sexta-feira, 14 de junho de 2024

Sidney Klajner: ‘Higiene das mãos X infecções’

No século XIX, Florence Nightingale, enfermeira que atuou na Guerra da Criméia e é considerada a fundadora da enfermagem moderna, já apontava a importância da higiene das mãos e do ambiente no cuidado dos pacientes. Ferimentos da guerra podiam não matar, infecções transmitidas no processo assistencial sim. Nesse mesmo século, o médico húngaro Ignaz Semmelweis, que trabalhava no Hospital Geral de Viena, na Áustria, constatou que nos partos atendidos por parteiras, o número de mulheres vítimas de infecção puerperal era menor que o daquelas cujos partos eram realizados por médicos residentes, que vinham direto da aula de anatomia onde manipulavam cadáveres. Eles carregavam nas mãos não higienizadas os microrganismos que transmitiam às parturientes.

Mais de 150 anos se passaram, e o que Florence e Ignaz constaram mais com base na observação do que nos poucos recursos de estudo da época está mais do que provado. No entanto, em pleno século XXI, essa prática aparentemente simples segue acompanhada de um imenso desafio em todo o mundo: a não adesão a ela por uma parcela dos profissionais de saúde. Ao lado de outros fatores (protocolos inadequados, falhas de processos, uso excessivo de antibióticos etc.), a falta de higiene das mãos está entre os causadores das infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), que afetam de 3% a 15% dos pacientes internados nos países desenvolvidos e mais do que isso nos países em desenvolvimento.

Os riscos estão à espreita nas mais diversas situações. Um dreno, uma sonda ou um cateter manipulado sem a devida higiene das mãos pode infectar o paciente. Idem se a prática não foi adotada pelo profissional antes de administrar um medicamento à pessoa internada ou pelo médico que não fez uma escala na pia ou no dispenser de álcool em gel entre as visitas a um paciente e outro. Atos corriqueiros, como acionar a maçaneta para abrir a porta, movimentar a grade da cama ou conferir a mensagem no celular, podem se transformar em vilões para os pacientes sem a devida higienização das mãos.

·        Momentos-chave para higiene das mãos

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define os cinco momentos-chave para higienizar as mãos: 1) antes de tocar o paciente; 2) antes de realizar um procedimento limpo/asséptico (como higiene oral e preparo/administração de medicações); 3) após risco de exposição a fluidos corporais (punção endovenosa, troca de fraldas etc.); 4) após contato com o paciente, ao deixar o ambiente; 5) após contato com superfícies próximas ao paciente, mesmo sem ter contato direto com ele.

Segundo a OMS, programas de melhoria da higiene das mãos podem prevenir até 50% das infecções evitáveis adquiridas durante a prestação de serviços de saúde, além de gerar uma economia cerca de 16 vezes maior que o custo de sua implantação.

Estimular a adesão é o grande desafio desses programas, o que exige uma estratégia multimodal. As principais dimensões que precisam ser abordadas são:

  • Estrutura – pias com sabonete e papel toalha e/ou dispensers de álcool em gel precisam estar amplamente disponíveis. No rush do dia a dia, o profissional mais bem intencionado pode sentir-se tentado a pular a higiene das mãos se não tiver esses recursos facilmente acessíveis.
  • Capacitação – treinamentos obrigatórios e contínuos precisam ser realizados, abordando como fazer a lavagem correta das mãos, as situações em que isso deve ser feito, o uso correto de luvas (que não dispensa a higienização das mãos), entre outros pontos.
  • Observação – é a realização de “auditorias” por profissionais preparados para observar o que acontece na rotina do atendimento aos pacientes e dar feedbacks quando observam falhas no cumprimento da prática de higienização das mãos.
  • Sinalização – cartazes, folhetos, adesivos, lembretes e o que mais a imaginação sugerir para fazer continuamente o “marketing” da higienização das mãos.
  • Cultura de segurança – é construir uma cultura organizacional em que todos – dos profissionais da linha de frente da assistência até aqueles que atuam na recepção, serviços de apoio e administrativos – trabalhem alinhados com o propósito da segurança do paciente. Nesse sentido, o papel das lideranças é fundamental.

Conhecimento e comportamento são as chaves de qualquer programa de higiene das mãos que busque resultados efetivos. Esses elementos são os vetores de uma positiva “contaminação”, onde cada um tem consciência e adota as boas práticas, dá o exemplo e influencia os demais. Nesse processo é importante envolver também os pacientes e familiares, orientando-os sobre os cuidados que devem ser adotados por eles próprios e pelos profissionais que os atendem, estimulando-os a observar e alertar para eventuais falhas.

Água, sabonete, álcool em gel. Os ingredientes da receita são básicos. Executá-la no dia a dia do atendimento aos paciente é missão complexa, caso contrário nem precisaríamos de um Dia Mundial de Higiene das Mãos, celebrado anualmente em 5 de maio desde 2009. Datas assim são importantes, chamam a atenção para o tema, convidam à realização de eventos e campanhas no período. Mais importante são programas consistentes, que envolvam e cativem adeptos à pratica todos os dias, em todos os momentos nos quais a higiene da mãos é o trunfo que temos para derrotar os riscos de infecção. E esses programas têm de ser permanentes, porque a batalha da adesão é vencida gradualmente, com determinação e persistência. No Einstein, o Programa de Higiene das Mãos existe há 22 anos, com índices crescentes de adesão que, ao lado de inúmeras outras medidas, fazem decrescer os eventos adversos preveníveis associados à assistência. Nossos indicadores de segurança do paciente se equiparam aos dos melhores hospitais do mundo.

Na época da pandemia, dentro e fora dos hospitais, tivemos níveis muito elevados de adesão à higiene das mãos. Em meio à crise sanitária, o medo de contrair o coronavírus funcionou como um eficiente influencer. Evidentemente, ninguém deseja uma nova pandemia, nem um ambiente de medo que faça as pessoas higienizarem as mãos. Mas podemos extrair uma lição: precisamos de influencers que levantem a bandeira da higiene das mãos. Lideranças do setor e cada profissional da saúde individualmente, todos podem abraçar e serem influenciadores dessa boa causa. Aliás, isso vale também para o público em geral. Higienizar as mãos rotineiramente é evitar gripes, distúrbios gastrointestinais e outras tantas doenças transmitidas por vírus, bactérias, fungos etc. Nós não os vemos, mas eles estão sempre presentes como uma ameaça invisível, mas extremamente real.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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