Crime
organizado provoca êxodo em massa no México
Milhares
são obrigados a deixar suas casas e até suas cidades com medo dos conflitos que
têm como pano de fundo o crime organizado. De 2008 a 2023, estima-se quase 400
mil deslocados internos.O pequeno município de Tila, em Chiapas, no sul do
México, é a mais nova vítima de um fenômeno cada vez mais recorrente no país: o
êxodo devido ao crime organizado. Recentemente, mais de 4.000 pessoas foram
para abrigos e municípios vizinhos após um grave episódio de violência.
Segundo
a imprensa local, os residentes deslocados esperam que as autoridades se
comprometam a proporcionar mais segurança antes que eles regressarem as suas
casas – algo que, até agora, não aconteceu.
O
caso de Tila é o sexto de deslocamentos internos devido a conflitos no México
apenas em 2024, segundo o Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos
(IDMC, na sigla em inglês). A plataforma estima um total de 8.659 pessoas
deslocadas em razão de conflitos este ano. No acumulado de 2008 a 2023, o
número chega a 392.000.
Ramón
Coria, membro do Coletivo Vítimas de Deslocamentos Internos Forçados e das
organizações civis que o acompanham, disse à DW que, até agora, foram relatados
quase 10 mil pessoas deslocadas pela violência que começou na quinta-feira da
semana passada em Tila.
·
Um único fenômeno, múltiplas dimensões
O
deslocamento interno no México não tem uma origem única. É um fenômeno
"multicausal e multidimensional", explica Pablo Cabada, da
Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Entre
as causas estão os conflitos comunitários – políticos, religiosos, agrários –,
a violência gerada por grupos armados, os desastres causados por fenômenos naturais, os
projetos de desenvolvimento em grande escala – como a mineração ou o desmatamento – e as violações dos direitos humanos. No entanto, para especialistas ouvidos
pela DW, todos esses episódios têm a violência como denominador comum.
A
Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CMDPDH), maior
plataforma nesta área, destacou no seu relatório de 2021 que 74% dos episódios
registados tiveram origem na violência de grupos armados organizados. O IDMC,
por sua vez, contabilizou até 29 mil deslocamentos devido à violência e
conflitos em 2021, e 19 mil em razão de desastres naturais.
"Este
fenômeno é particularmente prevalente em regiões nas quais a presença e a
atividade de grupos criminosos são intensas e onde o controle territorial por
parte dessas organizações resulta em altos níveis de violência e
insegurança", disse à DW María del Pilar Fuerte, pesquisadora do
CentroGeo, com sede em Aguascalientes, México.
Chiapas,
junto com Guerrero, Michoacán, Chihuahua e Zacatecas, são as regiões com maior
número de deslocados, segundo o último registro do CMDPDH.
A
falta de ferramentas dificulta a localização do destino final dessas pessoas,
embora geralmente elas se desloquem para cidades próximas ou em direção à
fronteira com os Estados Unidos, conforme identificado em estudo publicado pela
OIM em 2023.
·
Crime organizado, em destaque
O
deslocamento forçado dessas comunidades ocorre devido a fatores interligados
pela violência, que, por sua vez, se deve à presença, principalmente, do crime
organizado em sua busca pelo controle de territórios. Ou por motivos mais
profundos, como a disputa por recursos ou o livre fluxo de migrantes, comenta
Carla Zamora, doutora em Ciências Sociais pelo El Colegio de México.
O
especialista mexicano em segurança e analista político David Saucedo explica
que o que aconteceu em Tila é produto da "narcoguerra" entre o Cartel
de Sinaloa e o Cartel de Jalisco Nova Geração, em consonância com máfias locais
como, neste caso, "Los Autónomos", para pressionar e chantagear as
comunidades locais a retirarem-se da área.
"Sua
ação é a violência como um dispositivo de terror para desapropriar as
populações, especialmente nas áreas rurais", conta Kelly Muñoz,
pesquisadora em Desenvolvimento Rural da Universidade Autônoma Metropolitana
Unidad Xochimilco, no México.
"Essas
disputas podem transformar comunidades inteiras em campos de batalha, onde os
moradores ficam no meio do conflito", diz Fuerte, do CentroGeo. "A
presença militarizada destes grupos em determinadas áreas impõe controle sobre
as comunidades, alterando radicalmente o quotidiano dos residentes e
obrigando-os a procurar refúgio em outros locais", acrescenta.
Fuerte
destaca que esses grupos criminosos também procuram recrutar jovens para se
juntarem às suas fileiras, o que faz com que famílias inteiras abandonem suas
casas.
"Uma
cultura de violência causada pelas drogas começou a criar raízes, tornando-se a
aspiração de numerosos jovens, muitos deles recrutados à força", diz
Zamora.
Leis
diferentes das de refugiados
Ao
contrário dos refugiados, que atravessam as fronteiras internacionais, os
deslocados internos obedecem à jurisdição do governo nacional, explica Fuertes.
A nível federal, o México aprovou uma lei de 2020 para deslocamentos forçados
internos, mas a legislação está paralisada no Senado. No nível estadual,
Chiapas, Guerrero, Sinaloa e Zacatecas têm leis específicas.
Apesar
deste reconhecimento, "no México as pessoas afetadas não têm acesso ao
tratamento como vítimas no âmbito do atual quadro jurídico", afirma
Fuertes, que defende uma "estratégia abrangente" que aborde tanto as
causas do deslocamento quanto as necessidades mais imediatas.
Kelly
Muñoz, por sua vez, destaca a ativação de protocolos de alerta sobre os fatores
de risco desses deslocamentos nos municípios mais críticos, bem como "um
diagnóstico do meio ambiente de forma participativa com as comunidades".
As
alternativas passam pelo desmantelamento dos grupos armados, insiste Zamora,
mas também pela aposta na coexistência de diferentes projetos de vida.
"É
urgente trabalhar na reconstituição do tecido social a partir das raízes
comunitárias, uma vez que o impacto psicológico que estes fenômenos terão na
população demorará provavelmente várias gerações".
¨
A ameaça do crime
organizado na América Latina. Por Artigo de Daniel Zovatto e Jorge Sahd K.
Em
apenas cinco anos, a taxa de homicídios no Equador aumentou em cerca
de 800%, chegando a 46 a cada 100.000 habitantes.
Esta
semana, o Centro de Estudos Internacionais da Universidade Católica lançou
a quarta edição do Risco Político na América Latina 2024, relatório que
mede os 10 principais riscos que a região enfrentará.
O
ano de 2024 será intenso para a América Latina, em um contexto internacional
incerto. Será necessário focar na evolução do conflito Ucrânia-Rússia, Israel-Palestina, China-Taiwan, na rivalidade estratégica entre Estados
Unidos e China, no maior poder dos chamados atores não estatais, e em
um verdadeiro tsunami eleitoral, com cerca de 80 processos eleitorais em cerca
de 70 países. Economicamente, as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI)
para 2024 são em torno de 2,3% do PIB. A região crescerá menos que a média
mundial e caminhará para uma nova década perdida (2014-2023), crescendo a menos
de 1% do PIB anual.
Este
ano não será de marés rosas nem de ondas azuis para a região. Prevê-se um
enfraquecimento do voto de punição aos oficialismos, um maior equilíbrio entre
continuidade e mudança, gerando uma maior diversidade ideológica entre os
líderes. A prevalência de governos de esquerda ou
centro-esquerda (maré rosa) que existia na América
Latina no início de 2023 diminuiu devido às vitórias de líderes de direita ou centro-direita
no Paraguai, Equador e Argentina, e algo semelhante pode
ocorrer durante este ano nas seis eleições presidenciais.
Em
termos de riscos políticos em 2024, nosso relatório revela novamente que o
principal é o crime organizado, a insegurança e o tráfico de drogas. De acordo com o IV
Estudo Mundial sobre Homicídios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime (ONUDD), o crime organizado é responsável por cerca da metade dos
homicídios na América Latina e no Caribe. Além disso, 8 em cada
10 países com as taxas de homicídios mais altas do mundo estão na América
Latina e no Caribe.
Um
caso sintomático é o Equador, um país que no passado era relativamente
seguro, mas que se tornou um local de trânsito de drogas e terreno fértil para organizações
criminosas. As estatísticas desse país são
assustadoras: em apenas cinco anos, a taxa de homicídios aumentou em cerca de
800%, chegando a 46 a cada 100.000 habitantes. Os níveis recordes de produção
de cocaína no Peru, Bolívia e Colômbia têm contribuído
para o aumento da violência entre grupos criminosos locais e internacionais no
Equador.
O
segundo lugar dos riscos políticos é ocupado pelo aumento da corrupção e
impunidade, com a região estagnada nessa questão e países
como Uruguai, Chile e Costa Rica - tradicionalmente
com bom desempenho - sendo vítimas desses episódios. A vulnerabilidade no
controle das fronteiras territoriais e os baixos níveis de coordenação judicial
têm facilitado a atuação de atores ilegais. Além disso, nos últimos anos,
vários presidentes foram condenados pela justiça por corrupção: Juan Orlando Hernández (Honduras), Rafael Correa (Equador), Elías A. Saca (El Salvador), Cristina Kirchner (Argentina), Otto Pérez Molina (Guatemala), Horacio Cartés (Paraguai), entre outros. Em termos de
cultura política, será necessário revisar as estruturas de incentivos para
modificar o comportamento social, permitindo romper as dinâmicas entrelaçadas
de aceitação e tolerância à corrupção.
A
desafeição democrática ocupa o terceiro lugar neste ano, com um sinal
alarmante: mais da metade dos latino-americanos é indiferente ao regime
político, desde que o governo resolva seus problemas, abrindo espaço para lideranças de cunho populista e
autoritário. Segundo o último relatório do Índice
de Democracia de 2022, na região, apenas Uruguai, Costa
Rica e Chile são democracias plenas,
e Panamá, Argentina, Brasil, Colômbia e República
Dominicana classificam-se como democracias incompletas. Além disso, oito
países são regimes híbridos
(Peru, Paraguai, Equador, México, Honduras, El
Salvador, Bolívia e Guatemala), e quatro são regimes
autoritários (Haiti, Cuba, Nicarágua e Venezuela). Em
comparação com outras regiões analisadas no índice, a América Latina apresenta
a maior recessão democrática durante as duas últimas décadas.
A
lista de riscos é seguida pela governabilidade sob pressão e rápida perda de
apoio dos líderes, deixando para trás a chamada lua de mel do primeiro ano de
governo (4º). Uma profunda crise de representação está afetando a confiança nos
partidos políticos tradicionais e transferindo as expectativas para novas
lideranças com estrutura e experiência de gestão limitadas, o que dificulta a
construção de bases sólidas de governabilidade ao chegar ao poder.
O
aumento dos fluxos migratórios ocupa o quinto lugar. Atualmente, o mundo abriga
7,7 milhões de migrantes venezuelanos, dos quais 6,6 milhões residem na América Latina,
concentrando-se principalmente na Colômbia (2,9 milhões) e
no Peru (1,5 milhão). O aumento dos fluxos migratórios tem exercido
pressão adicional sobre os serviços públicos na América Latina. O crescimento
demográfico sobrecarregou os sistemas de saúde, educação e moradia,
apresentando desafios consideráveis para os governos em níveis local e
nacional. A falta de recursos suficientes para atender a essas crescentes
demandas tem gerado tensões sociais e conflitos entre migrantes e comunidades
receptoras, especialmente em países
como Colômbia, Chile, Equador e Peru.
A radicalização das protestos sociais (6º), em um cenário econômico medíocre e altos níveis de
desconfiança nas instituições públicas, aparece novamente como um risco
político. Embora os protestos tenham sido "anestesiados" em 2020
devido às quarentenas, em 2021, 2022 e 2023, reapareceram em diferentes
países. Brasil, Peru e Panamá foram alguns exemplos de
que os protestos e sua radicalização continuam sendo um risco político na
região. Para 2024, com uma economia desacelerada, altos níveis de desconfiança
pública e dificuldades de governabilidade, os protestos e sua radicalização
podem retornar.
A
instabilidade internacional, com diferentes focos de conflito, ocupa o sétimo
lugar. O mundo entrou em uma fase de menor contenção de conflitos, e as
potências parecem ter menor capacidade de direcionar as tensões globais.
Enquanto Estados Unidos e China estão em confronto
estratégico, a Rússia se destaca como um elemento desestabilizador
global, e o sistema multilateral liderado pelas Nações Unidas parece
impotente diante da crise humanitária sem precedentes
em Gaza.
A
deterioração do clima de negócios devido à falta de certeza jurídica e
políticas de atração de investimento estrangeiro ocupa o oitavo lugar. Apesar
das condições favoráveis da região, como a alta disponibilidade de minerais
críticos e alto potencial para o desenvolvimento de energias renováveis, ainda persistem medidas contrárias à liberdade para
desenvolver negócios, a falta de um discurso mais robusto para incentivar a
atração de investimento estrangeiro e o excesso de burocracia para o
desenvolvimento de projetos.
O
impacto da tecnologia na política como forma de manipulação da opinião pública ocupa o nono lugar. As últimas eleições na América
Latina refletem uma sociedade que exige mudanças tão rápidas quanto a
informação que recebe. Essa nova cidadania, carregada de informação, tem
mobilizado seu apoio a líderes que podem construir um discurso fácil de digerir
e viralizar.
Por
fim, a vulnerabilidade às mudanças climáticas ocupa o décimo lugar. Essa vulnerabilidade coloca em risco
questões relevantes como a segurança alimentar, a escassez de recursos
hídricos, uma maior dificuldade em lidar com eventos climáticos extremos e uma
capacidade de adaptação cada vez mais complexa das comunidades mais
desfavorecidas. Além disso, será necessário observar com atenção o
fenômeno El Niño,
que traz consigo fenômenos naturais extremos.
Não
são todas más notícias. A América Latina tem uma oportunidade única de dar um
salto: os minerais críticos para a economia do futuro estão na região, como
cobre, cobalto, níquel ou lítio,
onde Bolívia, Argentina e Chile concentram cerca de
60% das reservas mundiais. As grandes potências entendem isso e continuam
observando a região por meio de iniciativas globais como a Aliança para a
Prosperidade Econômica nas Américas, dos Estados Unidos, o Cinturão e
Rota, da China, e a iniciativa Global Gateway, da União Europeia. O
liderança política tem a palavra.
Fonte:
Deutsche Welle/El País
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