Situação
financeira é a principal preocupação dos brasileiros, aponta Panorama da Saúde
Mental
Dentre
os fatores que afetam diretamente a saúde mental, a situação financeira foi
apontada como a principal preocupação dos brasileiros. É o que mostram os dados
da nova edição do Panorama da Saúde Mental, realizado pelo Instituto
Cactus e pela AtlasIntel. O estudo traz informações referentes ao segundo
semestre de 2023, coletadas por meio de pesquisa online com 3.266 pessoas de
diversas regiões do Brasil.
De
acordo com o levantamento, 82% dos entrevistados afirmaram que se
preocuparam com a situação financeira pelo menos 3 vezes ou mais durante as
duas semanas que antecederam a pesquisa – o questionário foi aplicado entre 26
de dezembro e 6 de janeiro. Além disso, 22% relataram ter deixado de fazer
alguma refeição por não ter dinheiro. Na sequência dos fatores do cotidiano que
interferem a saúde mental, 71% afirmaram dormir menos de 6 horas em pelo menos
uma noite e 62% relataram sentir forte sonolência durante o dia nas duas
semanas anteriores.
“Trazer
todas essas informações em relação ao panorama da saúde mental é uma forma de
levantar muitas questões e provocar a sociedade, estimulando novos estudos e
perspectivas sobre esses dados. No entanto, precisamos compreender que a saúde
mental é composta por vários fatores”, afirmou Maria Fernanda Resende Quartiero, diretora-presidente do Instituto Cactus.
A
segunda edição do Panorama traz
os dados atualizados do Índice Contínuo de Avaliação da Saúde Mental (ICASM), que mede semestralmente como está a
saúde mental de brasileiros acima de 16 anos e traduz esse questionário em um
número que vai de 0 a 1000. O índice para o segundo semestre de 2023 ficou em
640, praticamente estável com relação aos 635 apurados no primeiro semestre do
ano passado. Contudo, no recorte por idade, a faixa de 35 a 44 anos foi a que
mais caiu, saindo de 642 para os atuais 598. A que mais cresceu foi a faixa de
25 a 34 anos, que subiu de 566 para 625.
·
Saúde mental como
aspecto dinâmico
O
contexto atual da sociedade explica por que muitas pessoas têm
priorizado mais discussões sobre saúde mental, apesar do persistente estigma.
De acordo com Maria Fernanda, ao considerarmos o aspecto socioeconômico, antes
da pandemia, os brasileiros desfrutavam de certos privilégios financeiros.
Contudo, devido à pandemia, muitos perderam esses privilégios. Segundo ela, o
valor do dinheiro que possuíam já não é o mesmo de antes, o que causa
preocupações financeiras, já que muitos não conseguem retornar ao patamar
econômico anterior à pandemia:
“Agora
começamos a entender como isso está afetando o brasileiro, para então olharmos
para todas essas frentes para estudar mais, além de gerar novos projetos para
compreender como chegamos até aqui dessa forma”.
Com
o objetivo de provocar a sociedade sobre esse tema, Mariana Rae, coordenadora
de projetos do Instituto Cactus, explicou que, devido à agitação da
sociedade, em que as pessoas trabalham muito e têm pouco tempo para outras
atividades, culturalmente não são incentivadas a refletir sobre a saúde
mental: “Falar sobre isso desperta algo invariavelmente. Mesmo que eu
traga uma informação sobre sono, posso refletir sobre o meu próprio descanso,
investigar por que as pessoas enfrentam dificuldades para dormir e considerar
maneiras de melhorar meu próprio sono. Não se trata apenas de abordar a saúde
mental em termos de transtornos. Quando falamos sobre saúde mental, não é
necessário esperar ficar doente para começar a cuidar dela.”
Outro
ponto destacado por Maria Fernanda é a importância da promoção e prevenção da
saúde mental para evitar chegar ao ponto de adoecimento e transtorno. Ela
acredita que as tomadas de decisões, seja no âmbito público, privado ou
individual, precisam passar pela lente da saúde mental. “Daqui para frente,
qualquer coisa que você for fazer, seja você governo, empresa privada ou
indivíduo, suas escolhas e decisões devem passar por essa lente da saúde
mental”, pontua.
·
Jovens e mulheres: um
olhar cuidadoso do Panorama da Saúde Mental
Outro
dado revelado pelo Panorama através do ICASM é que a faixa de 16 a 24 anos
seguiu como a que apresentou o mais baixo índice, com 523 pontos. E o número
para mulheres foi de 593, quase 100 pontos a menos que os 691 dos homens. Em
relação aos jovens, o ambiente escolar, desde interações sociais até mesmo o
uso da rede social impactam no desenvolvimento. Já as mulheres, muitas chefes
de lares e mães solos, assumem um peso grande na criação das famílias, que gera
uma pressão desde aparência e até mesmo em abuso sexual que muitas
sofrem.
Mariana
Rae defende pensar em estratégias que de fato vão atender a essas demandas
específicas: “Não podemos generalizar a população brasileira. Existem os
subgrupos com necessidades diferentes. Por isso, trazemos essa reflexão”. Para
ela, o documento traz também essa visão de que é preciso debater isso em nível
populacional por meio de estratégias e políticas públicas. “A saúde mental
perpassa o coletivo”, completa.
Ainda
segundo Rae, endereçar a saúde mental não é exclusividade da área da
saúde. Ela aponta que vários outros aspectos de áreas como a educação, moradia,
saneamento básico, transporte, trabalho influenciam a saúde mental das pessoas.
Por isso, destacou que o panorama, ao trazer esses pontos associados à saúde
mental, levanta esse debate e coloca em questão como dependemos de saúde mental
e como cobramos esse cuidado da saúde mental também.
Outro
ponto importante levantado pelo Instituto Cactus é que, além de falar mais do
assunto, é fundamental discutir a disponibilidade de profissionais para lidar
com o tema, já que há um estigma significativo e uma falta de profissionais
disponíveis para atender à demanda por saúde mental. De acordo com dados do
Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Brasil conta com aproximadamente 439
mil psicólogos, o que representa uma média de 2 profissionais para cada 1.000
habitantes. Neste caso, a solução não depende apenas de mais profissionais de
saúde mental, mas também de intervenções sociais amplas.
·
O estresse financeiro
impacta na saúde mental
Em
2023, a pesquisa “Raio X dos brasileiros em situação de
inadimplência“, realizada pelo Instituto Locomotiva e
MFM Tecnologia, apontou que oito em cada dez famílias brasileiras estão
endividadas e um terço têm dívidas em atraso. Para Thiago Godoy, especialista
em educação financeira, mestre pela FGV-SP e autor do best-seller “Emoções
Financeiras”, o estresse financeiro “não é um fenômeno brasileiro, é um
fenômeno global”. Mesmo em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, muitas
famílias vivem de salário em salário e enfrentam altos níveis de estresse
financeiro. “Isso ocorre, em primeiro lugar, devido a uma característica humana
de sempre privilegiar o curto prazo. Temos um viés do presente, que é, talvez,
o mais forte entre os atalhos mentais que utilizamos para tomar decisões”,
explicou Godoy.
Esse
comportamento, segundo ele, também foi influenciado nos últimos anos pelo
acesso às redes sociais, onde vemos pessoas comprando e mostrando uma vida de
status. Com isso, há a pressão do consumo instantâneo: “É cada vez mais difícil
para a pessoa conseguir ter autocontrole para tomar essa decisão. Temos que
nadar cada vez mais contra a corrente, porque o dinheiro é virtual, o apelo ao
consumo é imediato, e o padrão de vida dos outros está constantemente batendo à
nossa porta, nos fazendo desejar alcançá-lo, nos fazendo querer comprar”.
Porém,
Godoy afirma que, embora haja mais acesso à informação, isso dá mais
consciência, mas não muda o comportamento. “Se o conteúdo não for direcionado,
se não virar metodologia de ensino, se não se tornar um processo, ele é apenas
um conteúdo jogado”, avalia.
Para
o educador, o governo tem um papel importante a desempenhar na promoção da
educação financeira, desde a implementação de programas educacionais nas
escolas até a criação de políticas e regulamentações que protejam os
consumidores e promovam a transparência no mercado financeiro. Contudo, além
das medidas governamentais, ele reconhece a necessidade de uma mudança cultural
em relação ao consumo e ao planejamento financeiro, destacando a importância da
conscientização e do autocontrole individual.
Dentre
os desafios que ele destaca no Brasil aparece a educação pública, com níveis de
aprendizagem abaixo do esperado em disciplinas básicas como matemática e
português. O país também está abaixo da média global no Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes (PISA). Exemplos internacionais, como o da Coreia do
Sul, mostram como investir na educação e valorizar os professores pode
transformar um sistema educacional. O sucesso dessas experiências indica que o
investimento em educação é um caminho promissor para o desenvolvimento social e
econômico.
Fonte:
Futuro da Saúde
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