PL do estuprador:
como as mulheres dominaram a narrativa e espancaram o bolsonarismo
O
PL DO ESTUPRO É mais uma atrocidade entre as inúmeras proporcionadas pelo
Congresso mais reacionário e fascista de todos os tempos.
O
avanço repentino do projeto que equipara o aborto legal ao crime de homicídio
na Câmara foi resultado de um acordo costurado entre
Arthur Lira e a bancada evangélica há pelo menos um ano.
O
presidente da Câmara manobrou para que a urgência fosse aprovada de forma
simbólica, sem contagem de votos. A manobra faz parte do pacote de promessas
com as quais Lira se comprometeu para garantir os votos que sacramentariam sua
reeleição à presidência da Câmara no ano passado.
As
eleições para a presidência das duas casas legislativas no ano que vem também
entram nessa equação política.
Além
do acordo com Lira, o avanço do PL tem também como pano de fundo a sanha
bolsonarista em fragilizar o governo e em afrontar Alexandre de Moraes, que tem
atuado na trincheira da defesa do aborto legal no
Supremo Tribunal Federal.
·
A jogada parecia perfeita, mas o tiro
acabou saindo pela culatra.
Soma-se
a isso a necessidade de colar em Lula a imagem de “abortista” e manter a base
eleitoral animada para as eleições municipais — como se sabe, o tema é uma
chupeta com mel para os fanáticos teleguiados pelo bolsonarismo.
Esse
é o retrato fiel de como o bolsonarismo sequestrou a vida parlamentar
brasileira. Um bando de reacionários, majoritariamente formada por homens
velhos de idade e de espírito, legislando sobre os corpos de meninas e mulheres
para avançar no tabuleiro da jogatina política.
O
autor do projeto, Sóstenes Torres, do PL, é um fantoche do pastor
fundamentalista Silas Malafaia, enquanto Arthur Lira é um acusado pela ex-mulher de
estupro. É esse o tipo de gente que quer obrigar crianças e adolescentes a
parir os filhos de seus estupradores.
A
jogada parecia perfeita, mas o tiro acabou saindo pela culatra. A reação
contrária foi rápida, com uma comunicação eficiente que ajudou a levar milhares
de pessoas para as ruas nos dias que se seguiram.
Nas
redes sociais, a aberração recebeu nomes que ajudaram a escancarar o que de
fato ele representa, como “PL do Estupro”, “PL dos Estupradores”, “PL da
Gravidez Infantil”. As mamadeiras de piroca e as narrativas fabricadas pelo
esgoto bolsonarista não foram capazes de segurar a avalanche liderada pelas
mulheres nas redes e nas ruas.
Diferente
do que costuma acontecer quando se trata de embates nas pauta dos costumes, o
projeto foi rejeitado por ampla maioria nas redes sociais.
·
Equiparar a pena de uma vítima de estupro
com a de um assassino não tem nada de “pró-vida”.
A
reação não partiu apenas de feministas e dos progressistas, mas também de parte
dos conservadores que não foram completamente cegos pelo fanatismo
bolsonarista. Segundo monitoramento de redes sociais realizado
pelo instituto de pesquisas Quaest, 52% dos brasileiros se posicionaram contra
o PL do Estupro e apenas 15% a favor.
Na
grande imprensa, jornalistas que não costumam se posicionar desceram do muro e
deram opiniões fortes contra o projeto. A narrativa mentirosa “pró-vida” foi
sumariamente engolida pela realidade dos fatos, algo raro ultimamente.
Ficou
claro para a grande maioria da população que equiparar a pena de uma vítima de
estupro com a de um assassino não tem nada de “pró-vida”, muito pelo contrário.
A
bancada religiosa foi rebatizada nas redes de “bancada do estupro”,
demonstrando claramente que o projeto de lei puniria o aborto de meninas e
mulheres estupradas com mais anos de cadeia que os estupradores.
A
comunicação adotada nas redes ajudou a alavancar uma reação forte e eficaz por
parte dos progressistas, ajudando a encher as ruas e jogar contra as cordas
aqueles que até então davam as cartas.
A
reaçada da Câmara, que achou que entraria em campo com o jogo ganho mais uma
vez, tomou um nó das mulheres progressistas. Este episódio mostra que é difícil
mas não impossível vencer as disputas de narrativas forçadas pelos reacionários
e ajuda a apontar novos caminhos para o enfrentamento no Congresso.
O
governo, por outro lado, demorou para se posicionar firmemente contra o
projeto. Os parlamentares governistas pouco fizeram para impedir a urgência do
projeto. O líder na Câmara, José Guimarães, afirmou que o tema “não é matéria
de interesse” do governo.
Ao
ser indagado sobre o assunto após a cerimônia de encerramento da conferência
anual da OIT, na Suíça, Lula se esquivou e se
limitou a dizer que é um tema que está sendo discutido na Câmara.
·
Só depois que os progressistas reagiram, o
governo se sentiu à vontade para se posicionar.
É
compreensível que em um momento em que está sofrendo com derrotas sucessivas na
Câmara e no Senado, Lula queira abrir mão de algumas brigas e evitar mais
desgastes com um tema tão sensível. O governo avaliou que o possível desgaste
seria desnecessário, já que a aprovação do PL era tida como certa.
Mas
avaliou mal. Essa era uma excelente briga para comprar e chegar dando voadora.
As pesquisas mostram que a grande maioria dos brasileiros — mais de 75% — é favorável ao
aborto em casos de estupro.
Era
hora de convocar as mulheres, fazer um pronunciamento pomposo em favor da vida
das vítimas de estupro e colar nos oposicionistas a pecha de defensores de
estupradores. Uma oportunidade rara foi desperdiçada.
Só
depois que os progressistas reagiram, controlaram a narrativa e fizeram a
bancada do estupro recuar, que o governo se sentiu à vontade para se
posicionar. Lira e Sóstenes tiraram o pé do acelerador do projeto e minimizaram
uma questão que até então estavam tratando como prioridade.
Lula
passou a tratar o projeto de lei como o que ele é: “uma insanidade”. Antes
tarde do que nunca, mas que fique a lição para os próximos embates. A
possibilidade de vitória nesse embate foi mal calculada e a postura acovardada
em um primeiro momento não serviu para nada além do que se desgastar com seu
próprio eleitorado.
Aos
progressistas e democratas cabe mirar-se no exemplo das mulheres que não
titubearam e em poucas horas mobilizaram milhares de pessoas nas redes e nas
ruas. Em pouco tempo elas fizeram a reaçada colocar o rabinho entre as pernas e
forçou o governo a tratar o tema com a importância que ele merece.
Mais
uma vez, o bolsonarismo usa o corpo de mulheres como barganha política,
apostando que sairão sempre vitoriosos tendo o controle das narrativas.
Mas as mulheres tomaram para si a briga, dominaram a narrativa e espancaram a
reaçada com a realidade dos fatos.
Os
bolsonaristas saíram chamuscados deste episódio, algo raro nos últimos tempos.
Ficaram isolados no debate e tiveram o seu lado mais perverso e desumano
escancarado aos olhos da opinião pública. Que sirva de exemplo para os próximos
embates.
¨
Apesar da indignação,
evangélico fundamentalista autor da PL do Estupro diz que não vai recuar e
chama opositoras de "abortistas"
O
deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), bolsonarista fervoroso, membro da bancada evangélica e
fundamentalista religioso que encabeça o Projeto de Lei 1904/2024,
conhecido como "PL do Estupro", que equipara a interrupção de gestação acima de 22
semanas ao crime de homicídio, desafiou a pressão das ruas e afirmou que
não vai recuar em sua proposição.
Apesar
do repúdio ao projeto ter motivado milhares de pessoas a saírem às ruas nos últimos dias em todo o país, Cavalcante disse em
entrevista ao programa "Fantástico", da TV Globo, na noite deste
domingo (17), que o texto da proposta é "light", omitindo
o fato de que, caso aprovado, crianças, adolescentes e mulheres que tenham que
se submeter a um aborto para interromper uma gravidez decorrente de estupro
serão criminalizadas - com penas maiores que a do próprio estuprador.
"O
cerne do projeto, a defesa do bebê indefeso de 5 meses e meio, eu não vou abrir
mão em nenhum ponto", declarou o deputado, que ainda se referiu a
opositoras do projeto como "abortistas".
"Então,
o projeto é muito light, o projeto não é radical como as abortistas e as
feministas estão querendo colocá-lo."
¨ Críticas ao "Fantástico"
O
fato do programa "Fantástico", da TV Globo, ter concedido espaço a
Sóstenes Cavalcante para expor seus posicionamentos reacionários e
fundamentalistas sobre o PL do Estupro vem gerando críticas nas redes
sociais.
A
vereadora Monica Benício (PSOL), do Rio de Janeiro, classificou a entrevista o
membro da bancada evangélica como "revoltante".
"É
revoltante, mas não surpreendente, que Arthur Lira e Sóstenes
Cavalcante tenham espaço no #Fantástico pra defenderem o PL do Estuprador.
Enquanto isso, nas redes e nas ruas, as mulheres estão gritando para serem
ouvidas em suas dores e demandas. Será que o jornalismo hegemônico e liberal
vai, em algum momento, parar de dar palco pra extrema direita? Nenhuma mulher
ou qualquer pessoa que gesta deveria ser punida por abortar. Até quando vamos
ter que lutar por nossos corpos, nossa autonomia e nossa liberdade?".
¨ PL do Estupro é repudiado pela sociedade
Conhecido
como PL do Estupro, o Projeto de Lei 1904/2024, que equipara a
interrupção de gestação acima de 22 semanas ao crime de homicídio, é rejeitado
por 88% das pessoas que votaram na enquete publicada pelo site da Câmara dos
Deputados até o início da tarde deste domingo (16). A consulta virtual já
conta com mais de 1 milhão de participantes.
Às
14h15 do domingo, 925.157 pessoas haviam registrado "discordar
totalmente" da proposta de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante
(PL-RJ). O apoio ao projeto contava com 113.196 internautas. O resultado
representa um crescimento na desaprovação em relação ao que era
registrado na tarde da quinta-feira (13), quando o índice de rejeição era
de 72%.
Além
da enquete, o PL do Estupro tem enfrentado protestos nas
principais cidades brasileiras. Neste sábado (15), milhares de pessoas
ocuparam a Avenida Paulista. As manifestações começaram na quinta-feira e
já há atos convocados para segunda-feira (17).
A
deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) celebrou nas redes
sociais a reação popular em relação ao PL 1904/2024. "Pra quem achou
que ia destruir o direito das mulheres, meninas e pessoas que gestam ao próprio
corpo na surdina: Nós sempre estaremos aqui. Dos fandoms de divas pop aos
movimentos feministas, nos agigantando pra que vocês não façam mais
vítimas", afirmou a parlamentar. "E vocês continuarão
minúsculos", postou, se referindo à extrema direita.
¨
Petição para arquivar
a PL do Estupro já tem mais de 146 mil assinaturas
A petição que pressiona o
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL)
a arquivar o PL 1904/2024, chamado de PL do Estupro, alcançou mais
de 146.563 assinaturas até a tarde desta segunda-feira (17). Ele
foi lançado pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP)
no sábado (15).
Intitulada "Arquiva,
Lira", a petição reforça os perigos do PL que visa equiparar a pena para o aborto realizado
após 22 semanas ao crime de homicídio, até mesmo em casos de estupro. Na
prática, o projeto vai afetar, principalmente, crianças, que são
a maioria das vítimas de abuso sexual e demoram a ter a gravidez
identificada por diversos fatores, como aponta a petição: "menores de
idade demoram mais a compreender e conseguir denunciar a violência sofrida, bem
como reconhecer os sintomas de gravidez; por fundamentalismo ou receio de retaliação,
profissionais de saúde impedem ou mesmo retardam o acesso a um direito
garantido por lei; são pouquíssimos hospitais com serviço de aborto legal, num
país de dimensões continentais".
No
X (antigo Twitter), Sâmia publicou que "não há remendo" para o
projeto, já que alguns deputados e Arthur Lira pretendem fazer alguns ajustes
ao PL após pressão e colocar uma deputada para ser relatora, para que ele
continue avançando. "Usar mulheres na relatoria para legitimar o ataque a
outras mulheres é uma velha arma conhecida do patriarcado. Não caímos nessa. O
jogo está virando. É hora de dobrar a pressão. Semana decisiva",
afirmou a deputada.
·
Entenda o PL 1904/2024
O
PL 1904/2024 foi apresentado na Câmara dos Deputados pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) com a assinatura de outros parlamentares. Ele foi
protocolado em maio, logo após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), suspender uma resolução do Conselho Federal
de Medicina (CFM) que restringia o acesso ao
aborto legal em casos de estupro após 22 semanas de gestação.
De
acordo com o texto do PL, ele equipara a pena do aborto ao crime de
homicídio. "Quando houver viabilidade fetal, presumida em
gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de
homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”, diz o primeiro parágrafo
do projeto.
Essa
proposta vale até mesmo para casos de abortos realizados em caso de estupro,
que são permitidos pela legislação brasileira, que prevê três situações para a realização do aborto
legal: estupro, risco de vida para a gestante e anencefalia do feto.
O
PL foi alvo de diversas críticas porque criminaliza e revitimiza mulheres e, principalmente, crianças vítimas de estupro, além de
aplicar uma pena a essas pessoas muito maior do que a do próprio
estuprador.
Apesar
disso, o projeto teve seu pedido de urgência aprovado por deputados
bolsonaristas e da bancada evangélica em tempo recorde na Câmara na
quarta-feira (12).
·
Risco de aumentar casos de gravidez
infantil
As
entidades contrárias ao PL 1904/2024 alertam que, se aprovado, o projeto
vai prejudicar, principalmente, crianças de até 13 anos vítimas de estupro. Com
isso, os movimentos temem um aumento recorde de gravidez infantil no país,
que já atinge um número assustador: em 2023, mais de 12,5 mil meninas
entre 8 e 14 anos foram mães, segundo dados do governo federal.
Outro
dado, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mostra que, em 2022, 8 em
cada 10 vítimas de violência sexual eram crianças e adolescentes e 61,4% das
vítimas de estupro tinham, no máximo, 13 anos.
Fonte:
Por João Filho, em The Intercept/Fórum
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