'Eleições
na Venezuela não são justas ou limpas, mas vamos ganhar': o que pensa candidato
que desafia Maduro
Aos
74 anos de idade, Edmundo González Urrutia nunca
teve aspirações políticas.
Apenas
três meses atrás, a vida deste diplomata aposentado consistia em assistir a
conferências, escrever esporadicamente artigos científicos e dedicar tempo à
sua família e aos seus quatro netos. Mas, no final de abril, sua vida sofreu
uma reviravolta.
À
medida que se aproximavam as eleições presidenciais venezuelanas de 28 de julho,
a oposição ficava sem opções para enfrentar o atual presidente, Nicolás Maduro.
Maria Corina Machado era
a candidata escolhida nas eleições primárias realizadas em outubro do ano
passado pela coalizão de oposição do país, a Plataforma Unitária Democrática
(PUD). Mas ela foi impedida de disputar a presidência, assim como Corina Yoris, sua substituta.
González
Urrutia relembra que, quando propuseram que ele fosse o candidato da PUD,
considerou a escolha uma honra, que passou a ser um "compromisso pessoal
com os venezuelanos".
Em
sua extensa carreira diplomática, ele se notabilizou como embaixador
venezuelano na Argélia, entre 1991 e 1993, e na Argentina, entre 1998 e 2002,
durante os governos de Rafael Caldera (1994-1999) e nos primeiros anos de Hugo
Chávez (1999-2013).
Hoje,
ele pretende pôr fim ao chavismo, após 25 anos no poder. E muitos venezuelanos
depositaram nele suas esperanças de mudança, depois de anos de desencanto com a
oposição.
Por
outro lado, o governo critica González e o associa a uma "oposição
apátrida" que reivindicou sanções que prejudicaram a economia do país.
"A
oposição, agora, quer vendê-lo como um pobre velhinho, mas este senhor
[González] é perverso (...). Este senhor faz parte de um plano perverso para
continuar prejudicando o nosso povo", afirmou o dirigente chavista
Diosdado Cabello, forte crítico de seus opositores.
Em
entrevista à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC), González explica
como pretende conquistar o voto dos próprios chavistas desencantados e como ele
planeja ganhar as eleições, embora afirme que as condições não serão justas e
irão beneficiar o atual governo.
LEIA
A ENTREVISTA:
·
O sr. deixou de ser um
ex-diplomata de baixo perfil para a opinião pública para ser o candidato e a
esperança de milhares de opositores venezuelanos. Como o sr. vê esta nova
responsabilidade?
Edmundo
González - É uma situação inesperada. Eu nunca pensei
que iria estar nesta posição.
Mas,
quando me procuraram, tomei [a candidatura] como um compromisso pessoal com a
Venezuela, com o sistema de governo e com a democracia. Por isso, aceitei e
estou dando o melhor de mim para levar isso adiante.
Muita
gente está me ajudando. São muitas as pessoas que acreditam que a solução
proposta pela minha candidatura pode ser necessária neste momento.
Podemos
ver isso na maioria das pesquisas*. Não tenho os números, mas existe um grande
percentual que cresce a cada dia e respalda as opiniões da Plataforma Unitária
Democrática.
*A
maioria das pesquisas publicadas até agora dão ao candidato de oposição Edmundo
González cerca de 50% das intenções de voto, enquanto o atual presidente
Nicolás Maduro teria o respaldo de cerca de 23% dos eleitores.
·
A candidata da
oposição seria Maria Corina Machado, depois Corina Yoris e agora é o sr. O que
acontece se o sr. for impossibilitado ou surgir algum problema com a sua
candidatura?
González
- Eu acredito que isso não irá
acontecer. Se você tivesse me apresentado [esta pergunta] há algumas semanas,
talvez eu pudesse ter tido dúvidas. Mas, a esta altura, honestamente, não
acredito que venha a ser uma possibilidade.
É
claro que nunca se sabe, considerando os recursos que detém o regime. Mas nós
confiamos que esta candidatura irá seguir adiante e que irá triunfar.
·
Vocês têm um plano B?
González
- Nosso plano B é o plano A.
·
A própria Machado está
percorrendo o país como se o nome dela estivesse na cédula eleitoral. Existe um
vínculo, de que votar no sr. é votar nela. O que tem isso de positivo e de
negativo?
González
- Ela está percorrendo o país apoiando
a minha candidatura.
Ela
foi uma das promotoras deste acordo na Plataforma Unitária e, como ela, muitos
outros dirigentes da oposição também estão profundamente engajados para
respaldar e promover a minha candidatura para estas eleições do dia 28 de
julho.
·
Duas semanas atrás, o
Conselho Nacional Eleitoral (CNE) revogou o convite feito à União Europeia para
enviar observadores para o processo eleitoral. Alguns veem isso como um sinal
de que é pouco provável que as eleições sejam justas e competitivas. Como o sr.
vê a situação?
González
- É um mau sinal do Executivo frente à
comunidade internacional.
Os
observadores internacionais sempre dão garantias aos governos. E um governo que
impede a presença de observadores internacionais fornece um mau sinal, como se
quisesse ocultar alguma coisa.
Queremos
que o processo seja transparente e que as eleições presidenciais possam ser
acompanhadas pela maior parte dos observadores do planeta.
Mas
nós substituímos essa observação internacional por milhares e milhares de
venezuelanos, que serão os observadores deste processo. E, com seu voto, irão
produzir a vitória à qual nós aspiramos.
·
O sr. acredita que
esta será uma eleição justa?
González
- As eleições na Venezuela não são
justas, nem limpas, nem equitativas.
É
evidente que não são porque existe um desequilíbrio em relação aos meios de
comunicação [e seu controle]. Existe aqui uma evidente desproporção, que não
permite à oposição ter e contar com os mesmos recursos de que dispõe o governo.
O governo
utiliza todos os meios oficiais para fazer proselitismo e grandes cadeias de
televisão do candidato oficial. Nós não temos essa mesma oportunidade e isso,
por si só, já demonstra o desequilíbrio.
·
Em 2018, a oposição
majoritária convocou a abstenção dos eleitores e
não concorreu contra Maduro. Agora, observamos uma unidade seguindo o caminho
eleitoral, apesar dos obstáculos, e uma unidade de ação para substituir
candidatos. O sr. acredita que a oposição se equivocou seis anos atrás? O que
mudou agora, se o cenário aparentemente é o mesmo?
González
- Nós estamos olhando para o futuro.
Não estamos olhando para trás.
Queremos
uma missão que siga para frente e é por isso que estamos empenhados para que
todo o processo eleitoral seja equitativo, justo e transparente.
·
Qual o sr. considera
ter sido o maior erro da oposição nos últimos anos?
González
- O chamado para a abstenção talvez não tenha
sido a decisão mais prudente naquela época, mas, agora, estamos todos alinhados
no caminho eleitoral, que é o que estamos trilhando com força.
·
Esta convocação à
abstenção e o que aconteceu depois dos protestos de 2017, além da
migração e outras frustrações, traz muitas dificuldades para a oposição poder
mobilizar as pessoas. Por que os milhões de venezuelanos que estão
decepcionados com a oposição venezuelana deveriam confiar no sr.?
González
- Eu quero olhar para frente. Não quero
ficar restrito ao passado.
Temos
um processo eleitoral chegando. Temos uma unidade que escolheu um candidato por
unanimidade. Temos todos os instrumentos dos partidos trabalhando arduamente
por essa candidatura.
Por
isso, nossa aspiração é ter uma maioria muito significativa e que corresponda
aos resultados das últimas pesquisas de opinião, que nos concedem um percentual
bastante cômodo para ganhar as eleições em 28 de julho.
·
Que chamado faz o sr.
aos milhões de venezuelanos decepcionados com a oposição?
González
- O que vejo é muito ânimo, muito
entusiasmo e muito interesse pelo processo eleitoral.
[Vejo]
venezuelanos que estão dispostos a apoiar a candidatura unitária e sair de 25
anos [de chavismo/madurismo], que foram mais que suficientes.
·
O sr. acabou de dizer
que o cenário não é justo. Como vocês pretendem ganhar nas urnas do chavismo,
que governa o país desde 1999 e continua recebendo forte apoio de parte da
população?
González
- Iremos ganhar do chavismo com uma
força majoritária que será expressa nas urnas e o respaldo de milhões de
venezuelanos que estão comprometidos com a mudança da Venezuela.
·
É possível que, para
ganhar, o sr. precise do voto do chavismo desencantado. Como o sr. pretende
convencer os venezuelanos que apoiaram Chávez e Maduro durante anos e podem
considerar que o sr. e a oposição são uma ameaça?
González
- O discurso que mantivemos ao longo
destes dias de campanha foi o de um chamado ao reencontro dos venezuelanos, um
chamado à unidade nacional, um chamado no qual o adversário é um adversário
político e não um inimigo.
Desejamos
que os setores que apoiam o governo, que são cada vez menores, atendam ao nosso
chamado ao reencontro dos venezuelanos.
Eles
são cada vez menores porque muitos deles, agora, estão apoiando nossa
candidatura.
·
Ainda está longe, mas
o sr. se imagina como presidente? Qual seria sua primeira medida?
González
- São tantas as coisas que precisamos
enfrentar: a situação econômica, a inflação, os salários, as aposentadorias, a
pobreza.
Os
últimos números das Nações Unidas indicam que temos 82% da população vivendo na
pobreza. Isso representa um grande desafio para o novo governo.
Vamos
nos esforçar em um plano econômico que procure recursos internacionais, que
gere confiança e atraia investimentos estrangeiros para podermos superar as
dificuldades.
·
O sr. mencionou
diversas prioridades, mas qual seria a prioridade número 1 do governo Edmundo
González Urrutia?
González
- São muitas, porque existem
prioridades econômicas, políticas e sociais.
Precisamos
recompor e reinstitucionalizar o país. Queremos devolver aos venezuelanos
elementos para que eles se reconciliem com a democracia.
·
O sr. defenderia um
governo de transição? Ou algum tipo de pacto com o chavismo?
González
- Tudo isso será definido no momento
certo. Estamos trabalhando primeiro para ganhar as eleições.
Nosso
objetivo é ganhar em 28 de julho e é nisso que estamos concentrados. Depois de
ganhar as eleições, veremos como iremos trabalhar nos dias que se seguirem.
·
Então, o sr. não
descarta um pacto com o chavismo...
González
- A palavra "pacto" dá lugar a
muitas interpretações. Acredito que precisamos buscar a reconciliação nacional
e, se isso incluir setores que atualmente estão ao lado do governo, iremos
incluí-los.
·
Mesmo que o sr. ganhe,
o chavismo não irá desaparecer e, na verdade, ainda teria muito controle sobre
o poder, como na Assembleia Nacional. O chavismo também nomeou os membros da
Suprema Corte. Como o sr. imagina esta coexistência? O sr. teria medo de não
conseguir governar?
González
- Evidentemente, nós analisamos esta
situação. Teremos outros poderes do Estado nas mãos da oposição.
Mas
confiamos que a magnitude da nossa vitória será tão significativa que abrirá
caminho para novas realidades políticas, que incluirão negociações com o
governo no sentido mais amplo. Eu não descartaria nem anteciparia nenhum
resultado.
·
Os presidentes Luiz
Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Gustavo Petro, da Colômbia, são próximos de
Maduro, mas têm criticado os obstáculos eleitorais e até comemoraram a existência de um candidato único de
oposição. Qual é a relação da oposição com eles e por que eles são considerados
fundamentais?
González
- Nós temos contato contínuo com os
governos do Brasil e da Colômbia, por meio dos seus representantes diplomáticos
aqui em Caracas e do nosso representante nas mesas de negociações, Gerardo
Blyde.
Mantemos
diálogo fluido e aberto com os dois governos e isso não vem de agora, mas há
vários anos.
·
O sr. os considera
fundamentais para um futuro governo?
González
- Claro que sim. O Brasil tem um grande
peso político no hemisfério, enquanto a Colômbia é um vizinho importante e foi
um aliado fundamental da Venezuela em outras oportunidades.
Nossa
aspiração é manter com ambos uma relação fluida como a que tivemos no passado.
·
A oposição tem a
infraestrutura necessária para fiscalizar os resultados de 28 de julho,
considerando que o chavismo tem grande experiência e a máquina eleitoral?
González
- Temos capacidade e entusiasmo para
fazer cumprir os resultados das eleições.
Temos
todos os grupos de trabalho entrosados e treinados no controle dos votos e
vamos demonstrar isso no dia das eleições.
Já
temos boa parte do contingente eleitoral empenhado nas suas tarefas de
vigilância do voto e isso é fundamental para garantir os resultados que iremos
obter.
·
Em janeiro de 2019,
tivemos como líder da oposição um deputado até então desconhecido, que
era Juan Guaidó. O sr.
receia terminar como ele, alguém que foi exaltado e acabou quase esquecido pela
própria oposição?
González
- Não gosto de me comparar com outros
líderes da oposição. As comparações geralmente acabam sendo pouco simpáticas.
·
Mas o sr. não receia
terminar como ele?
González
- Não. Estou concentrado no meu
trabalho. As pesquisas de opinião me colocam muito à frente, com vantagem
substancial em relação ao candidato do governo.
Esta
ampla margem não nos faz esmorecer, ao contrário, nos impulsiona. Ela nos dá
incentivo para continuar por este caminho que está trazendo bons resultados.
·
Guaidó contou com o
apoio dos Estados Unidos, que acaba de reinstaurar as sanções contra o setor de petróleo e gás da
Venezuela. O chavismo acusa a oposição de estar por
trás das sanções, que prejudicam a economia do país. O sr. apoia as sanções
como castigo a um governo que Washington considera autoritário?
González
- Em relação ao primeiro ponto, nós contamos
com o apoio dos venezuelanos, que é o que nos importa.
O
que nos importa essencialmente é o voto dos milhões de venezuelanos que irão
apoiar nossa candidatura no dia 28 de julho.
·
E, em relação às
sanções, o sr. apoia?
González
- O tema das sanções será observado e
analisado após a nossa vitória em 28 de julho.
As
sanções têm um motivo e estão vinculadas a ações do governo e ações individuais
de alguns funcionários do governo. As sanções não são contra o país, mas contra
indivíduos dentro do governo.
·
Se forem encontradas
irregularidades no processo eleitoral, o sr. apoiaria mais sanções?
González
- Não. Nós estamos concentrados em ganhar as
eleições. Este é o nosso foco de atenção. Estamos dedicando a isso 100% do
nosso trabalho até o dia 28 de julho.
·
Qual é a estratégia da
sua campanha eleitoral, que começou recentemente?
González
- O plano é continuar trabalhando na
nossa candidatura e levar nossa mensagem para todos os lados, para todos os
setores.
Na
terça-feira [11/6], tivemos um encontro com cerca de 100 mulheres de diferentes
setores de Caracas.
Na
mesma semana, tive reuniões com as câmaras de comércio e continuo dando
entrevistas para a imprensa. Tenho reuniões com os comandos jovens dos partidos
e com os prefeitos da aliança. Enfim, continuamos empenhados neste esforço
desde o primeiro dia.
·
Qual o sr. considera
que seja o principal objetivo desta campanha?
González
- Nosso maior objetivo é convencer os
que ainda duvidam que a eleição presidencial de 28 de julho pode nos ajudar a
recuperar a institucionalidade democrática e transformar a Venezuela.
Fonte:
BBC News Mundo
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