terça-feira, 18 de junho de 2024

Como guerra na Ucrânia mudou mercado global de barrigas de aluguel

Ucrânia costumava ser um destino popular para quem busca barriga de aluguel na Europa, mas, desde a invasão em grande escala da Rússia, estima-se que o número de nascimentos no país tenha caído 90%.

Agora, os futuros pais estão indo para a Geórgia, onde os preços anunciados estão disparando.

Mas há preocupações quanto à pressão exercida sobre as mulheres, muitas das quais estão sendo recrutadas a partir do exterior agora.

"Eu não estaria fazendo isso se não fosse pelo dinheiro", diz Alina. A mulher de 37 anos, cujo nome foi modificado para preservar a identidade dela, se inscreveu em uma agência de barrigas de aluguel na Geórgia para engravidar para outro casal.

Ela vai receber US$ 500 (cerca de R$ 2,7 mil) por mês durante a gestação, e US$ 15 mil (aproximadamente R$ 81 mil) após o parto.

"Quero ajudar as famílias que não conseguem ter seus próprios filhos", ela acrescenta. "Vejo muitas famílias que são desfeitas porque não podem ter filhos."

"[Mas] antes de tudo, preciso do dinheiro, preciso dar o melhor para minha família. Devo ser forte por mim e pelos meus filhos."

Globalmente, o mercado de barriga de aluguel é uma indústria multibilionária.

Alina foi recrutada por uma agência georgiana em seu país natal, o Cazaquistão, onde vive como mãe solteira de dois filhos. Durante o processo de barriga de aluguel, ela vai ganhar cerca de três vezes o valor que receberia em seu emprego normal, trabalhando em uma loja de roupas.

"Não me importo com nada, a não ser com meus filhos", diz ela, acrescentando que sente muita falta deles, enquanto espera para embarcar para a capital da Geórgia, Tbilisi, onde o embrião de um casal será transferido para o seu útero.

"Me preparei para isso, mas sinto que estou sozinha aqui, sem nenhum suporte."

·        Aumento na demanda

A Geórgia substituiu a Ucrânia como polo de barrigas de aluguel da Europa. Mas como o país tem uma população 10 vezes menor, as agências têm recrutado cada vez mais mulheres como Alina, provenientes da Ásia Central.

Os montantes envolvidos, que podem potencialmente representar uma mudança de vida, levantaram preocupações sobre as pressões exercidas sobre as mulheres, inclusive dentro da própria indústria.

"Olha, praticamente não há vantagens em ser barriga de aluguel, nossas jovens se sentem obrigadas", diz Damira Bekbergenova, diretora de uma agência de barrigas de aluguel chamada Bolashak ("Futuro", em cazaque).

"Nenhuma delas faz isso simplesmente de bom coração."

"Elas fazem isso por necessidade financeira, quase todas as mulheres estão tendo os bebês em prol do futuro de seus próprios filhos", explica.

A agência dela publica anúncios no TikTok e no Instagram para atingir mulheres com idade entre 20 e 34 anos, que já deram à luz um filho delas próprias.

O aumento na demanda por barrigas de aluguel faz com que ela se desloque constantemente entre seus três escritórios no Cazaquistão e, algumas vezes, até a China, para se encontrar com mulheres.

Embora o valor da barriga de aluguel tenha aumentado, Damira diz que o custo de vida no Cazaquistão também aumentou. Algumas mulheres estão se cadastrando como barriga de aluguel pela segunda ou terceira vez para poder saldar suas dívidas.

"Infelizmente, hoje em dia estamos cadastrando até professoras e médicas residentes que não têm mais condições de financiar sua formação, não tenho orgulho disso", diz ela.

"Sinto pena das meninas — não acho que o dinheiro que recebem valha a carga emocional que assumem."

“Fornecemos apoio psicológico que algumas agências não oferecem, mas mesmo assim é um estresse enorme para o corpo. Não é dinheiro fácil. É um trabalho muito duro."

Por que, então, ela está viabilizando e, na verdade, lucrando com isso?

"Ainda estou fazendo isso porque existe uma demanda crescente", afirma. "Precisa ser legal, legítimo, e beneficiar a todos."

Como ex-professora de direito, Damira diz que pede o máximo de proteção jurídica possível para todos os envolvidos no processo.

Ela afirma que foi contatada por muitas mulheres que, em casos extremos, não foram pagas ou foram levadas a participar do tráfico de menores em países onde a barriga de aluguel foi proibida.

·        Estigma

No entanto, nenhuma das mulheres que conhecemos se via como vítima. Muitas estavam orgulhosas da vida que estavam proporcionando para outras crianças, assim como para seus próprios filhos, e frustradas com o estigma em torno da barriga de aluguel em seu país de origem.

Sabina (nome fictício), que está grávida de sete meses do seu quinto filho — o terceiro que ela gera de outros pais — nos convidou para ir até seu apartamento no centro de Tbilisi.

A moradia é fornecida por sua agência de barriga de aluguel, e ela divide a sala de estar, cozinha e banheiro com até cinco outras mulheres grávidas na mesma situação. Elas devem passar pelo menos o último trimestre da gestação — normalmente mais tempo — morando na Geórgia.

O apartamento é iluminado, com pé direito alto e tem uma pequena varanda com vista para as montanhas do Cáucaso.

Para Sabina, que vem de uma pequena cidade na costa do Lago Balkhash, no Cazaquistão, e se casou aos 15 anos, a temporada "tranquila" na Geórgia oferece um refúgio contra as críticas que ela esperaria enfrentar em sua comunidade, onde ela diz que a barriga de aluguel é muitas vezes comparada à prostituição.

"A mentalidade simplesmente não é compatível com isso", diz ela. "As pessoas me julgariam e me acusariam de vender um bebê. Decidi não contar às pessoas para não ser condenada ao ostracismo quando voltar para casa."

"Como muçulmana, me perguntei se estava cometendo um pecado. Eu li sobre isso e pesquisei na internet. Acho que ter um filho é uma coisa boa, porque estou gerando uma vida, e fazendo o bem às pessoas que não têm condições de ter filhos."

"Não estaria fazendo isso de graça. Tenho filhos em fase de crescimento para alimentar, e meu filho mais velho vai para a faculdade em alguns anos. No Cazaquistão, eu teria levado o dobro do tempo para ganhar essa quantia de dinheiro."

·        Proibição legal

A polêmica em torno da barriga de aluguel gerou críticas de ambos os lados do espectro político na Geórgia.

Do lado liberal, grupos feministas reivindicam uma regulamentação mais rigorosa das instalações médicas e mais proteção contra o risco de exploração.

Em julho de 2023, o então primeiro-ministro, Irakli Garibashvili, do partido socialmente conservador Sonho Georgiano, anunciou planos para proibir a barriga de aluguel para estrangeiros. Ele disse que estavam "transformando este assunto em um negócio" — e que havia "muitos anúncios".

O governo da Geórgia, que tem frequentemente feito políticas e declarações consideradas anti-LGBT, também manifestou a preocupação de que "casais do mesmo sexo possam levar as crianças nascidas aqui".

No entanto, após o lobby feito pelas agências de barrigas de aluguel, o projeto de lei está parado no Parlamento da Geórgia diante das eleições no outono.

Muitas mães solteiras como Alina esperam que as portas para os benefícios financeiros que a barriga de aluguel proporciona permaneçam abertas.

"Quero iniciar o programa o mais rápido possível, para que termine o mais rápido possível", afirma.

"O tempo está passando rápido, meus filhos estão crescendo, então preciso fazer tudo rapidamente."

 

¨      Como negócio das barrigas de aluguel cresce na Colômbia

Encontrar uma barriga de aluguel na Colômbia é um processo simples.

Trata-se de uma prática relativamente comum no país — com muitas mulheres jovens recorrendo a esse tipo de gestação para sobreviver.

"Sou de Bogotá, alugo meu ventre", diz um anúncio em um grupo público do Facebook de uma jovem colombiana — e sua mensagem não é incomum.

Mery — uma venezuelana de 22 anos que agora mora na Colômbia — é uma das milhares de mulheres que oferecem seu útero para futuros pais em toda a América do Sul há meses.

Como a maioria das mulheres que anunciam nas plataformas, seu motivo é principalmente financeiro.

"Comecei quando me separei do meu marido. Ficamos juntos por quase cinco anos e temos dois filhos. Então, estou fazendo isso para ajudar um casal a conceber, mas mais para me ajudar a pagar as contas."

Mery ouviu pela primeira vez sobre a barriga de aluguel em um podcast, mas não pensou muito nisso até que sua situação financeira mudou.

Em meio ao aumento do custo de vida e com medo de não conseguir mais pagar as contas, ela passou a cogitar a possibilidade de alugar seu ventre.

Algumas mulheres cobram o equivalente a R$ 60 mil e outras, um terço disso, cerca de R$ 20 mil.

Mery não sabia quanto deveria cobrar. Ela viu anúncios que variavam entre R$ 40 mil e R$ 200 mil, então finalmente decidiu alugar sua barriga por R$ 50 mil a R$ 60 mil.

"Esse dinheiro me ajudaria a criar meus filhos, agora que estou sozinha", conta.

·        Sem regulamentação

Lucía Franco, uma jornalista colombiana que vem pesquisando a fundo esse mercado, diz ter ficado chocada ao descobrir como é fácil encontrar indivíduos alugando ou buscando uma barriga de aluguel no país.

"Não sabia que funcionava tão abertamente. Foi muito chocante encontrar tantos anúncios em redes sociais como o Facebook. São mulheres muito pobres, que alugam seus úteros porque essa é a única maneira para elas de se sustentar. E por valores bem baixos", diz.

A barriga de aluguel, termo popular para a "maternidade por substituição" ou "gestação de substituição", é uma prática legalizada na Colômbia, embora não seja regulamentada.

No Brasil, ela é permitida, desde que não haja pagamento pela gestação ou oferecimento de qualquer vínculo comercial.

Caso envolva dinheiro, a barriga de aluguel é considerada criminosa — o argumento é de que, constitucionalmente, é proibido no país trocar órgãos ou tecidos por dinheiro.

A prática pode culminar em penas de três a oito anos de prisão, além de multa. As punições são aplicáveis aos pais ou à mulher que gerou a criança.

Apesar disso, uma reportagem publicada pela BBC News Brasil em 2018 revelou que diversas mulheres brasileiras também se oferecem como barriga de aluguel em páginas e grupos de redes sociais.

No ano passado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) flexibilizou algumas das regras, não sendo mais obrigatório, por exemplo, que a barriga solidária tenha grau de parentesco com o casal ou com a mulher que pretende ser mãe.

Outras normas não foram alteradas: a mulher que cede o útero continua não podendo ser a doadora dos óvulos ou de embriões, entre outras.

·        'Vazio legal'

Em nota enviada à BBC, o Ministério da Saúde e Proteção Social da Colômbia admite haver um vazio legal.

"O governo está atualmente trabalhando em um projeto de lei para controlar as barrigas de aluguel uterinas", informou o órgão.

A pasta reconhece que as próprias clínicas de fertilidade acabam ditando as regras devido à ausência de um arcabouço regulatório.

Não há, por exemplo, registros oficiais do número de barrigas de aluguel ou de quantas vezes o procedimento foi realizado.

Franco diz que essa falta de regulamentação põe em risco tanto a mãe quanto o bebê — deixando as mulheres que oferecem barrigas de aluguel vulneráveis a abusos dos direitos humanos.

Em declarações ao jornal El País, o ex-deputado Santiago Valencia disse que as barrigas de aluguel são muitas vezes maltratadas e trancadas em apartamentos alugados pelas agências para controlá-las durante toda a gravidez.

A BBC entrou em contato com clínicas envolvidas na prática, mas não recebeu resposta de nenhuma delas.

Proibida em muitos países europeus, a barriga de aluguel acaba movimentando um mercado de agências e clínicas na Colômbia; os principais clientes são estrangeiros muitas vezes interessados em alugar um ventre com a menor burocracia possível.

·        Opções de barriga de aluguel

Existem duas opções de barriga de aluguel na Colômbia. A mulher pode não ter relação genética com o embrião — carrega apenas o óvulo fertilizado — ou pode doar o próprio óvulo e gestar o embrião por meio de inseminação artificial.

Quando uma mãe de aluguel dá à luz na Colômbia, seu nome deve constar na certidão de nascimento.

No entanto, subornos são comuns. Clínicas e médicos acabam recebendo dinheiro para registrar os nomes dos pais que pagaram pelo procedimento.

Dessa forma, o nome da mãe biológica não aparece na certidão de nascimento ou em qualquer registro.

Questionado sobre as supostas lacunas burocráticas nos registros das certidões de nascimento, o Ministério da Saúde e da Proteção Social admitiu tratar-se de uma preocupação grande do governo.

"Os dados que vão para a certidão de nascimento devem corresponder à pessoa que concluiu a gravidez e deu à luz, em coerência com o regulamento dos cuidados materno perinatal."

Mery também está pensando em subornar a equipe médica. Isso torna o processo mais barato, fácil e rápido para o casal que decide alugar o ventre e levar o recém-nascido de volta para o seu país natal, pois não precisa passar pelo processo normal de adoção, aumentando, portanto, suas chances de encontrar clientes.

Ela não se importa de onde são os pais, mas quer oferecer seus serviços de barriga de aluguel a um casal e "ajudar alguém que realmente quer e lutou por isso".

·        Marketing

Encontrar ofertas não é difícil; há muitas opções, com cada grupo do Facebook apresentando uma região ou solicitação específica.

"Alugo meu ventre. 22 anos. Sem filhos". "Quero ajudar uma família a realizar seus sonhos, sou saudável, sem vícios". "Clientes do Equador, por favor, enviem-me uma mensagem inbox... de preferência se puderem viajar para os EUA."

Estes são alguns dos anúncios com os quais a reportagem da BBC se deparou online.

Algumas mulheres postam fotos de seus filhos para mostrar as características que os pais em potencial podem estar procurando: "Minha filha tem olhos azuis claros. Mais fotos disponíveis."

Nos últimos anos, houve esforços para regulamentar esse setor. Membros do Congresso de diferentes partidos políticos, como o Centro Democrático, apresentaram um total de 16 projetos de lei ao Congresso para tornar a barriga de aluguel legal apenas quando não houver fins lucrativos — como no Brasil ou nos Estados Unidos. Nenhum dessas propostas avançou.

Em setembro de 2022, o Tribunal Constitucional da Colômbia determinou que o Congresso regulamentasse a barriga de aluguel, dando ao Congresso um prazo de seis meses para isso.

Até o momento, não houve progresso, embora um projeto de lei esteja em tramitação.

O objetivo da lei "é definir os parâmetros que regulam a barriga de aluguel para gravidez, entre outros, o atendimento e o processo clínico, o tipo de acordo entre as partes, as relações filiais e a proteção da barriga de aluguel [...]".

Franco argumenta que regular esse setor problemático é o primeiro e principal passo para lidar com seu crescimento acelerado. Em sua visão, a regulamentação também protegerá as mulheres vulneráveis que estão sendo encorajadas a alugar seu ventre.

A prática não é restrita à Colômbia. Aqueles que buscam barrigas de aluguel em países onde a prática é ilegal enfrentam inúmeras barreiras, mas mesmo onde ela é legalizada, há desafios como levar o recém-nascido de volta para casa.

Na Colômbia, esse processo é mais fácil, pois existem poucos impedimentos legais, e os nomes dos futuros pais costumam constar nas certidões de nascimento.

A barriga de aluguel pode ser gratificante para mulheres que buscam ajudar pessoas incapazes de conceber seus próprios filhos. Muitas fazem isso para realização pessoal — e não visando dinheiro.

Daniela, do Chile, por exemplo, diz estar alugando seu ventre "para ajudar uma família a realizar o sonho de ser mãe. A maternidade é muito especial e eu quero fazer parte disso".

Mas na Colômbia, Mery, assim como milhares de mulheres, a barriga de aluguel se tornou sinônimo de sobrevivência financeira.

 

Fonte: BBC World Service e BBC Russian

 

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