“PL da
Gravidez Infantil”: Câmara de Deputados ultrapassa limites em ataque aos
direitos das mulheres
Ao
aprovar, em 12 de junho, a urgência do Projeto de Lei n. 1904/24 em 23
segundos, sem sequer anunciar o número e ementa do requerimento, a Câmara de
Deputados presidida por Arthur Lira ultrapassou limites em ataques aos direitos
das mulheres do povo. O PL é de autoria do deputado federal Sóstenes
Cavalcanti, do Partido Liberal do RJ e, se aprovado, pode condenar até 20 anos
de prisão mulheres que realizarem aborto após 22 semanas de gestação. Pena
maior que o crime de estupro (que pode chegar a 12 anos em casos de estupro de
menor).
Insistindo
no ataque, Arthur Lira afirmou no dia 13 de junho que vai indicar uma “mulher
moderada” para ser a relatora. O PL 1904/24 foi entregue na Câmara a menos de
um mês e já foi aprovado por conta do auxílio de Arthur Lira. Por isso,
configura-se como parte da cruzada reacionária bolsonarista. Imediatamente após
a aprovação, surgiram nas redes sociais as primeiras críticas contra a “PL do
Estuprador”. Indignados com a proposta, organizações populares convocaram atos
para a noite de 13 de junho e também para os próximos dias.
Atualmente,
o Código Penal não respeita o direito das mulheres ao corpo, tipificando o
aborto como um crime com pena de um a três anos de prisão. Porém, nos casos de
estupro, risco de materno e em casos de anencefalia, o aborto não é considerado
crime. Ocorre que a legislação brasileira não obriga que estados e municípios
ofereçam o serviço de aborto em clínicas e hospitais públicos. É por conta
disso que muitas meninas e mulheres tardam em conseguir acesso aos centros
médicos que realizam o procedimento legal.
·
O que diz o PL?
O
interesse do PL 1904/24 não é discutir legislação, nem mesmo discutir saúde
pública. A análise do texto traz comprovações importantes:
Na
página 2 consta a principal mudança no art. 5º, art. 128 do Decreto-lei nº 2848
de 7 de setembro de 1940 – Código Penal. “Parágrafo único. Se a gravidez
resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de
22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste
artigo”.
Para
fundamentar a mudança, Sóstenes afirma que “os serviços de aborto em casos de
estupro foram iniciados no Brasil, em 1989” sublinhando que se deu “por
iniciativa da militância a favor do aborto”, citando a gestão de Luiza Erundina
na prefeitura de São Paulo.
Os
casos concretos de aborto após 22 semanas de gestação são, todos, de crianças
de 10 e 11 anos. O que, por si só, já seria suficiente para comprovar que há um
direito ignorado pela justiça brasileira – o de garantir que mulheres (neste
caso, meninas) vítimas de estupro tenham acesso ao aborto legal.
O
primeiro caso é de um aborto legal feito em uma criança de 10 anos vítima de
estupro que estava com quatro meses e meio. A família da jovem tentava, em vão,
desde o início acesso ao procedimento legal. O segundo caso é de agosto de
2020, quando uma menina, também de 10 anos, precisou sair de seu estado,
Espírito Santo, para ir até a capital de Pernambuco. Lá, os médicos se
recusaram a realizar o procedimento e, após insistência da família, um outro
médico cumpriu e realizou o aborto legal. O terceiro caso é o que mais
repercutiu no período recente: uma menina de 11 anos de Florianópolis precisou
comparecer a uma audiência em que a juíza perguntou se ela “aguentava seguir
com a gravidez por mais duas ou três semanas para que o feto sobrevivesse”. E,
como se não bastasse, como a vítima do estupro poderia ser novamente alvo de
seu algoz, a juíza decidiu enviar a menina para uma casa de acolhimento onde,
distante da família, grávida, precisou esperar até que, finalmente, fosse
realizado.
Não
há, no texto do PL, nenhuma menção à falência da instituição “família” sob o
regime de exploração do povo brasileiro que naturaliza, diariamente, estupros
de menores de idade. Ou mesmo da insuficiência da saúde pública em fazer
cumprir aquilo que o Código Penal, desde 1940, prevê.
A
grande razão de ser do PL está exposta na crítica que faz ao voto de Rosa Weber
na ADPF 442 sobre despenalização do aborto. Ao tratar dos direitos fundamentais
dos brasileiros, a ministra do STF afirma que “a Constituição define como
brasileiros os nascidos no Brasil … Aos já nascidos, então, é atribuída a
titularidade dos direitos fundamentais.” Sóstenes sustenta que o “direito à
vida” está acima de tudo, sendo as bases da sociedade em que vivemos. Ele,
finalmente, deixa a máscara cair e afirma que “quando as mulheres tiverem
conquistado este direito [ao aborto seguro], já teremos iniciado outro novo
processo que irá se estender para muito além da questão do aborto” (!!!). E, na
última frase, afirma que “o que, no princípio, parecia ser apenas a defesa ao
direito ao aborto em determinadas circunstâncias, termina se revelando como um
processo que conduz à desconstrução dos fundamentos do Estado de Direito, da
liberdade e da civilização moderna”.
O
único interesse, aqui, é agitar uma pauta ideológica da extrema-direita
obscurantista e que flerta com o conspiracionismo para atacar brutal e
diretamente o direito das mulheres do povo. O aborto é ilegal para as mulheres
pobres, somente. As ricas seguirão tendo acesso às clínicas clandestinas de
primeiríssima qualidade que existem em bairros nobres das grandes cidades
brasileiras, ou então irão para países onde o aborto é legalizado. Além de ter
acesso a acompanhamento psicológico, clínico e pós-operatório. Toda a
politicalha encastelada em Brasília sabe disso. E sua escolha é atingir
profundamente as mulheres do povo.
·
Outros ataques às
mulheres do povo
O
deputado Jeferson Campos, também do PL 1904/24, defendeu a aprovação da
urgência, citando que a medida vem de encontro com uma medida do Conselho
Federal de Medicina. Ele se refere a outro grave ataque aos direitos das
mulheres, que lançou uma resolução – que possui caráter de orientação aos
médicos – de que não utilizem a técnica de assistolia fetal (que consiste em
utilizar medicamentos para interromper os batimentos cardíacos do feto antes de
retirá-lo do útero) em casos de gestação acima de 22 semanas.
Outros
ataques mais recentes em curso são o PL 232/21 de Carla Zambelli que pretende
“tornar obrigatório a apresentação de Boletim de Ocorrência com exame de corpo
de delito positivo que ateste veracidade do estupro para realização de aborto
decorrente de violência sexual”. Mesmo sem a aprovação desse PL, as
dificuldades para uma mulher ter acesso ao aborto legal em caso de estupro são
imensas e, muitas vezes, não ter em mãos o B.O. é já um impeditivo. E nas
“delegacias das mulheres” as mulheres do povo são tratadas de forma humilhante
e vexatória. Trata-se da continuidade da violência e da violação, desta vez por
um agente de repressão do Estado.
De
acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em 2022
o maior número de estupros da série histórica iniciada em 2011: 74.930 vítimas,
um crescimento de 8,2% em relação a 2021. Mais de 60% das vítimas de violência
sexual têm menos de 14 anos. Ainda que a lei brasileira permite o aborto legal
nestes casos, é recorrente os casos em que juízes adiam a decisão até após o
limite, obrigando, na prática, as meninas a terem o filho.
¨
O fundo desse poço.
Por Julian Rodrigues
Cada
mergulho é um flash. Blitzkrieg, Desert Storm, tudo ao
mesmo tempo agora. A avalanche de retrocessos chega em velocidade maior que a
da luz. Experimentem ficar 48 horas sem ler notícias. Quanto retornarem, o
mundo terá piorado significativamente.
A
extrema direita não para, aqui e alhures. A vitória eleitoral de Lula foi um
suspiro, um alento, nos deu mais tempo e esperança, deu maiores condições para
resistir. Mas foi só isso. O bolsonarismo, o neofascismo e o fundamentalismo
religioso seguem em brutal ofensiva, lépidos e faceiros. Comandam a agenda
política e legislativa, pautam o debate público, impõe a agenda-setting.
Restringir
ou eliminar os direitos sexuais e reprodutivos, ou seja, atentar contra a vida
e dignidade das mulheres e de LGBTI sempre esteve na pauta legislativa. Mas,
nunca antes esse tipo de proposição teve tanta força no parlamento e na
sociedade. Desde o golpe de 2016, mergulhamos num buraco profundo, do qual não
saímos. Pior, seguimos em queda sem nem conseguir imaginar onde, afinal está o
fundo desse poço.
Os
fascistas, homofóbicos, machistas, racistas, negacionistas e estúpidos em geral
saíram do armário. E mais, andam por aí orgulhosos de sua escrotidão.
Legitimados.
Esse zeitgeist,
esse desolador esprit du temp no qual estamos mergulhados é
que explica o avanço de aberrações legislativas como “o” (e não “a”, por favor,
a palavra projeto é um substantivo masculino) PL 1904-24 de autoria de um
pastor da assembleia de deus fluminense, filiado ao PL (partido liberal), que
hoje é deputado. Não vou escrever o nome do verme oportunista.
O
movimento LGBTI conhece a figura há anos. O problema é que esse tipo de
fascistinha, em muito pouco tempo, passou da condição de minoria barulhenta e
exótica a maioria social-parlamentar. A escória perdeu o pudor. Os bichos
escrotos saíram do esgoto e vieram infestar nosso lar, nosso jantar e nosso
nobre paladar. Rastejaram para fora de seus guetos fundamentalistas e agora
mandam no país.
Enquanto
a revolução não vem, enquanto não tivermos meios para julgá-los e puni-los –
seja à maneira do guia genial dos povos, ou então pelos métodos compassivos do
grande timoneiro – o que nos resta é muita luta política, ideológica e acionar
a justiça burguesa, com base na legislação vigente.
Viva
as mulheres! Viva a luta feminista. Nossos corpos nos pertencem.
Aborto
: as mulheres decidem, a sociedade respeita e o Estado garante.
Fonte:
A Nova Democracia
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