sábado, 15 de junho de 2024

Os homens poderão contribuir mais para evitar a gravidez indesejada

Quando as pílulas anticoncepcionais hormonais chegaram ao mercado na década de 1960, elas revolucionaram o controle das mulheres sobre seus próprios corpos no mundo inteiro.

A pílula deu às mulheres a liberdade de escolher quando querem formar uma família, mas a gravidez indesejada ainda é comum. Quase metade das gestações que ocorrem todos os anos são indesejadas, tanto nos Estados Unidos quanto em todo o mundo. Um contraceptivo para homens poderia ajudar? 

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Talvez descubramos isso na próxima década. Os cientistas estão experimentando novas pesquisas com sucesso em pílulas, géis e implantes que permitiriam aos homens compartilhar a responsabilidade contraceptiva com as mulheres. Muitos são mais convenientes e infalíveis do que os preservativos ou mais fáceis de reverter do que as vasectomias, e alguns estão sendo desenvolvidos sem os hormônios que normalmente causam efeitos colaterais incômodos para as mulheres. 

"Vejo isso como uma grande mudança na equidade", afirma Heather Vadhat, diretora executiva da Male Contraceptive Initiative, uma organização norte-americana que financia pesquisas sobre contraceptivos. Para entender como esses novos métodos de controle de natalidade funcionam, é preciso conhecer melhor o sistema reprodutivo masculino. 

·        Como funciona o anticoncepcional masculino?

Para os homens, a reprodução bem-sucedida começa com o coquetel certo de hormônios, principalmente a testosterona. Eles sinalizam ao corpo para começar a produzir esperma, um processo chamado espermatogênese. O esperma leva cerca de 74 dias para se desenvolver e amadurecer, um processo de regeneração que ocorre constantemente depois que o homem atinge a puberdade. Os espermatozoides maduros são armazenados nos testículos, uma reserva de material reprodutivo que é reabastecida regularmente. 

Quando um homem ejacula, mais de 250 milhões de espermatozóides saem dos testículos e começam a procurar um óvulo para fertilizar. Se eles se encontrarem dentro de uma vagina, os melhores nadadores se impulsionam para frente, através da vagina, passando pelo colo do útero e chegando ao útero, onde, se encontrarem um óvulo saudável e fértil, levam à concepção. 

Enquanto o controle de natalidade feminino moderno usa hormônios para interromper o processo que produz de um a dois óvulos férteis por mês, o controle de natalidade masculino precisa parar milhões de espermatozóides em seu caminho. 

·        Conheça um gel contraceptivo

Os hormônios estão sendo usados para interromper o processo reprodutivo masculino, visando especificamente à espermatogênese, interrompendo lentamente o processo de produção de esperma. 

Os primeiros testes clínicos estão mostrando resultados promissores de um gel tópico aplicado diariamente nos ombros. Mais de 200 homens aplicaram o gel diariamente e, após 15 semanas, 86% tinham uma contagem de espermatozóides baixa o suficiente para tornar o gel um contraceptivo eficaz.

O gel contém um hormônio feminino sintético chamado progestina que reduz a testosterona, um hormônio reprodutivo masculino, a um nível em que a produção de esperma é inibida. À medida que o gel é absorvido pela pele, pequenas quantidades permanecem logo abaixo, liberando lentamente os hormônios contraceptivos que tornam o homem infértil enquanto ele continuar a usar o gel. 

O gel também contém uma pequena quantidade de testosterona que é adicionada de volta ao corpo para manter as outras funções corporais normais dos homens. 

Um estudo clínico de 2012 testou o gel em 99 homens e descobriu que quase 90% deles apresentaram infertilidade temporária. Os participantes relataram efeitos colaterais semelhantes aos do controle de natalidade hormonal feminino, como ganho de peso, acne, baixa libido e alterações de humor. 

Os géis hormonais já são usados para tratar deficiências hormonais, o que é uma das razões pelas quais o método é atraente para os pesquisadores – eles sabem que os homens já estão dispostos a usar o método de aplicação. Testes futuros testarão a segurança e a reversibilidade do gel.

·        Vasectomias melhores e mais modernas

As vasectomias são outra opção de controle de natalidade masculino. Elas têm sido realizadas desde o final do século 19, mas se tornaram mais populares no século 20.

O nome do procedimento é devido aos pequenos tubos no escroto chamados de canais deferentes. Quando o esperma sai dos testículos, ele viaja por esses tubos e se mistura com o sêmen. As vasectomias funcionam bloqueando esse caminho nos canais deferentes, impedindo que o esperma saia do corpo. Em geral, os médicos inserem cirurgicamente um clipe especial para bloquear os tubos ou podem cortar e amarrar os tubos diretamente. 

"Uma das coisas que estamos vendo são homens pensando que podem reverter a vasectomia quando quiserem", comenta Vahdat. "Mas uma vasectomia é bastante simples, e a reversão não é tão simples assim." 

Dependendo de como a vasectomia é revertida, há de 60 a 90% de chance de recuperar a fertilidade, mas o processo requer cirurgia e o sucesso não é garantido.

Pode haver novas opções no horizonte. Vahdat está entusiasmado com uma empresa chamada Contraline, que injeta um gel no canal deferente. O objetivo do gel é bloquear os espermatozoides, assim como nas vasectomias tradicionais, mas com o tempo o gel se liquefaz e é absorvido pelo corpo.

O gel está em fase inicial de testes clínicos na Austrália, e os homens participantes serão avaliados nos próximos três anos.

·        Uma pílula pré-sexo

Depois que os espermatozoides são produzidos, atravessam os canais e são depositados na vagina, eles ainda precisam nadar até o fim para conseguir engravidar/fecundar um óvulo feminino. 

Mas um estudo publicado no início deste ano na revista científica Nature Communications, mostra a promessa de uma pílula anticoncepcional "sob demanda" que poderia ser tomada cerca de 30 minutos antes da relação sexual e cujos efeitos passariam após cerca de um dia. 

A droga funciona tendo como alvo uma enzima chamada adenilil ciclase solúvel (sAC), essencialmente o "interruptor" que diz ao esperma para começar a nadar. Quando essa enzima é suprimida, os espermatozóides não conseguem ir além da vagina. 

"Eles ficam imóveis; ficam parados e se contorcendo", explica Lonny Levin, farmacologista da Weill Cornell e um dos autores do estudo. 

Quando uma droga experimental foi administrada a camundongos, eles ficaram inférteis após 15 minutos. Duas horas depois, sua fertilidade voltou ao normal. 

Eu disse: "Santo Deus, este é o Santo Graal. Este é um contraceptivo masculino ideal", afirma Levin. Após cerca de uma hora dentro da vagina, o esperma morre e a gravidez é evitada. 

Levin e seus parceiros de pesquisa esperam testar esses bloqueadores de enzimas em humanos nos próximos dois ou três anos e acreditam que ainda pode levar uma década até que esses testes produzam resultados que preparem a pílula para o mercado.

·        Uma questão: os homens vão usar os novos métodos contraceptivos?

"Havia um estereótipo de que os homens não usavam [anticoncepcionais] e as mulheres não confiavam neles", diz Vahdat. Porém, uma pesquisa compartilhada em um webinar da Organização Mundial da Saúde (OMS) em setembro de 2022 sugere que isso não é totalmente verdade.

Uma pesquisa global com 5 mil homens que fazem sexo com mulheres mostrou que muitos estavam interessados em experimentar um contraceptivo. Os participantes menos entusiasmados foram encontrados nos Estados Unidos – cerca de 40% dos homens norte-americanos disseram que tentariam o controle de natalidade no próximo ano. E os mais entusiasmados estavam na Nigéria - cerca de 80% dos homens disseram que estavam interessados em tomar uma nova forma de contracepção masculina. 

Steve Kretschmer, diretor executivo da empresa de consultoria DesireLine, conduziu a pesquisa. Ele disse que os países onde os anticoncepcionais femininos já eram comuns tinham homens um pouco menos interessados em tomar anticoncepcionais. Mas, em geral, em todos os países pesquisados, o interesse dos homens aumentou com o tempo. 

Seus dados também mostraram que a maioria das mulheres em cada país disse que acreditaria em seu parceiro se ele lhes dissesse que estavam tomando anticoncepcionais. 

Vahdat está ansiosa por esses novos anticoncepcionais masculinos, avanços reprodutivos que há muito tempo estão chegando. Entre seus colegas, diz ela, há uma piada que diz que o controle de natalidade para homens está "a alguns anos de distância, há 50 anos". Mas, ela acrescenta, finalmente parece estar ao alcance. 

Quando o controle de natalidade masculino estiver amplamente disponível, Vahdat espera que ele reformule drasticamente a forma como pensamos sobre a reprodução e quem é responsável por ela. 

"Simplesmente não pensamos nos homens como seres contraceptivos. É tão sinônimo de autonomia feminina", reflete Vahdat. "Estou confiante de que isso vai mudar o jogo". 

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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