionismo – e apoiado numa frente única das classes populares, a aliança operário-camponesa como base somada com a pequena-burguesia e a parte não cooptada da média burguesia (genuína burguesia nacional). É o que comprova a experiência histórica do Século XX até nossos dias. Não há outro remédio. Toda outra solução significa ou apenas mudar de amo imperialista ou a balcanização do país. Esta é a que está em curso na Síria, dividida em várias partes controladas por facções de diferentes orientações políticas, cuja mesma base é a de força mercenária a serviço do imperialismo ianque, da disputa do imperialismo russo com sua base militar instalada e os interesses da disputa pela hegemonia regional de Israel e Turquia.

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Como ocorreram os fatos? Em 12 dias, uma coalizão heterogênea, composta por lacaios ianques a mercenários turcos, marcharam do noroeste num ataque silencioso a Aleppo e, de lá, capturaram Damasco. Refugiado em Moscou, Assad não pôde resistir com suas tropas convencionais, que praticamente se decompuseram, boa parte passando às mãos da “oposição”.

O grupo, alçado como principal responsável pela ofensiva, é o Tahrir al-Sham (HTS), que tem o seu líder Abu Mohammed Al-Jawlani, principal procurado a anos por forças ianques, que oferecem 10 milhões de dólares pela sua captura. Isso porque o HTS e seu chefe vêm de um longo processo de organizações salafistas por ele comandadas, e que foram parte integrante da Al-Qaeda no Iraque e do Estado Islâmico na Síria. Estas forças são as que, ou estiveram combatendo as tropas ianques ou a seu soldo durante todo este início do século presente no objetivo de depor governos, dominar territórios para a exploração de petróleo e ocupar posições geográficas estratégicas. Durante a guerra de agressão à Síria, no entanto, o chefe do HTS, tenta melhorar sua imagem para o imperialismo ianque: na província de Idlib, governada por ele desde 2007, não se aplica as leis islâmicas como os demais grupos salafistas, discursa sobre a importância da diversidade religiosa e garante, de pés juntos, que a HTS não pretende estabelecer um califado transacional como fizera o Estado Islâmico, tudo para receber a benção de permissão ou de serviçal do imperialismo ianque, receber deste procuração para instaurar um regime lacaio pró-ianque. O HTS atua em coalizão com forças apoiadas pela Turquia, como o Exército Nacional da Síria e outras forças armadas apoiadas e apetrechadas pela Turquia. O regime burocrático-fascista turco de Erdogán tem realizado desde 2017 intervenções no território sírio, com ocupações no noroeste e atacando tropas curdas do YPG e outros grupos, que outrora foram financiados pelos ianques e que, agora, estão entregues à própria sorte – demonstrando que só foram financiados na medida em que foram úteis aos ianques, e logo, descartados. Nos últimos dias, as forças financiadas pelos turcos estão cercando e esmagando os curdos, tendo já tomado a cidade estratégica de Manbij, no nordeste da Síria. A Turquia, em conluio com os interesses ianques fez, portanto, parte do golpe mais duro da agressão e retalhação do território sírio, criou dificuldades para a resistência e prestou assim grande assistência direta ao sionismo em crise, demonstrando quem é o senhor Erdogan.

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O pronunciamento do presidente ianque Joe Biden dá uma ideia da complexa situação internacional e, em particular, da Síria: “A queda desse regime [de Assad] é um ato de justiça. É um momento histórico de oportunidades para o povo da Síria, e é também um momento de risco e incerteza”. De fato, para o imperialismo ianque, a queda de Assad, qualquer que seja a força envolvida, é um “ato de justiça”: de cara, desestabiliza a presença de tropas russas no Oriente Médio (que até então tinha na Síria seu posto avançado, veremos o que ocorrerá na situação criada), obrigando-lhe a reorganizar suas forças e distrai suas atenções da Ucrânia, abrindo uma nova frente em crise. Destaca-se que tal derrota das forças de Assad tem, como base, as ações do sionismo na fronteira com o Líbano: obrigado a concentrar-se para a defesa de seu território, o Hezbollah diminuiu suas operações em apoio às tropas de Assad, já há muito dependentes dele.

De resto, agora, os ianques poderão aproveitar-se para ampliar sua presença na Síria, através de cooptar grupos lacaios, e tentar restringir tanto mais a presença de forças anti-imperialistas na Síria, que têm realizado uma espécie de cerco em potencial às tropas sionistas. Por isso, tropas sionistas estão bombardeando as instalações militares de defesa da Síria e avançando sua ocupação nas colinas de Golã, constando já presença de tanques da entidade sionista a 200 km da capital Damasco. As oligarquias árabes se encontram ameaçadas, o que tenderá a aprofundar e elevar a mobilização anti-imperialista na região. É mais lenha na fogueira das lutas armadas de resistência nacionais e anti-imperialistas!

A Síria, há anos, é uma nação agredida por uma intervenção imperialista ianque e depois retalhada pelas demais nações imperialistas ou forças regionais em seus “acordos e compromissos”. Inclusive, o imperialismo russo é parte do seu processo de retalhação e divisão. Diante da agressão imperialista, primeiro através de grupos mercenários e logo com intervenção ianque direta, o governo de Assad mostrou-se incapaz de levantar a resistência nacional e anti-imperialista: temeroso em mobilizar e armar as massas para a guerra de salvação nacional e em defesa da integridade territorial, Assad agarrou-se às ilusões de que os oligarcas russos defenderiam a Síria acima de tudo, deixando a Síria fortemente dependente dos ditames de Moscou. Moscou, todavia, tem seus próprios interesses e, para salvaguardá-los, troca os interesses alheios. O seu capitulacionismo diante da agressão imperialista, a ausência de ação enérgica e intransigente ante todo compromisso, fez crescer a desmoralização sobre o seu governo e toda sorte de rejeição pela opinião pública em seu país – só favorecendo a divisão do país e sua conquista por forças lacaias imperialistas.

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Levantar a bandeira da luta anti-imperialista é uma necessidade premente, nestes tempos em que vivemos, nos quais se inaugura um novo período de revoluções populares e anti-imperialistas e de perigo de uma nova e terceira guerra mundial. A situação no Oriente Médio é demonstrativa de que a situação internacional está marcada por grandes abalos sísmicos, crises de todo tipo entre as nações imperialistas; desordens e tempestades revolucionárias, por um lado, de reação em toda a linha por parte do imperialismo, por outro. A tendência principal segue sendo a revolução proletária mundial, que demanda novas lutas revolucionárias proletárias para imprimir direção comunista às lutas anti-imperialistas e de resistência nacional dos povos oprimidos. Este, e somente este elemento, poderá impulsionar as revoluções e conjurar uma terceira guerra mundial.

 

¨         Os horrores de Saydnaya, "matadouro" do ditador sírio Assad

Em uma tentativa de explicar o horror indescritível, os ex-prisioneiros passaram a chamar a prisão militar de Saydnaya, na Síria, de "matadouro". Como nenhum outro prédio no país, ela passou a simbolizar o horror absoluto dos tempos do governo do ex-ditador Bashar al-Assad, agora derrubado.

Os oficiais de Assad teriam torturado e matado pessoas nessa e em outras prisões em uma "escala industrial".

Após a ofensiva relâmpago dos insurgentes, liderados pela milícia jihadista Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham ou HTS), milhares estão sendo libertados de Saydnaya. As forças de defesa civil dos Capacetes Brancos estimam que entre 20 mil e 50 mil prisioneiros foram resgatados em um único dia do complexo ao norte da capital síria, Damasco.

Estima-se que até 150 mil pessoas podem ter sido aprisionadas no lugar, e muitas ainda estão desaparecidas.

Com a libertação dessas pessoas, novos detalhes sobre as condições de vida em Saydnaya estão sendo revelados. Os Capacetes Brancos temem que entre 50 e 100 pessoas possam ter sido executadas diariamente e depois queimadas em fornos.

<><> Buscando um "lampejo de esperança"

Para os parentes, começou uma busca febril por pistas sobre parentes presos ou desaparecidos dos quais não têm notícias há anos ou décadas.

Mohammed Abel Asis, por exemplo, veio de Aleppo para Damasco em busca de seu pai. Quando as forças de segurança o prenderam em 2000, Mohammed tinha 7 anos de idade. "Procuramos em vão por um vislumbre de esperança", disse ele à agência de notícias alemã DPA.

Alguns parentes que voltam da prisão de mãos vazias realizam funerais simbólicos e cerimônias de luto para seus entes queridos, que provavelmente nunca mais verão, dizem as testemunhas.

Há também prisioneiros que caminham como fantasmas de si mesmos para uma liberdade inesperada, às vezes depois de décadas na prisão. O canal de notícias Al Jazeera mostrou um homem que não conseguia se lembrar de seu próprio nome, supostamente como resultado de tortura severa.

Outros que foram presos durante a presidência do pai de Bashar al-Assad, Hafez, mal sabem que ele morreu em 2000 e que seu filho assumiu o poder naquela época.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, entre os ex-prisioneiros está um ex-piloto que se recusou a bombardear a cidade de Hama durante um levante contra Hafez al-Assad na década de 1980, e que agora foi libertado após 43 anos.

<><> "Assassinatos em escala industrial"

Depois de ver imagens da tortura do desertor sírio "Caesar", o ex-procurador-chefe da ONU, David Crane, comparou os métodos brutais dos oficiais do Exército e das autoridades de segurança de Assad aos do regime nazista. Em 2014, ele falou de "assassinatos em escala industrial".

De acordo com a Anistia Internacional, em Saydnaya havia uma sala com 30 forcas para enforcar prisioneiros. Além disso, o governo dos EUA informou que havia um crematório ao lado do prédio principal para queimar cadáveres. O líder dos Capacetes Brancos, Raid al Saleh, também afirma que sua equipe descobriu cadáveres em fornos.

Sobreviventes e ex-guardas contaram à Anistia Internacional sobre a existência de uma prensa humana conhecida como "tapete voador" e um método de tortura, em que as vítimas eram forçadas a se deitar em um pneu de carro com a cabeça entre os joelhos, onde eram espancadas.

Alguns prisioneiros foram estuprados e espancados, outros desenvolveram distúrbios psicóticos e morreram em suas celas. Desde a década de 1970, há prisões na Síria onde membros da oposição desapareciam como em buracos negros.

No passado, o governo de Assad chamou as acusações de infundadas e falsas. No entanto, ativistas de direitos humanos estimam que, somente entre 2011 e 2018, mais de 30 mil prisioneiros foram executados em Saydnaya ou morreram como resultado de tortura, negação de cuidados médicos ou fome.

Enquanto isso, a busca continua por celas subterrâneas supostamente escondidas, o que poderia revelar um horror ainda maior.

 

Fonte: A Nova Democracia/DW Brasil

 

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