PL
antiaborto deixa a lei brasileira tão dura quanto a de países como Afeganistão
e Indonésia
O
PL 1904, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, tem o
objetivo de equiparar a punição para o aborto à reclusão prevista em caso de
homicídio simples. Caso seja aprovado, deixará a legislação do Brasil tão dura
quanto em países como Afeganistão, El Salvador, e Indonésia, conhecidos por
organizações internacionais por suas rígidas leis antiaborto e violações
sistemáticas dos direitos das mulheres.
O
projeto que tramita na Câmara quer colocar um teto de 22 semanas na realização
de qualquer procedimento de aborto em casos de estupro, e abre margem para
incluir outros casos em que a interrupção é autorizada no Brasil, como
anencefalia fetal e risco à vida da mãe.
A
mulher que realizar o procedimento após esse período, se condenada, cumprirá
pena de 6 a 20 anos de prisão.
Diante
desse cenário, o Brasil pode ter penalidades tão severas quanto as de países
que têm mais restrições em relação aos direitos das mulheres.
No
Afeganistão, o Código Penal trata a assistolia fetal, protocolo recomendado
pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para abortos acima de 20 semanas, como
crime com penas variadas. Causar aborto intencionalmente pode levar a até sete
anos de prisão. Se o aborto for provocado com drogas, mesmo com o consentimento
da mulher, a pena pode ser uma duração intermediária de encarceramento -o
código penal afegão não especifica a duração exata desta categoria- ou uma
multa.
O
país vive uma violação sistemática dos direitos das mulheres e meninas com o
Talibã. O grupo impôs regras e políticas que proíbem mulheres e meninas de
acessarem o ensino secundário e superior, além de ferirem seus direitos de
circulação e trabalho.
Médicos
e outros profissionais de saúde recebem a pena máxima, que pode chegar a 12
anos de prisão, exceto se o procedimento for feito para salvar a vida da mãe,
caso em que não são punidos. Mulheres que induzem o próprio aborto também
enfrentam prisão curta, não excedendo dois anos, ou multa, mas iniciar um ato
de aborto (sem completar) não é punível.
Já
na Indonésia, o aborto fora das exceções legais pode ser condenado a até quatro
anos de prisão, segundo a legislação do país. Aqueles que fazem o procedimento
podem enfrentar reclusão de até cinco anos se tiverem o consentimento da
mulher, ou até 12 anos sem consentimento, entre outros agravantes, que incluem
profissionais de saúde que realizam abortos ou fornecem medicamentos para
causar a interrupção da grávidas.
As
leis sobre aborto na Indonésia permitem o procedimento para salvar a vida de
uma pessoa -em casos de estupro e inviabilidade fetal é necessária a
autorização do cônjuge. Existem cerca de outros 30 países que autorizam o
aborto em casos de estupro.
O
contexto do país é de restrição para mulheres. Em janeiro de 2023, o presidente
Joko "Jokowi" Widodo sancionou um Código Penal que mina a liberdade
de expressão, crença e o direito das mulheres. Ela entra em vigor em 2026. Além
disso, são impostos códigos de vestimenta.
O
Código Penal de El Salvador, de 1997, estabelece pena de dois a oito anos para
quem provocar um aborto com o consentimento da mulher, para a mulher que
consentiu com a realização do procedimento ou realizou-o; de quatro a dez anos
para o aborto sem consentimento, incluindo casos de violência ou engano.
O
tempo de prisão aumenta a pena para seis a 12 anos se o aborto for cometido por
profissionais de saúde, além de inabilitação profissional pelo mesmo período.
Ainda há a punição com prisão de dois a cinco anos a quem induzir ou ajudar no
aborto, com aumento de um terço da pena se a ajuda vier do pai do feto, e de
seis meses a dois anos para aborto culposo --exceto quando provocado pela
própria mulher grávida.
A
violência contra as mulheres é um dos principais problemas de El Salvador. O
país tem altas taxas de violência contra mulheres, além da
sub-representatividade feminina em cargo políticos.
Segundo
dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), nas regiões com disputas
territorialistas e extremismo religioso, as leis em prol dos direitos femininos
entram em cheque.
Dentre
os 18 países do Oriente Médio, apenas três permitem aborto em caso de estupro.
São eles Chipre, Israel e Turquia. No último, mediante autorização do marido, a
assistolia fetal é legalizada desde 1983, contanto que seja feita até a décima
semana de gestação.
Dentro
do território árabe, apenas a Tunísia, e os países islâmicos, Sudão e
Indonésia, permitem a práticao para salvar a vida da mãe. Por motivos de saúde
mental, estão Guiné, Burkina Faso, Chade, Camarões e Arábia Saudita.
No
Egito, o Código Penal de 1937 proíbe o aborto, mas permite flexibilidade em
caso de risco à vida ou saúde da mãe, além de anomalias fetais, desde que com a
aprovação de um comitê médico. O mesmo acontece na Arábia Saudita, onde é
ilegal incluindo em casos de estupro. Uma regulamentação de 1989, porém,
permite o procedimento se a gravidez tiver menos de quatro meses e representar
grave risco à saúde da mãe.
No
Irã, o aborto é ilegal desde a Revolução Islâmica de 1979, exceto quando
necessário para salvar a vida da gestante. Em 2005, o parlamento aprovou uma
medida permitindo abortos nos primeiros quatro meses em casos de deficiência
fetal que causariam ônus econômico, mas essa medida foi bloqueada pelo Conselho
de Guardiões, que assegura que as leis estejam em conformidade com a
Constituição e a lei islâmica.
Em
regiões ocupadas do Oriente Médio, como Cisjordânia e Gaza, o procedimento é
criminalizado pelo Código Penal Jordaniano de 1960, exceto para salvar a vida
da mulher, conforme a Lei de Saúde Pública Palestina de 2004.
A
ocupação militar israelense e a fragmentação do sistema de saúde dificultam
ainda mais o acesso das mulheres palestinas a serviços de saúde reprodutiva.
• Metade das deputadas favoráveis ao PL
antiaborto são da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher
Seis
das mulheres que assinaram originalmente o PL 1904, que pode fazer a pena para
mulher que realizar um aborto superar a de um estuprador, participam da
Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara dos Deputados. A
proposição, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), foi assinada
por 32 deputados, dos quais 12 são mulheres.
Ely
Santos (Republicanos-SP), Coronel Fernanda (PL-MT) e Julia Zanatta (PL-SC)
estão listadas como titulares da comissão pela Câmara. Dayany Bittencourt
(União-CE) e Franciane Bayer (Republicanos-RS) aparecem como membros suplentes,
assim como Renilce Nicodemos (MDB-PA), que anunciou nesta quinta-feira (13) ter
retirado seu nome do projeto após repercussão negativa.
"Esclareço
que sou a favor da vida e contra o aborto, menos em casos quando há risco de
vida para a mulher causado pela gravidez, ou quando a gravidez for resultante
de um estupro", escreveu Nicodemos em publicação nas redes sociais.
As
demais mulheres que assinaram são Simone Marquetto (MDB-SP), Cristiane Lopes
(União-RO), Carla Zambelli (PL-SP), Greyce Elias (Avante-MG), Bia Kicis (PL-DF)
e Lêda Borges (PSDB-GO).
A
proposta, que teve urgência aprovada na quarta-feira (12), altera o Código
Penal e equipara as penas para abortos realizados após 22 semanas de gestação
às penas previstas para homicídio simples. Determina ainda que, em casos de
viabilidade fetal, mesmo resultantes de estupro, o aborto não será permitido.
Hoje,
o procedimento é autorizado em três casos no Brasil: gravidez decorrente de
estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.
Caso
aprovado o PL, a mulher que fizer o procedimento após 22 semanas de gestação,
mesmo em casos permitidos por lei, pode cumprir pena de 6 a 20 anos de prisão.
Ao mesmo tempo, a reclusão prevista para estupro no Brasil é de 6 a 10 anos e,
quando há lesão corporal, de 8 a 12 anos.
A
deputada Ely Santos publicou nas redes sociais um vídeo da senadora Damares
Alves (Republicanos) sugerindo aumentar também a pena de estupradores. Dayany
Bittencourt, conhecida como Dayany do Capitão, publicou no dia da votação de
urgência do PL uma foto em que usava uma blusa com as palavras "Eu sou pró
vida".
A
composição da Câmara em 2023, quando essa legislatura tomou posse, contava com
90 mulheres (17%) e 423 homens (82%). Ao menos 44 dessas mulheres estão na
Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
Veja
o nome de todos os deputados que assinaram o PL:
Sóstenes
Cavalcante (PL-RJ)
Evair
Vieira de Melo (PP-ES)
Paulo
Bilynskyj (PL-SP)
Gilvan
da Federal (PL-ES)
Filipe
Martins (PL-TO)
Luiz
Ovando (PP-MS)
Bibo
Nunes (PL-RS)
Mario
Frias (PL-SP)
Palumbo
(MDB-SP)
Ely
Santos (Republicanos-SP)
Simone
Marquetto (MDB-SP)
Cristiane
Lopes (União-RO)
Renilce
Nicodemos (MDB-PA)
Abilio
Brunini (PL-MT)
Franciane
Bayer (Republicanos-RS)
Carla
Zambelli (PL-SP)
Frederico
(PRD-MG)
Greyce
Elias (Avante-MG)
Ramagem
(PL-RJ)
Bia
Kicis (PL-DF)
Dayany Bittencourt (União-CE)
Lêda Borges (PSDB-GO)
Junio Amaral (PL-MG)
Coronel Fernanda (PL-MT)
Eurico (PL-PE)
Alden (PL-BA)
Cezinha de Madureira (PSD-SP)
Eduardo Bolsonaro (PL-SP)
Pezenti
(MDB-SC)
Julia
Zanatta (PL-SC)
Nikolas
Ferreira (PL-MG)
Eli
Borges (PL-TO)
Fred
Linhares (Republicanos-DF)
• OAB cria comissão só de mulheres para
analisar PL que equipara penas por aborto a homicídio
A
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) criou uma comissão para estudar o projeto
de lei que equipara aborto a crime de homicídio em casos de estupro. O texto
teve a urgência aprovada nesta quarta-feira (12) pela Câmara dos Deputados. O
grupo será composto apenas por mulheres.
A
Comissão foi criada pelo presidente da entidade, Beto Simonetti, nesta quinta
(13). Ele também determina, no mesmo ato, que o estudo deve ser apresentado em
sessão do conselho pleno prevista para a próxima segunda (17), "em razão
da urgência que requer a matéria".
Serão
sete conselheiras federais. Elas devem elaborar um parecer sobre a proposta que
altera o Código Penal e equipara as penas para abortos realizados após 22
semanas de gestação às penas previstas para homicídio simples. A matéria também
determina que em casos de viabilidade fetal, mesmo resultantes de estupro, o
aborto não será permitido.
O
colegiado é composto pelas conselheiras federais Silvia Souza (presidente da
Comissão Nacional de Direitos Humanos), Cristiane Damasceno (presidente da
Comissão Nacional da Mulher Advogada), Ana Cláudia Piraja Bandeira (presidente
da Comissão Especial de Direito da Saúde), Aurilene Uchôa de Brito
(vice-presidente da Comissão Especial de Estudo do Direito Penal), Grace
Mendonça (secretária-adjunta da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais),
Katianne Wirna Rodrigues Cruz Aragão (ouvidora-adjunta) e Helcinkia Albuquerque
dos Santos (presidente da Comissão Especial de Direito Processual Penal).
O
plenário da Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência do projeto
antiaborto em votação-relâmpago.
O
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não citou o número do requerimento
que estava sendo apreciado e, após anunciar que ele tinha sido aprovado, nem
mesmo os parlamentares haviam entendido se o tema tinha sido votado ou não. A
aprovação da matéria também demorou para ser registrada no sistema da Câmara.
A
urgência acelera a tramitação da proposta na Casa, já que ela segue direto ao
plenário sem passar pela análise das comissões temáticas. Os deputados ainda
terão de analisar o mérito do texto.
Hoje,
o aborto é autorizado em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro,
risco à vida da mulher e anencefalia do feto.
Nesta
quarta (14), o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse
que o projeto de lei, se aprovado na Câmara, será tratado na Casa comandada por
ele com "cautela" e vai tramitar normalmente por comissões temáticas.
O senador afirmou que matéria dessa natureza "jamais" iria direto ao
plenário.
O
PL 1904, caso seja aprovado, deixará a legislação do Brasil tão dura quanto em
países conhecidos por organizações internacionais por suas rígidas leis
antiaborto e violações sistemáticas dos direitos das mulheres, como
Afeganistão, El Salvador, e Indonésia.
Fonte:
FolhaPress
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