Monogamia
é puxada pela colonização e marcada por religião e economia, dizem
pesquisadores
Mesmo
para os pesquisadores, a pergunta "de onde vem a monogamia?" pode
assustar. A psicanalista e doutora em sociologia Mônica Barbosa é direta ao
replicar: "Como se diz na Bahia, quem souber essa resposta morre",
diz, usando uma expressão local para algo difícil de explicar.
A
origem, longe de ser natural ou romântica, está, segundo estudiosos, muito mais
relacionada a interesses religiosos, econômicos e de dominação. "Não há
consenso científico sobre a monogamia, mas uma série de teses sobre o seu
surgimento. E não é possível pensar na consolidação dela sem considerar o que
chamamos de modernidade, um período longo, dos últimos 500 anos, marcado pelo
colonialismo, pela hegemonia da cultura cristã, e que tem o capitalismo como
base", diz Barbosa.
A
socióloga, parte do grupo Afetos, Políticas e Sexualidades Não-Monogâmicas, da
UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), observa que "a monogamia é a
norma" e está longe de ser "uma moda que passou".
"Temos
uma produção cultural massiva que nos induz a pensar que podemos viver um único
amor de cada vez. Além disso, temos um regime político, econômico e social que
favorece as relações monogâmicas. O status social do casamento, da família, os
financiamentos que você consegue fazer em casal, o aluguel que você divide, a
sensação de amparo, num Estado que não nos ampara. A lista de ilusões é
longa."
O
relacionamento romântico e sexual com um único parceiro ou parceira compõem,
segundo a professora do Instituto de Psicologia da Uerj (Universidade Estadual
do Rio de Janeiro), Edna Ponciano, uma configuração normativa que surge com o
Estado moderno e com a preocupação de manter a ordem social e econômica,
restringindo a herança a um contrato matrimonial.
"Ela
é associada a valores éticos e morais. Pode funcionar, mas nem sempre. O amor
romântico com a exigência de exclusividade não funcionam para todo mundo",
diz, apontando que o maior problema da monogamia é a imposição, que gera
sofrimento a quem fracassa em manter a exclusividade.
No
livro "Monogamia", do psicanalista britânico Adam Phillips, a
monogamia é associada a ingredientes como honestidade, afeto, segurança,
escolha, vingança, desejo, lealdade, mentiras, risco, direitos, culpa, amor e
violência.
"Se
pensarmos a partir da América Latina, podemos dizer que a monogamia começa a se
instaurar como norma a partir da colonização, no século 16, que deposita nos
jesuítas a missão de impor os valores da Igreja Católica aos povos
originários", diz Barbosa.
"A
instauração desse sistema como regra era parte do projeto de disciplinamento da
sexualidade indígena, e o não cumprimento dela era severamente punido com
práticas que podiam levar à morte, como a tortura e o banimento."
O
pesquisador e doutor em filosofia espanhol Pablo Perez Navarro, da Universidade
de Coimbra e se debruça sobre frentes como o poliamor e a monogamia no Brasil
contemporâneo, em parceria com a UFBA (Universidade Federal da Bahia), observa
que a estrutura monogâmica tem origem associada às culturas patriarcais.
Um
momento que considera crítico para a construção desse regime ocorre por volta
da Revolução Francesa, quando o casamento civil é instituído, e, poucos anos
depois, quando é promulgado o Código Napoleônico --conjunto de leis civis
estabelecido por Napoleão Bonaparte no início do século 19. "Digamos que o
Estado começa a dividir com a Igreja a tarefa de santificar esse tipo de união,
só que agora de forma administrativa, burocrática", diz Navarro.
"É
um momento juridicamente muito significativo para entender o lugar que a
monogamia ocupa no presente. É um momento em que também se institui uma noção
que tem tudo a ver com a organização monogâmica dos afetos, das relações de
parentesco, da reprodução, que é a noção de ordem pública. É nesse código em
que a ordem pública é referida como o limite para tudo que cidadãos e cidadãs
podem acordar entre eles, incluído o acordo matrimonial."
Essa
ordem, segundo o pesquisador, está ligada à necessidade de se impor um limite
aos arranjos familiares e de ver instituída a monogamia como modelo único.
"Muitas vezes para explicar o que significa a ordem pública na atualidade,
se usa como exemplo a ideia de que a monogamia é o limite do que se pode
reconhecer, ou muitas vezes tolerar ou permitir por parte do Estado."
Segundo
o filósofo, o problema é que existem diversas formas de relação que escapam a
essa definição monogâmica --e elas acabam demonizadas e censuradas socialmente
e juridicamente.
"Temos
que construir uma ordem social que não imponha um modelo relacional, seja a
monogamia, seja qualquer outro."
Fonte:
FolhaPress
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