Coordenado
por monarquista, curso ligado à Brasil Paralelo forma professores de história
No
final de 2023, me matriculei no curso à distância (EAD) de licenciatura em
História do Centro Universitário Ítalo Brasileiro. Aprendi noções de História
do Brasil e do mundo, historiografia e até alguma coisa de psicologia e
matemática – como é comum em outros cursos de História. A diferença, porém, é
que o meu curso é uma parceria com a produtora de extrema direita Brasil
Paralelo e coordenado pelo bolsonarista e monarquista Rafael Nogueira, que foi
presidente da Biblioteca Nacional entre 2019 e 2022, durante o governo
Bolsonaro.
Quando
a formação começou a ser oferecida em parceria com a Brasil Paralelo, em 2022,
a ligação com a produtora foi anunciada na página que divulgava o vestibular.
Ela estava no ar até semana passada, mas foi removida após a nossa reportagem
entrar em contato com a universidade. O texto que pedia a inscrição trazia no
pé da página o aviso de que o curso tinha “apoio da Brasil Paralelo”.
“Somando-se
ao cenário da educação brasileira e a real necessidade de educadores
competentes e comprometidos em prol da qualidade da educação, a Brasil
Paralelo, em parceria com o Centro Universitário Ítalo Brasileiro, oferece o
vestibular especial de licenciatura em História”, dizia a página, próximo à
logomarca da produtora.
Hoje,
o site do curso não traz nenhuma menção à Brasil Paralelo. Mas a ideologia
conservadora, marca da produtora, aparece em toda a base curricular do curso,
que cita entre os seus diferenciais o de “não omitir a versão cristã da
História”.
Apesar
da ausência do nome da produtora nas divulgações mais recentes, funcionários do
Centro Universitário Ítalo Brasileiro afirmaram à reportagem que o conteúdo das
disciplinas foi feito em conjunto com a Brasil Paralelo. O conteúdo das
disciplinas e os professores, muitos ligados diretamente à Brasil Paralelo,
também são os mesmos.
De
fato, o teor das aulas é muito parecido com os documentários, vídeos, matérias
e outros tipos de conteúdo veiculados pela produtora. A Brasil Paralelo afirma
que tem como propósito “resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no
coração de todos os brasileiros”, que “busca a pluralidade de opiniões” e tem
como valores inegociáveis a verdade, a união e a diplomacia, entre outros. Mas
o conteúdo produzido por ela propala ideias conservadoras, negacionistas e de
desrespeito a minorias.
O
curso foi aprovado pelo MEC em 2019 – mesmo ano em que Rafael Nogueira passou a
presidir a Biblioteca Nacional – , o que significa que todos que o concluem
podem dar aulas de História para estudantes da educação infantil e ensinos
fundamental e médio.
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Por que isso importa?
• O curso de licenciatura em história,
ligado à Brasil Paralelo, forma professores de história com uma “visão cristã”.
Aprovado pelo governo Bolsonaro quando o coordenador era presidente da
Biblioteca Nacional, o curso defende, por exemplo, a atuação dos jesuítas
contra indígenas, que os reis eram enviados divinos e as Cruzadas promovidas
pela Igreja Católica foram algo necessário.
Em
nota, o MEC afirmou que o curso “funciona de acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais vigentes à época do reconhecimento”, e que as
instituições têm um prazo de dois anos para se adequarem a novas normas.
Procuramos
também o grupo Ítalo, o coordenador do curso Rafael Nogueira e a Brasil
Paralelo, mas não obtivemos resposta até a publicação desta reportagem. O
espaço permanece aberto.
Com
crescimento de 700% entre 2012 e 2022, os cursos EAD atualmente formam seis em
cada 10 professores no Brasil. No fim do ano passado, entidades como o Todos
pela Educação e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência pediram ao
governo federal medidas urgentes na regulação da educação à distância para a
formação de professores.
Levantamento
feito por eles mostra que os cursos EAD têm notas menores e maior evasão que os
presenciais.
• Dancinha na aprovação
Para
entrar no curso, não tive que gastar muita energia. Havia duas opções: enviar o
diploma da graduação ou escrever 800 caracteres (cerca de dois parágrafos)
sobre o tema “consequências da pandemia”. Optei por enviar o texto, que pedi
para o Chat GPT escrever. Assim que o enviei, fui automaticamente aprovada.
Apareceu na tela um gif da dança característica do Carlton, personagem do
seriado Fresh Prince of Bel Air.
Página
de aprovação do curso em história do Centro Universitário Ítalo Brasileiro em
parceria com a produtora Brasil Paralelo
Quase
não há contato com outros alunos do curso, exceto em um fórum onde é possível
tirar dúvidas com um tutor. Não dá para saber, portanto, se os demais
estudantes procuraram o curso por causa do seu viés ideológico ou se se
matricularam desavisados do seu conteúdo.
As
mensalidades são acessíveis – custam menos de R$ 300 – e o ritmo de estudos é
bastante tranquilo: há uma disciplina por mês, com alguns poucos vídeos e
exercícios. As aulas são assíncronas, cada aula é oferecida por um professor e
ficam disponíveis no sistema. Cada professor tem liberdade sobre o número de
vídeos e a duração de cada um.
Assistindo
às aulas com alguma atenção, não é difícil ser aprovada.
Ainda
não está claro como o curso continuará sendo oferecido nos próximos semestres,
já que o Ministério da Educação (MEC) determinou recentemente que cursos de
formação de professores tenham um limite de 50% do tempo à distância. Este é
100% à distância.
As
regras não afetam quem já está matriculado, mas passam a valer para novos
ingressantes.
• Coordenado por monarquistas e
olavistas
O
curso é coordenado pelo autodeclarado monarquista Rafael Nogueira, que foi
presidente da Biblioteca Nacional entre 2019 e 2022, durante o governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro. Até ser escolhido para gerenciar a mais antiga
instituição cultural brasileira, Nogueira era conhecido apenas como discípulo
do falecido filósofo Olavo de Carvalho – a quem homenageou com um busto em sua
casa e com quem compartilhava, segundo ele mesmo, “o gosto pelo tabaco e pelos
cães”.
Nogueira
também ministra cursos oferecidos na plataforma da Brasil Paralelo. Em um
deles, batizado de “Titãs da Civilização Ocidental”, ele fala por mais de 11
horas sobre “alguns dos maiores autores da Grécia Antiga à Modernidade
brasileira”. Outro curso oferecido por ele, “O que é a amizade?”, ensina como
fazer bons amigos.
Os
outros professores têm perfil parecido com o de Nogueira. O vice-coordenador,
Armando Alexandre dos Santos, é autor do livro “Tudo o que você precisa saber
sobre a monarquia no Brasil” e é chamado de “veterano monarquista e antigo
amigo da família imperial brasileira”, além de ser especializado em História
Militar e autor de livros religiosos. Thomas Giulliano é colaborador de
documentários da Brasil Paralelo e escreveu o livro “Desconstruindo Paulo
Freire”. Os demais professores também deixam claro que seguem o mesmo script –
se apresentam como católicos, professam ideais conservadores e flertam com a
“filosofia” de Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo.
O
curso de História da Ítalo em parceria com a Brasil Paralelo foi autorizado
pelo MEC em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, e tem permissão para
abrir mil vagas por ano. Na minha turma há 150 alunos, mas novas pessoas podem
entrar periodicamente.
O
curso recebeu nota 4 em Conceito de Curso (CC), na qual técnicos do MEC avaliam
sua estrutura e plano pedagógico. Mas, no Conceito Preliminar de Curso (CPC),
uma nota que considera o CC junto com o desempenho de alunos e qualificação de
professores, o curso recebeu a nota 2 – considerada insatisfatória. Cursos com
nota 1 e 2 devem obrigatoriamente receber uma visita de técnicos do MEC para
reavaliação.
Procurado,
o MEC informou que “a supervisão da educação superior decorrente de indícios de
deficiência na qualidade é realizada em instituições e cursos de educação
superior rotineiramente”. A nota explica que se há “índices insatisfatórios de
qualidade”, a instituição tem a chance de “sanear as deficiências constatadas
por meio da abertura de processo regulatório”. Caso isso não aconteça, pode ser
feito um Protocolo de Compromisso, e apenas se ele não for cumprido, “é
iniciado o processo de supervisão propriamente dito, em que a instituição
apresentará suas razões e providências instrutórias são adotadas para que, ao
final, seja aplicada penalidade ao curso, que pode configurar uma redução de
vagas autorizadas ou até mesmo na sua desativação.”
• Projeto Mecenas
A
proximidade entre a Brasil Paralelo e o grupo educacional é notória. O centro
universitário faz parte do Projeto Mecenas da produtora, uma iniciativa em que
empresas e pessoas físicas assinantes pagam por outras assinaturas, que são
distribuídas de graça para algumas instituições sociais e de ensino. Além da
Ítalo, o Projeto Mecenas também tem como parceiros a Faculdade da Polícia
Militar, o G10 Favelas e o colégio Liceo Santo Amaro – que também pertence ao
grupo Ítalo.
Em
2022, a universidade foi um dos primeiros lugares que exibiu o documentário “O
fim da beleza”, da Brasil Paralelo, que fala sobre o Brasil supostamente ter se
afastado dos “valores tradicionais da beleza”. Os reitores também participaram
de uma sessão especial de exibição do filme “A oficina do diabo”, que seria a
primeira obra de ficção da produtora, mas teve a estreia adiada por tempo
indeterminado porque a empresa não tinha os direitos autorais da obra inspirada
do escritor americano C.S Lewis.
Em
setembro deste ano, a Ítalo vai sediar um congresso de educação católica. Ao
menos quatro dos oito palestrantes anunciados são figurinhas carimbadas de
produções da Brasil Paralelo.
O
grupo educacional foi fundado há 70 anos, mas apenas recentemente se
transformou em uma instituição reconhecidamente católica. Isso aconteceu quando
o chanceler Marcos Vinícius Cascino, neto do fundador Pasquale Cascino, num
“momento tenso do trabalho”, entrou em uma igreja e se sentiu “profundamente
tocado por Deus”, como ele relatou em um podcast católico.
Depois,
fez o necessário para que a universidade passasse a abrigar missas e eventos
ecumênicos e mandou adaptar todo o material didático dos cursos. “Fizemos um
processo de curadoria do nosso conteúdo para que não tivesse nada que
afrontasse a Igreja Católica”, ele disse no mesmo podcast. Segundo ele,
professores e alunos não ofereceram resistência à mudança.
O
reitor da universidade, Marcos Antonio Cascino, tem uma ideologia parecida com
a do filho Marcos Vinícius. Ele já postou nas redes sociais foto com o slogan
da campanha de 2018 de Jair Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de
todos”), conteúdo negacionista sobre a pandemia de Covid-19, elogios às Forças
Armadas e à ditadura militar, e até posou com uma máscara do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva como zumbi.
• Escola Sem Partido
Uma
das primeiras coisas que fiz após ganhar acesso à biblioteca online da Ítalo,
acessível a todos os alunos dos cursos EAD, foi procurar se havia materiais
relacionados à Brasil Paralelo disponíveis. Encontrei duas menções em um dos
livros do catálogo: “Prática Pedagógica da Educação Física no Contexto
Escolar”, lançado pela editora Sagah, que pertence à própria plataforma da
biblioteca online.
Ao
tratar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a base comum do ensino público
brasileiro, aprovada em 2017, o livro sugere que o leitor assista a um vídeo da
Brasil Paralelo. “Há ainda uma névoa que permeia o horizonte formativo na BNCC.
Será este o caminho para alavancar o cenário educacional brasileiro?
Objetivando responder a esta e outras dúvidas, sugerimos agora que assista ao
vídeo ‘Governo implementa currículo obrigatório para todas as escolas’, do
canal Brasil Paralelo”, diz.
O
vídeo em questão reproduz pontos-chave das propostas do movimento “Escola sem
partido”, que quer acabar com uma suposta “doutrinação de esquerda” em sala de
aula. Conta com entrevistas de Olavo de Carvalho, o ex-ministro bolsonarista
Abraham Weintraub e o autointitulado “príncipe” Luiz Phillipe de Orleans e
Bragança (o político não faz parte da linhagem real supostamente herdeira do
trono) defendendo que a BNCC transformou a educação brasileira em “cartilhas
doutrinárias com discurso único” e os professores em “militantes”.
Mais
adiante, o mesmo livro sugere que o leitor vá ao YouTube da Brasil Paralelo e
assista à série “Brasil Pátria Educadora”, um conjunto de vídeos em que a
produtora desanca o sistema de ensino brasileiro e o educador Paulo Freire.
• Indígenas eram “muito aptos à
cristianização”
A
primeira disciplina do curso de História foi “Brasil Colonial I”, ministrada
pelo professor Lucas Ribeiro Fernandes, um fã do jogador Neymar, da monarquia
brasileira (especialmente da princesa Isabel) e de Jesus Cristo, de acordo com
as suas redes sociais.
A
aula começa com a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500. Um texto de 10
páginas relata este momento, sem, no entanto, citar conflitos com os povos
originários. Pelo contrário, há mais ênfase que os portugueses passaram a
celebrar missas assim que chegaram e que os nativos eram “muito aptos para a
cristianização”. Em vez de mencionar o genocídio e a escravidão de povos
indígenas, o curso elogia os jesuítas, que tentavam, de acordo com a aula,
“garantir que aqueles povos, que até então viveram encobertos do resto do
mundo, pudessem acessar as verdades eternas como qualquer europeu”, escreveu.
O
professor nega que a imposição da religião católica aos nativos seria um
“instrumento ideológico de manutenção do poder e sobreposição da cultura
indígena”, porque, segundo ele, os padres estariam apenas lutando contra
“costumes ultrapassados ou mesmo absurdos” como a nudez, a poligamia e a
antropofagia.
Há
um módulo inteiro sobre a importância dos jesuítas para “a concretização da
evangelização e da pacificação da colônia”. “Busca-se hoje desmerecer ou
obliterar o papel desses religiosos na proteção do nativo, mas essa é uma
atitude que as fontes não nos permitiriam adotar”, escreveu o professor.
Outros
assuntos, como os interesses políticos e econômicos de Portugal com as suas
colônias, são tratados apenas de modo superficial.
Já
a disciplina “Historiografia e Teoria da História”, do professor Armando
Alexandre dos Santos, se dedica a explicar por que é importante para um
historiador não julgar fatos históricos com o entendimento que se tem hoje, já
que a história é contada segundo a visão de mundo dos que a escreveram. O ponto
que chama a atenção, porém, é a atenção que ele dá à “visão cristã” da
história, denotando que seria a mais correta.
Para
ele, o cristianismo foi o primeiro e único responsável por criar uma relação
fraternal entre os seres humanos e a reconhecer a liberdade dos homens. Ele
também ensina que o juízo final, entendido pelos cristãos como o dia em que
Deus irá julgar todas as pessoas que já passaram pela Terra, como a “Magna Aula
de História”.
“Será
o momento em que tudo se revelará, em que todas as tramas da História se
patentearão, em que todo o encadeamento de causas e efeitos, nos acontecimentos
humanos, se tornarão claros diante de todos os homens reunidos. Nesse momento,
todos os mistérios da História Universal se revelarão, todos os crimes,
conspirações e tramas que ficaram ocultos ao longo dos séculos e dos milênios
serão devidamente postos a nu”, diz.
Não
existe evidência científica de que haverá um juízo final.
Santos
ensina que os marxistas e freudianos colocam o homem em uma posição de
marionete que apenas reage à economia e ao próprio inconsciente. “Todos esses
creem que tudo é regido por leis que vamos realizando passivamente, sob a
ilusão de estarmos agindo livremente”, escreveu.
A
disciplina também encoraja que estudiosos tenham fé: “O filósofo que não tem
fé, ou que tem fé, mas faz uma ablação artificial, desnecessária e prejudicial
entre a fé e a razão, esse vai se perder nos seus raciocínios, sempre duvidando
de si mesmo e jamais alcançando a certeza. Não será um filósofo no sentido
pleno; apenas rastejará na vida de pensamento, jamais voará”.
Raciocínios
muito semelhantes apareceram nas outras matérias do curso. As aulas sobre Idade
Média fazem uma defesa dos reis como enviados divinos e das Cruzadas como
necessárias para pacificar um mundo que vivia constantes guerras. No entanto, o
professor reconhece que haviam “maus cristãos” na Igreja Católica e que
“algumas Cruzadas” eram feitas mais por interesse do que por fé – sem, no
entanto, explicar mais sobre isso.
O
professor Robinson Nascimento ensina também que historiadores que apontaram
abusos da Igreja católica seriam “anticatólicos”.
“O
predomínio da Igreja no Medievo é um fato, ninguém o nega ou põe em dúvida. O
que se debate é como julgar esse fato. Autores anticatólicos escreveram farta
literatura crítica, acusando a Igreja de toda espécie de interesses espúrios e
até criminosos. Mas a verdade é que, na emergência concreta em que estava a
Europa invadida pelos povos bárbaros, foi a Igreja que salvou a Europa; mais do
que isso, construiu-a, formou-a, civilizou-a”, escreveu o professor Robinson
Nascimento.
A
última disciplina que cursei antes de escrever esta reportagem foi ministrada
pelo próprio Rafael Nogueira, “Formação e Consolidação do Império Brasileiro
1808-1840”. No vídeo de introdução às aulas, ele se apresenta e diz que estava
gravando aquelas aulas em 2021, pouco antes do bicentenário da independência
brasileira, quando ele ainda era presidente da Biblioteca Nacional.
“Os
200 anos da Independência marcam a efeméride mor da pátria”, ele diz no vídeo.
“E eu espero que vocês estejam depois maduros para pensar o Brasil e responder
à grande pergunta ‘O que é o Brasil?’ e ‘O que são os brasileiros?'”.
Sobre
o processo de colonização portuguesa na África, Nogueira faz uma relativização
da escravidão em um dos textos que escreveu para a disciplina. “Diferentemente
do modo como a historiografia moderna muitas vezes a apresenta, a bula Dum
Diversas não parece autorizar a escravidão. Basicamente, ela surge aos cristãos
como um meio de defesa apto a acabar com aquele conflito, que se exerceria,
porém, subjugando, buscando e capturando os inimigos. Não era uma chancela
eclesiástica à escravidão”, ele escreve.
A
Dum Diversas foi uma bula do papa Nicolau V, publicada em 1452, que concede
“plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos
e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que
estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras
propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e apropriar e
converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal, em
perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras
propriedades, possessões e bens semelhantes”.
Atualmente,
até a própria Igreja Católica reconhece que atos papais que permitiam que reis
se apossassem de propriedades e povos de regiões colonizadas “nunca foram
considerados expressões da fé católica”e “não refletiam adequadamente a igual
dignidade e direitos dos povos indígenas”.
A
nota foi publicada pelo Vaticano em março de 2023, mas a disciplina de Nogueira
não foi atualizada.
• “Assustador”
“É
um pouco assustador a gente saber que isso está acontecendo e não há um debate
no meio acadêmico”, diz Carolina Santos Pinho, doutora em Educação, professora
e pesquisadora do Instituto Federal da Bahia, ao ser perguntada a respeito do
curso oferecido pela Ítalo com a Brasil Paralelo.
“Com
esse curso eles comprovam que existe, sim, uma ideologia, e que a ideia do
Escola sem Partido, que foi tão propagada pela extrema direita, é uma falácia.
Eles precisam se decidir: ou dizem que não têm ideologia ou criam cursos
alinhados à extrema direita”, afirma.
Ainda
de acordo com a pesquisadora, deveria haver um aviso para os interessados em
ingressar nesse curso sobre a sua orientação ideológica. “A História já foi
contada a partir dessa perspectiva. Currículo é disputa de poder. Enquanto
houver disputa de poder, haverá disputa pela epistemologia [ciência do
conhecimento]”.
Já
o professor e historiador Murilo Cleto, que fez a sua tese de doutorado pela
Universidade Federal do Paraná sobre o revisionismo histórico da Brasil
Paralelo, afirma que o curso reforça as suas conclusões.
Para
ele, a Brasil Paralelo tem uma relação dúbia com a universidade. Ao mesmo tempo
em que a ataca por supostamente reproduzir o “marxismo cultural”, também busca
a sua legitimidade.
“Abrir
um curso de História, reconhecido pelo MEC, é uma forma de revestir de
legitimidade institucional os discursos sobre o passado, até então marginais no
debate público”, disse. “Sob a justificativa de lançar luz sobre uma visão
cristã da história, supostamente omitida pelos cursos de licenciatura fora
deste nicho, eles reabilitam uma historiografia hegemônica no século 19, que já
foi superada por novas perspectivas — que por sua vez são deixadas de lado ou
reduzidas a caricaturas.”
Fonte:
Por Amanda Audi, da Agencia Pública
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