Sítio de
Ricardo Nunes no extremo sul de SP fica em loteamento irregular
O
prefeito Ricardo Nunes usufrui de treze lotes no Parque Internacional, um
loteamento irregular em Engenheiro Marsilac, extremo sul de São Paulo. Mas
apenas quatro lotes estão em seu nome. O imóvel com sobrado começou a ser
adquirido em 2006, quando ele já militava pelo MDB, mas ainda não era vereador.
E foi se expandindo, sem pagar Imposto Territorial Rural (ITR), em uma área de
pelo menos 4,2 hectares, na região de pior Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) da capital paulista.
A
placa na rua sem nome informa: Sítio Vista Verde. Ele fica em plena região de
Mata Atlântica, na Área de Proteção Ambiental (APA) do Capivari-Monos, a 23,5
quilômetros das praias de Mongaguá e a 41 quilômetros da Praça da Sé. A apenas
440 metros da ferrovia que leva cargas da mineração e do agronegócio para
Santos, a 400 metros de uma unidade da Companhia de Abastecimento do Estado de
São Paulo (Sabesp), ao lado de uma represa. Bem perto da Estrada da Ponte Seca,
a 1,5 quilômetro da vila de Marsilac.
O
caseiro não quis atender a reportagem. Só o patrão falaria. De Olho nos
Ruralistas esteve no local em um sábado, dia 27 de abril, quando começavam no
Rio Grande do Sul as chuvas que resultaram em catástrofe. A única pista dada
pelo prefeito eram os quatro lotes em seu nome, declarados ao Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), no Parque Internacional “em Parelheiros”. O Parque
Internacional fica em Marsilac e pouca gente o conhece pelo nome. Quando se
falava na “casa do prefeito”, as pessoas na Estrada da Ponte Seca tentavam
explicar onde era.
VÍDEO
APRESENTA SÍTIO E INAUGURA COBERTURA ELEITORAL DO DE OLHO NOS RURALISTAS
O
vídeo acima inaugura, em nosso canal no YouTube, a série de episódios Endereços. Ela será acompanhada
de dezenas de reportagens que falarão sobre a relação dos políticos paulistanos
com o território. Suas conexões empresariais, suas propriedades, os impactos
das políticas públicas no ambiente. O observatório já tinha contado, em 2021,
quais eram as fazendas do prefeito em Minas Gerais. Duas delas obtidas
por usucapião — um instrumento utilizado para quem usufrui da propriedade.
O
prefeito não mora no Sítio Vista Verde. Em uma audiência na Câmara, em
2013, dizia morar. Os vizinhos no Parque Internacional contam que ele e sua
família costumavam frequentar o local. Mas pararam. Quem mais frequenta o sítio
é o empresário Ricardo Nunes Filho, que usa as redes sociais para alugar o imóvel
— como detalharemos em outra reportagem desta série, que inaugura a cobertura
eleitoral do De Olho nos Ruralistas. Um dos usos recorrentes é para eventos da
Nikkey Controle de Pragas, principal empresa da família.
Algumas
informações só puderam ser obtidas pela reportagem no 11º Cartório de Registro
de Imóveis após a constatação do nome e da localização do sítio. Motivo: os
dados informados por Nunes à Justiça Eleitoral estão
incompletos. Em 2020, quando ele disputou a vice-prefeitura na chapa do
prefeito Bruno Covas, declarava cada imóvel rural apenas como “terra nua”. No
ano seguinte, ao assumir o cargo, declarou pela primeira vez os treze lotes,
por R$ 456 mil. Cerca de 1/10 do total de bens informados pelo prefeito, R$ 4,8
milhões.
A
declaração à Secretaria de Registro Parlamentar da Câmara Municipal pode ser
encontrada no Diário Oficial do Município.
Mostra que os quatro lotes em nome dele somam R$ 110 mil. O lote 16, com o
sobrado, foi declarado por R$ 228 mil. Os demais oito lotes — que incluem a
residência do caseiro, tanque para peixes, espaço para um cavalo não informado
à Justiça Eleitoral — somam R$ 118 mil. As informações no cartório e em outras
fontes, como veremos, mostra uma teia fundiária bem mais complexa.
LOTEAMENTO
É CLASSIFICADO COMO IRREGULAR EM PLANO DE MANEJO
A
Área de Proteção Ambiental (APA) do Capivari-Monos foi criada em 2001, na
gestão de Marta Suplicy. Considerada o berço das águas da capital paulista, ela
possui 25 mil hectares e foi a primeira unidade de conservação do município.
Isso significa 16,4% da área total de São Paulo, nono maior município do
estado, com 152 mil hectares.
Essa
tipologia permite o uso sustentável do solo e estabelece uma série de
restrições para a utilização de propriedades privadas, visando principalmente a
proteção de nascentes e rios. No caso da Capivari-Monos, são três bacias
hidrográficas, que comportam 22 sub-bacias e 36 cachoeiras — todas situadas
dentro de imóveis privados, em sua maioria sítios.
Segundo
o Plano de Manejo aprovado
em 2011, a principal ameaça à manutenção da APA vem dos loteamentos irregulares
e clandestinos, que a prefeitura diz combater. Entre as quinze áreas listadas
no estudo figura o Parque Internacional, onde o prefeito Ricardo Nunes mantém o
Sítio Vista Verde.
A
classificação do Parque Internacional como loteamento irregular não vem apenas
desse documento. A plataforma GeoSampa, que consolida as
bases de dados fundiários do município, mostra que os imóveis de Nunes estão
inteiramente dentro do polígono referente à área irregular. A fonte dos dados é
a própria Secretaria Municipal de Habitação.
NUNES
DECLARA TERRAS EM MARSILAC DESDE 2012
Ao
longo de dois meses, o núcleo de pesquisa do observatório De Olho nos
Ruralistas vasculhou as bases de dados do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra) e da Receita Federal para
identificar o histórico fundiário de Ricardo Nunes. As informações relativas ao
Sítio Vista Verde foram cruzadas com as matrículas registradas no 11º Cartório
de Registro de Imóveis de São Paulo, correspondentes a cada um dos imóveis.
A
análise dos dados fundiários aponta uma série de irregularidades e
inconsistências cadastrais. Ao todo, Ricardo Nunes possui treze lotes no
distrito de Engenheiro Marsilac, divididos em cinco imóveis rurais — divididos
em dez matrículas.
Eles
estão localizados na quadra H do Parque Internacional, em uma área contígua de
4,2 hectares — duas vezes o tamanho do Parque Augusta, inaugurado em 2021, no
centro de São Paulo.
Dos
treze lotes, apenas quatro apontam, nas matrículas obtidas em cartório, a
transferência da titularidade para Nunes. O atual prefeito de São Paulo comprou
os terrenos em 07 de julho de 2006, quando já militava no MDB.
Os
lotes números 4, 5, 17 e 18 aparecem nas declarações de bens do político desde
2012. Entre a primeira declaração de bens, para vereador, e a última, para
vice-prefeito (disponibilizada de forma integral apenas em 2021), o valor das
terras subiu de R$ 40 mil para R$ 110 mil.
Perante
o Incra e a Receita Federal, porém, essas terras continuam m nome do antigo
dono, Paulo Minoru Ikeda. Uma das vizinhas do sítio, Sueli Valentim, confirma
que as terras eram dele. E conta que foram as últimas a serem adquiridas por
Nunes. A atualização dos dados é de responsabilidade do cartório e está
atrasada há catorze anos, desde que a compra foi registrada nas quatro
matrículas, em 2010.
PREFEITO
NÃO DECLARA IMPOSTO RURAL SOBRE O TERRENO
Mas
e os outros nove lotes? Neles a situação é inversa: Ricardo Nunes assume a
titularidade deles perante o Incra e a Receita, conforme as pesquisas do
observatório, mas as matrículas continuam vinculados aos antigos proprietários.
A
falta de atualização tem impacto na arrecadação de impostos. Os imóveis
correspondentes aos treze lotes do prefeito em Marsilac aparecem no Cadastro
Fiscal de Imóvel Rural com a situação de registro pendente por “Omissão de
Diac”. A sigla se refere ao Documento de Informação e Atualização Cadastral do
Imposto Territorial Rural, o ITR.
A Lei nº 9.393/96, que
dispõe sobre o regulamento do ITR, obriga os proprietários de imóveis rurais a
comunicar, no prazo de sessenta dias, quaisquer alterações relativas a
desmembramento, anexação, transmissão de titularidade, sucessão causa mortis,
cessão de direitos ou usufruto.
Não
entregar o Diac implica em multa e juros e, sem o documento, não é possível
aferir o ITR da propriedade. Em outras palavras, os terrenos de Nunes estão
irregulares.
LOTES
ESTÃO EM NOME DE COLONOS ALEMÃES E ALIADOS POLÍTICOS
Os
documentos obtidos pelo De Olho nos Ruralistas em cartório mostram que seis
lotes de Nunes no Parque Internacional aparecem vinculados ao industrial alemão
Hans Grill, que comprou a área em 1959 de outros dois membros da colônia alemã,
o lavrador Pedro Hessel Reimberg e sua esposa Rita Hengler. Proprietário
original da área que hoje compõe o Sítio Vista Verde, Reimberg era dono de 71
hectares de terras na região, em boa parte colonizada por alemães.
Segundo
a tese de doutorado da geógrafa Camila Salles de Faria, uma
dessas glebas ocupava uma área tradicional do povo Guarani, hoje correspondente
à Terra Indígena Tenondé Porã. Apesar de já ter falecido, o colono alemão
continua aparecendo como titular do lote nº 11.
Outros
dois lotes tiveram sua última transferência registrada há mais de três décadas.
O lote nº 16, onde fica o sobrado alugado por Nunes, está desde 1973 em nome de
Jacinto e Mario Lopes Medeiros. Entre os lotes que compõem o Sítio Vista Verde,
é o mais caro declarado por Nunes à Câmara em 2021: R$ 228 mil.
O
lote nº 6 foi comprado em 1988 por Benjamim Ribeiro da Silva — mencionado por
vizinhos como um dos donos anteriores do sítio — e Alfonso Boglio Serrano. Os
dois são aliados de longa data de Nunes na zona sul e também serão temas de
reportagem específica desta série.
RICARDO
NUNES DIZ QUE LOTES EM MARSILAC ESTÃO “EM REGULARIZAÇÃO”
A
reportagem procurou a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo para
ouvir o posicionamento de Ricardo Nunes a respeito dos terrenos em Marsilac.
Em
nota enviada somente após a publicação do vídeo, o prefeito diz que os nove
lotes registrados em nome de terceiros — números 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15,
16 — encontram-se “em processo de regularização nos referidos cartórios de
imóveis para apresentação e documentação dos proprietários anteriores”.
Sobre
os quatro primeiros lotes adquiridos de Paulo Ikeda — números 4, 5, 17 e 18 —,
a assessoria informa que as matrículas “foram transferidas via escritura
pública e registradas em cartório em nome do prefeito, sendo, até o presente
momento, de desconhecimento deste a necessidade de comunicação a demais
órgãos”. A nota afirma que a comunicação será brevemente realizada, assim como
qualquer outra regularização de pendência.
Em
relação ao tanque para peixes, mostrado pelo vídeo em nosso canal no YouTube, o
prefeito nega que a nascente tenha sido canalizada:
— A
nascente apontada pela reportagem está dentro de uma área de preservação, com
todos os limites respeitados. (…) O reservatório não ultrapassa o limite
previsto na legislação, e não há nenhuma atividade de “pesqueiro’’ ou algo de
gênero na propriedade, que possui uma criação de peixes particular. Na data de
aquisição dos lotes mencionados ainda não tinha sido constituída a área de
preservação, o que somente aconteceu em 2001. O imóvel é usado para o lazer de
familiares e amigos.
Ainda
segundo a nota, os lotes foram adquiridos entre 1997 e 1998, antes da criação
da APA Capivari-Monos, “já integralmente construídos e constituídos em sua
forma final”. “Os imóveis constam da declaração de Imposto de Renda do prefeito
Ricardo Nunes, o que reitera o seu compromisso com a legalidade de todo o
processo”, conclui.
A
resposta não faz referência à ausência de declaração do Imposto Territorial
Rural (ITR).
Fonte:
Por Alceu Luís Castilho, e Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas
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