PRAIA
PRIVATIZADA? Apoiado por bolsonaristas, muro dificulta acesso a paraíso em Pernambuco
A
Praia de Maracaípe, no município de Ipojuca, é um dos pontos mais procurados do
litoral sul de Pernambuco. Mas toda a atratividade do local tem sido ameaçada
por um muro. A construção, considerada irregular pelos órgãos fiscalizadores,
tem prejudicado o meio ambiente e afetado o trabalho de jangadeiros, pescadoras
e barraqueiros locais, além de dificultar o acesso dos turistas ao Pontal de
Maracaípe, local da praia de onde é possível assistir um bonito pôr-do-sol.
"Esse
muro é um absurdo. Nossa praia está com uma paisagem totalmente diferente do
que era. O turista não quer vir mais. Se você olhar tudo aqui é praia, e o cara
vai lá e cerca", conta o jangadeiro Marcelo Chalaça de Souza
ao Brasil de Fato, que trabalha há 19 anos no pontal fazendo o
tradicional passeio para a observação dos cavalos marinhos na região. "As
tartarugas marinhas não conseguem passar para reproduzir. É só
destruição", lamenta o trabalhador.
A
disputa em torno do muro tem se arrastado há dois anos. Inicialmente, o
proprietário da "Fazenda Pontal dos Fragoso", João Vita Fragoso, que
foi funcionário da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo
(Embratur) durante o governo de Jair Bolsonaro, obteve uma autorização da
Agência de Meio Ambiente do Estado de Pernambuco (CPRH) para erguer o muro
com o objetivo de conter a erosão provocada pelo mar.
Este
ano, no entanto, um relatório do Ibama concluiu que não há erosão e que a
estrutura construída está em desacordo com a legislação ambiental, causa
impactos graves na dinâmica marinha e polui um trecho longo da praia com
resíduos plásticos dos sacos de ráfia que sustentam a estrutura junto a cercas
de arame em estado de oxidação.
Carlos
Roberto, jangadeiro e líder comunitário, mostrou à nossa reportagem o prejuízo
causado por esse material. "Tudo se desfazendo. Sabe pra onde tá indo
isso, gente? Lá pro Cavalo-marinho, para o berçário do cavalo-marinho. Tem um
monte aí dentro do rio. Isso aqui tudo", coloca Roberto, mostrando os
sacos rasgados pela areia.
Ana
Paula, que administra uma das 18 barracas no Pontal, avalia que em torno de 300
pessoas, incluindo ambulantes que circulam no local, tiveram a renda
prejudicada direta ou indiretamente pela construção.
"Muitas
das vezes, o mar sobe demais, chega aqui em cima, até em cima, feito eu mostrei
a medição de onde o coqueiro está molhado, chega até em cima e sai carregando
nossas cadeiras, a gente não tem onde botar nossas coisas. A gente não consegue
trabalhar, a gente não consegue botar nossas coisas em cima, perde todas as
coisas. Tem cinco barraqueiros já que não estão trabalhando mais",
lamenta.
A
trabalhadora contesta a documentação usada pelos órgãos fiscalizadores para
autorizar a construção do muro. "O que me chama a atenção é que tudo o que
foi feito aqui no Pontal de Maracaípe não foi feito diretamente com os órgãos
do CPRH, foi ele mesmo, particularmente, que fez todo, como ele fala, o
mapeamento, contratou uma empresa. O dono da propriedade fez tudo isso",
explica.
·
Muro foi feito para "preservar o meio
ambiente", segundo o proprietário
O
Ibama também afirma que o muro, atualmente, tem o dobro das dimensões
autorizadas pela CPRH. De cima, é possível ver como a estrutura cerca a praia,
com mais de 500m de extensão. O proprietário, João Vita Fragoso de
Medeiros, alegou em entrevista ao Brasil de Fato que a estrutura não
é um muro, mas uma "barreira de contenção natural com coqueiro" que
tem só 250 metros e que o uso dos sacos plásticos de ráfia foi uma exigência
que consta na própria licença do CPRH: "Eu queria colocar pedras",
afirma.
Segundo
ele, o restante da estrutura, que acaba de cercar todo a área do Pontal,
incluindo o mangue, foi feita apenas com troncos de coqueiros e também teria
sido autorizada pela Justiça. Ele afirma ainda que está contribuindo para a
preservação ambiental da área, já que turistas e comerciantes sujam o local.
"Eu
pedi ao juiz da Comarca para cercar inclusive o mangue. Porque estavam
defecando no mangue, cortando madeira, fazendo churrasco, deixando camisinha,
estava uma verdadeira depredação", explica Fragoso.
O relatório do Ibama que atesta a irregularidade do muro, segundo o proprietário, foi
elaborado na gestão de Daniel Brandt Galvão, ex-superintendente do órgão, e seu
adversário político. "Foi um relatório feito com cunho de vingança e
perseguição", aponta.
Junto
com o muro, Fragoso colocou diversas placas informando que a área é privada. Na
parte central do Pontal, onde os barraqueiros se reúnem, há uma câmera de
monitoramento com aparelhos de captação de som, que segunda Ana Paula,
pertencem a gestão municipal. "Elas veem tudo que acontece aqui. E essas
câmeras só mostram o que for a favor da família Fragoso. Se for para prejudicar
os barraqueiros, ela grava", denuncia.
"A
gente está aqui com permissão de trabalhar, uma documentação de trabalho. Somos
18 barraqueiros. E a gente fica perdido dentro da Prefeitura", completa a
trabalhadora
A
Prefeitura de Ipojuca (PE) foi procurada para responder os questionamentos
do Brasil de Fato, mas não retornou. O espaço segue aberto.
Os
trabalhadores afirmam ainda que há um constante clima de vigilância e que os
seguranças do terreno andam armados, intimidando os barraqueiros. O muro passa
exatamente ao lado de uma placa que informa que o trecho é uma área de
manguezal, de preservação permanente.
O
proprietário contesta as denúncias. "O que eu tenho são pessoas que estão
tomando conta da propriedade. Não estão armados e nem ameaçando ninguém. Se
eles estão ameaçando, porque não foram na polícia?", questionou. E
completa: "Eles estão chateados porque entrei com uma ação na Prefeitura
para ordenar esses barraqueiros", completou.
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Juíza impediu remoção de muro
A
Secretaria do Patrimônio da União também se manifestou sobre o caso e publicou
dois relatórios, com base em duas visitas ao pontal. Na primeira, em 2023, a
SPU encontrou o muro ainda em construção e, na segunda, em 2024, já constatou o
avanço das cercas, desrespeitando as dimensões originais do terreno.
Uma
audiência pública foi realizada no dia 23 de maio, na Assembleia Legislativa de
Pernambuco, e a Agência de Meio Ambiente do Estado de Pernambuco se comprometeu
em, no dia 6 de junho, remover o muro. Na madrugada do dia 26 de maio, três
dias após a audiência, duas barracas de comerciantes pegaram fogo, com prejuízo estimado em R$ 30 mil.
Na
semana prevista para a remoção dos troncos, a juíza Nahiane Ramalho de Mattos,
que atua no município, na comarca de Ipojuca, da Vara da Fazenda, proferiu liminar impedindo o governo do
estado de remover o muro.
"Há
uma influência política muito grande no município de Ipojuca com esse cara. E
todo mundo em Maracaípe sabe disso", coloca o jangadeiro Carlos Roberto.
·
PEC das Praias
A
tensão em torno do muro ganha novo fôlego em meio ao debate da PEC 03/2022,
conhecida como PEC das praias. A proposta, relatada por Flávio Bolsonaro no
Senado, prevê a negociação de áreas em terreno de marinha para empresas e
pessoas físicas que já ocupam a área. A proposta pode, na prática, dificultar o
acesso da população à faixa de areia.
"O
Pontal de Maracaípe é uma síntese, é um protótipo do que será a PEC que quer
privatizar o nosso litoral. Lá é conhecido como Pontal de Maracaípe, mas eles
têm uma placa dizendo que é Pontal do Fragoso. Eles têm uma justificativa que
estão construindo o muro para proteger o meio ambiente, mas o que se esconde
por trás desse discurso na verdade é discurso dos projetos, dos empreendimentos
e da privatização daquela praia", pontua a deputada estadual Rosa
Amorim (PT-PE), cujo mandato acompanha o caso há pelo menos um ano.
Nesta
quinta (13), a situação em Maracaípe foi oficialmente denunciada ao governo
federal por Rosa e pela senadora Teresa
Leitão (PT-PE), que apresentaram o caso para o secretário de Gestão do
Patrimônio da União (SPU), Lúcio Geraldo de Andrade, e sua equipe.
"O
Fragoso, que se diz dono do local, é um advogado de carreira, e que por isso
tem uma atuação muito grande vinculada o poder jurídico. Então qual a saída
desse caso? É federalizar", explica Amorim.
"Junto
ao governo Lula nossa expectativa é que o poder público se atente a gravidade
daquele local. Que a SPU possa tomar pé da situação, que a Policia Federal
possa entrar no caso, o Ministério Público também, para que não só os
trabalhadores tenham essa proteção legal, mas que o povo tenha acesso livre
aquela praia", completa a petista.
A
senadora, por sua vez, comentou após a visita à equipe da SPU que o muro
"é um dos piores exemplos do que pode causar a PEC da Privatização das
Praias. Quando a gente diz que é contra essa PEC, é porque coisas dessa
natureza e piores podem acontecer".
O
proprietário do muro nega que o caso tenha relação com a "PEC da
Privatização das praias" e contesta a federalização do caso. "Não tem
nada ver com o problema. Minha área é própria. Eu tenho um ofício da SPU
dizendo que meu muro está construindo em área particular, que não é nem área de
praia e nem da União", explica Fragoso.
"Estão
querendo federalizar, estão me perseguindo, só isso. Foram a Brasília pedir. O
que eu quero é manter o meio ambiente equilibrado. Se esse muro for tirado,
essa barreira de contenção, o pontal diminui. E o que vai acontecer, vão
invadir. Como em Maracaípe, que já tem várias faixas de areia invadidas",
completa.
·
Apoio de bolsonaristas
Nos
últimos dias, João Vita Fragoso ganhou apoio de bolsonaristas locais, que
saíram em defesa da propriedade e atacaram os parlamentares, trabalhadores e
ativistas que protestam contra a existência do muro.
"A
família Fragoso, desde o governo Bolsonaro, colocou a sua cara pública diante
desse conflito, perseguindo pessoalmente esses trabalhadores, por isso começou
a se fortalecer politicamente. Hoje nós temos deputados bolsonaristas ocupando
essa pauta, e sendo porta voz dessas pautas", pontuou Rosa Amorim, que processou o deputado federal Coronel Meira (PL) pelos ataques proferidos contra ela e seu pai, Jaime
Amorim, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra em Pernambuco.
"Não
temos medo dessa perseguição que foi construída em torno dessa luta. Eles estão
na defensiva porque nunca tiveram trabalhadores que assumissem essa
pauta", completa Amorim
No
relatório do Ibama e no processo de autorização para a manutenção do muro,
chama atenção o "voto de aplauso" sugerido pelo deputado estadual
Alberto Feitosa (PL- PE) à CPRH na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe)
pela autorização da construção do muro no Pontal de Maracaípe.
No
requerimento, o parlamentar diz que o muro preserva o meio ambiente contra o
avanço do mar e "já está trazendo impactos positivos à fauna e flora do
local".
Ao
lado do Coronel Meira e outros membros do Movimento Invasão Zero, Feitosa esteve na propriedade de Fragoso no Portal do
Maracaípe, gravando vídeos para as redes sociais, e condenando uma suposta
"invasão" da propriedade pelos barraqueiros sob influência de
"políticos ligados ao MST".
O
barraqueiro Carlos Roberto condena a atitude dos deputados. "Essa turma
que veio aqui, da equipe de Bolsonaro, vem aqui só agredir a imagem dos
barraqueiros, só atrapalhar a investigação. Mas eu tenho certeza que o governo
vai tomar uma decisão certa. E derrubar todo esse muro aqui", pontua.
"Se
eles fossem inteligentes, vinham aqui falar com o povo. Mas não. Ficaram por
trás do muro, escondido. Dizendo que a gente invade a terra. É tudo
mentira", completa.
·
Fragoso e a Embratur
Dono
de 65 hectares de terra em Maracaípe, João Vita Fragoso é amigo próximo de
Gilson Machado, ex-presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional
do Turismo, a Embratur, e ex-ministro de Turismo no governo Bolsonaro. "O
fato de eu ser próximo a Gilson é que eu sou advogado dele há 30 anos",
diz.
Um
dia após o segundo turno das eleições presidenciais em 2022, uma Comissão de
Ética foi criada na Embratur, estabelecendo altos salários e indenizações que
poderiam chegar a 10 milhões de reais caso seus membros fossem demitidos pela
nova gestão.
Segundo uma reportagem do portal Poder360, Fragoso se beneficiaria da indenização milionária. Ele estava
entre os três membros titulares, com um salário de 25.767,50 reais. A
medida foi derrubada como uma das primeiras ações de Marcelo Freixo a frente da
Embratur, em fevereiro de 2023.
Enquanto
Machado esteve à frente da agência, o dono do muro em Maracaípe foi gerente
jurídico da Embratur. Durante o período, o empresário foi acusado de utilizar
do cargo e da amizade com Machado para favorecer suas inúmeras propriedades em
Maracaípe. O caso foi exposto em uma reportagem da Revista Istoé,
em 2021, intitulada "Farra na Embratur".
Segundo
a reportagem, Fragoso estaria trabalhando nos bastidores da agência para
viabilizar a construção de um empreendimento da construtora Teixeira Duarte, de
empresários portugueses, nos arredores de sua propriedade no Pontal.
Ele
define a reportagem da revista como "criminosa" e nega que tenha
interesse em construir resorts ou empreendimentos hoteleiros no local onde o
muro foi construído. "Eu não tenho nenhum projeto para o Pontal de
Maracaípe". Apesar disso, ele não descarta a implementação de
empreendimentos em outras áreas.
"De
lá para cá eu não fiz nenhum empreendimento imobiliário em Maracaípe. Estou até
pensando de agora em diante fazer, porque estou vendo que preservar sozinho, é
muito ruim, é desgastante. Não no Pontal, porque ali meu pai está
enterrado", coloca.
E
completa: "Eu fui investigado pela Polícia Federal, eu fui investigado
pela CGU, eu fui investigado pela TCU, e todos disseram que eu não tinha nada.
Mas vamos supor, apenas para para o amor ao debate, que eu como funcionário da
Embratur tivesse particularmente querendo chamar um parque para instalar na
minha terra. Qual o crime? Nenhum".
·
O que diz o Governo de Pernambuco
Em
nota, a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH) informou
ao Brasil que Fato que segue a liminar que determina "que o CPRH
se abstenha de realizar qualquer ato tendente à retirada do muro de contenção e
de coqueiros, bem como do cercamento da propriedade do autor." (Liminar
número 0001896-51.2024.8.17.2730 Vara da Fazenda Pública da Comarca de
Ipojuca).
Informa
também que "a CPRH, juntamente com a Procuradoria Geral do Estado
(PGE-PE), que a representa judicialmente, está adotando as providências
necessárias à contestação da ação proposta pelo empreendedor/proprietário e
interposição do recurso cabível".
Fonte:
Brasil de Fato
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