terça-feira, 18 de junho de 2024

'Balcão de negócios': cúpula da Suíça foi uma 'ofensiva diplomática' contra a Rússia, diz analista

Em vez de buscar uma solução definitiva para o conflito ucraniano, a cúpula da Ucrânia foi um grande "balcão de negócios" da indústria armamentista ocidental, segundo avaliou um especialista à Sputnik Brasil. Sem conseguir apoio do Sul Global à causa, até quando o Ocidente vai insistir em negociar a paz sem incluir Rússia?

Realizada no último fim de semana no resort de luxo de Buergenstock, em Lucerna, Suíça, a cúpula da Ucrânia não alcançou os resultados esperados, disse à Sputnik Brasil o geógrafo e doutorando em relações internacionais no Programa San Tiago Dantas, Tito Livio Barcellos Pereira.

Segundo o internacionalista, a cúpula nunca tentou encontrar de fato uma solução para o conflito ucraniano. Pelo contrário: ao reunir mais de 100 nações e organizações multilaterais, a ideia era criar uma espécie de "ofensiva diplomática" contra a Rússia.

As potências ocidentais, diz Pereira, queriam "firmar o engajamento dos países do Sul Global em apoiar a Ucrânia, inclusive militar". É importante lembrar que acordos de transferência de armas e dinheiro foram negociados nessa cúpula".

"Então, você não tem uma cúpula de paz, você teve praticamente um balcão de negócios [...] Você tem mais uma política de reafirmar esse apoio financeiro e militar à Ucrânia do que realmente promover uma mediação do conflito."

Ao não conseguir a assinatura de países chave do Sul Global, como África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, Indonésia, México, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Índia a cúpula foi um fracasso em todos âmbitos que se propôs. Não conseguiu encontrar uma solução para o conflito e não conseguiu criar uma frente diplomática contra a Rússia, avalia o especialista.

Ainda de acordo com ele, percebe-se que, apesar dos esforços "da diplomacia norte-americana e da diplomacia europeia para tentar mostrar que a causa ucraniana é uma causa mundial [...], o apoio à causa ucraniana ainda é mais concentrado naquela região euroatlântica".

Ou seja, regiões como a "América do Norte, os países da Europa, principalmente da Europa Ocidental, e os parceiros e aliados dos Estados Unidos ao redor do mundo, como Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia e o Canadá."

Sendo assim, destaca-se o esvaziamento desse encontro com a ausência do presidente Joe Biden. O presidente dos Estados Unidos enviou sua vice em seu lugar, Kamala Harris. Esta, por sua vez, nem ficou até o final, com o encontro sendo regido depois pelo conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan.

·        Até quando vão 'negociar' sem a Rússia?

Logo antes do encontro, o presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, detalhou sua proposta para o fim do conflito ucraniano, em que indica que "a realidade territorial ucraniana não é a mesma do começo do conflito", lembra Pereira. "Agora, o governo russo exige que a Ucrânia abandone suas pretensões de retomar os territórios perdidos."

Outro ponto-chave da proposta russa é a renúncia de Kiev de sua entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A entrada ucraniana na União Europeia "nunca foi um problema", sublinha Pereira.

"O problema é a Ucrânia optar por uma aliança militar liderada por rivais geopolíticos russos, que no caso são os Estados Unidos, e em menor escala os seus aliados europeus, principalmente a Grã-Bretanha e França, que são potências nucleares."

Já a proposta de Kiev pode ser resumida como uma "proposta de rendição incondicional" da Rússia, resume o analista. "Tem uma série de exigências que o regime ucraniano impõe, mas não tem uma garantia de contrapartida."

São elas o restabelecimento das fronteiras de 1991, a retirada imediata as forças militares russas do território ucraniano, a indenização dos danos materiais ocasionados no conflito e a criação de um tribunal para julgar possíveis crimes de guerra cometidos pela Rússia.

"Então você não tem exatamente uma proposta de paz, porque uma proposta de paz requer um tratamento de igualdade entre as partes beligerantes."

Essa condição, de que é necessária uma paridade de tratamento entre ambas as partes, é o que marca as propostas de paz de países como China, Brasil e Indonésia, medida que é vista como "pró-Rússia" por Kiev.

O governo brasileiro, exemplifica Pereira, "critica, sim, o governo Putin pela eclosão do conflito, mas reconhece que a parte russa precisa ser contemplada, senão não há uma mediação de conflito, não é uma negociação de paz."

"E também reconhece que antecedentes foram criados pelos europeus e pelo governo americano para que esse conflito ocorresse. Essa posição brasileira também é compartilhada pela China e também é compartilhada por outros países da Ásia e da África."

Nesse sentido, a teimosia de Kiev e seus aliados em tentar encontrar uma solução sem incluir os russos se torna uma "pregação para convertidos", mas pode estar próxima de acabar, afirma Pereira.

Oficialmente os líderes ocidentais vão "buscar mostrar união, coesão, reafirmar seu compromisso no auxílio financeiro, militar e diplomático à Ucrânia. Mas no cenário doméstico cada um desses líderes está lidando com problemas que "podem acabar influenciando seu comportamento".

"Você tem uma queda de popularidade entre os tolos governistas desses países ocidentais."

Na França, por exemplo, o presidente Emmanuel Macron dissolveu o Parlamento em meio a preocupações com a perda de popularidade do seu partido por um mais crítico da ajuda à Ucrânia. O mesmo acontece na Alemanha do chanceler Olaf Scholz e ainda há a perspectiva de "derrota fulminante" de Rishi Sunak primeiro-ministro do Parlamento britânico.

Além disso há toda a questão eleitoral nos Estados Unidos, onde há dúvida se Biden conseguirá ser eleito. "Todas essas transformações poderão culminar em certas mudanças políticas."

Para Pereira, é difícil dizer se o "desgaste político, econômico, social e diplomático" desses países vai alterar a relação deles com a Ucrânia, mas pode servir de pontapé para que esses políticos finalmente incluam a Rússia dentro dos planos de paz.

¨      Índia diz que não assinou declaração final porque requer participação russa

Embaixador que representou a Índia na conferência diz que o país participou do evento para compreender diferentes perspectivas, abordagens e opções para encontrar um caminho para uma resolução sustentável do conflito.

O Ministério das Relações Exteriores da Índia informou neste domingo (16) que o país não assinou a declaração final da cúpula sobre a paz na Ucrânia porque acredita que a resolução pacífica do conflito requer o envolvimento das duas partes envolvidas.

"A Índia não se associou a nenhum comunicado/documento resultante desta cúpula. A participação da Índia na cúpula, bem como nas anteriores reuniões baseadas na fórmula de paz da Ucrânia, estava alinhada com a nossa abordagem consistente para facilitar uma resolução duradoura e pacífica para o conflito através do diálogo e da diplomacia. Continuamos a acreditar que tal resolução requer um compromisso sincero e prático entre as duas partes no conflito", afirmou o ministério em comunicado.

O comunicado, assinado pelo embaixador Shri Pavan Kapoor, que representou a Índia no evento, acrescenta que a Índia participou da cúpula para compreender diferentes perspectivas, abordagens e opções para encontrar um caminho para uma resolução sustentável do conflito.

A declaração final da cúpula foi assinada por 84 das mais de 100 nações e organizações participantes do evento.

Integrantes do BRICS e países próximos do grupo se recusaram a assinar a declaração. Não assinaram o documento: África do Sul, Arábia Saudita, Armênia, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Índia, Indonésia, Líbia, México, Santa Sé, Tailândia e Brasil – representado pela embaixadora Cláudia Fonseca Buzzi. Iraque e Jordânia retiraram suas assinaturas posteriormente.

¨      Chancelaria suíça diz que cogita outra cúpula sobre a Ucrânia antes das eleições nos EUA

Chancelaria do país diz à Sputnik que a possibilidade de uma nova conferência antes de 5 de novembro, quando ocorre o primeiro turno das eleições americanas, não está descartada. Integrantes da OTAN temem que Donald Trump retire o apoio dos EUA a Kiev, caso seja eleito.

O chefe de comunicações do Ministério das Relações Exteriores da Suíça, Nicolas Bideau, afirmou à Sputnik neste domingo (16) que a próxima cúpula sobre a Ucrânia pode ser realizada antes das eleições presidenciais dos EUA, marcadas para 5 de novembro deste ano.

"Não está descartado que a próxima conferência sobre a Ucrânia seja realizada antes das eleições presidenciais dos EUA, em novembro", disse Bideau.

Os principais candidatos a disputar o pleito neste ano são o atual presidente dos EUA, Joe Biden, pelo Partido Democrata, e o ex-presidente Donald Trump, pelo Partido Republicano. Ambos obtiveram suficientes votos de delegados para se consolidarem como candidatos de seus respectivos partidos. Ministros da Defesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) temem que Trump retire o apoio de Washington a Kiev, caso seja eleito.

A Suíça organizou uma conferência sobre a Ucrânia no resort Buergenstock, nos arredores de Lucerna, que começou no sábado (15) e terminou neste domingo (16). Representantes de mais de 100 países e organizações participaram da conferência. A Rússia não foi convidada, embora seja uma das partes do conflito. A China, assim como outros países, optou por não participar do evento, enquanto o Brasil, que evitou enviar representantes do alto escalão do governo, foi representado pela embaixadora Cláudia Fonseca Buzzi.

Neste domingo, foi emitida uma declaração final da cúpula, que reafirmou o que classificou como "integridade territorial" da Ucrânia. O Brasil e a África do Sul, Arábia Saudita, Armênia, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Índia, Indonésia, Líbia, México, Santa Sé e Tailândia não assinaram o documento, enquanto Iraque e Jordânia retiraram suas assinaturas posteriormente.

Embora tenha tomado algumas medidas hostis contra a Rússia nos últimos meses, a Armênia ainda se mantém como uma aliada formal de Moscou e dos países do BRICS que não assinaram o documento.

No final da cúpula, Vladimir Zelensky atacou a diplomacia do Brasil e da China, ao ser questionado sobre as ausências de Pequim e do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, no evento.

Zelensky sugeriu que a China e o Brasil não compartilham dos mesmos princípios de civilização que os signatários da declaração final da cúpula.

Em coletiva dada neste domingo, ao final de sua agenda de trabalho na Suíça, onde participou da 112ª Conferência Internacional do Trabalho, e na Itália, onde participou da Cúpula do G7, Lula disse que recebeu o convite da presidente do Conselho Federal da Suíça, Viola Amherd, para participar da conferência sobre a Ucrânia. Mas explicou que declinou o convite porque "o Brasil só participará de reunião para discutir a paz quando os dois lados em conflito estiverem sentados na mesa". Ele enfatizou que é impossível resolver o problema "reunindo só com um" dos envolvidos.

·        Trump critica Zelensky: 'Cada vez que vem ao nosso país, sai com 60 bilhões de dólares'

O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, aproveitou um evento de campanha para criticar o ucraniano Vladimir Zelensky, que leva consigo bilhões de dólares sempre que visita Washington, segundo o político republicano.

O pré-candidato presidencial descreveu o Zelensky como "o melhor vendedor de todos os políticos que já existiram" e criticou a administração Biden por "desperdiçar" os recursos da nação norte-americana.

"Acho que Zelensky é talvez o melhor vendedor de todos os políticos que já existiram. Cada vez que ele vem ao nosso país, ele sai com US$ 60 bilhões [equivalente a R$320 bilhões]", disse Trump durante a Convenção Popular da Turning Point Action, em Detroit.

"Depois ele chega em casa e anuncia que precisa de mais 60 bilhões de dólares. Isso nunca acaba. Nunca acaba. Vou consertar isso", disse o republicano, que já havia insistido que Washington deveria parar de conceder fundos de milhões de dólares a Kiev.

Segundo Trump, a ajuda militar à Ucrânia resultou na escassez de munições do Exército dos EUA, tudo devido à "generosidade" de Biden , afirmou.

¨      Assistência dos EUA à Ucrânia cai para indicadores mínimos, diz general ucraniano

A ajuda dos EUA à Ucrânia diminuiu para indicadores mínimos, disse o ex-vice-chefe do Estado-Maior das forças ucranianas e general aposentado Igor Romanenko, em entrevista ao canal de TV NTA.

"O presidente dos EUA pediu desculpas ao nosso presidente pela suspensão do fornecimento de armas, após o que ele forneceu mais um pacote no valor de US$ 225 milhões [R$ 1,208 bilhão]. Não houve um indicador tão baixo [de assistência] até essa pausa de meio ano, e isso após não ter havido fornecimento todo esse tempo", reclamou ele.

O general também lembrou que o chefe da Casa Branca, Joe Biden, havia prometido entregar à Ucrânia os sistemas de mísseis antiaéreos Patriot que estão na Polônia, mas logo o presidente polonês Andrzej Duda se recusou a fornecê-los. De acordo com Romanenko, o chefe do Pentágono, Lloyd Austin, não teve outra escolha a não ser afirmar que os EUA não planejavam enviar mísseis antiaéreos da Polônia para a Ucrânia.

"São estas as relações que temos entre nós e nossos aliados", concluiu ele.

Moscou tem repetidamente afirmado que a assistência militar ocidental não augura nada de bom para a Ucrânia e apenas prolonga o conflito, e o transporte com armas se torna um alvo legítimo para o Exército russo.

·        Ex-agente da CIA afirma que a OTAN 'está um caos' devido à questão da Ucrânia

A divisão dentro da Aliança do Atlântico Norte quanto à Ucrânia continua crescendo, disse o ex-agente da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) Larry Johnson, em entrevista ao canal no YouTube Dialogue Works.

"Os EUA pressionaram a Alemanha e a Polônia a entregar as baterias de mísseis Patriot à Ucrânia, mas eles disseram 'não'. […] Depois a Hungria diz que não vai fornecer nada à Ucrânia, a Eslováquia está tentando levar à justiça o cara que queria vender ou realmente vendeu alguns aviões à Ucrânia, por isso a cisão está crescendo na OTAN. […] Se você olhar objetivamente de fora, pode ver que a OTAN está um caos", disse o especialista.

Segundo Johnson, a União Europeia não faz muito esforço para apoiar o regime de Kiev, já que na verdade se trata de uma questão de países individuais dispostos a fazê-lo. Além disso, há sinais de que Bruxelas está começando a mudar a retórica, acrescentou o ex-agente da CIA.

Moscou tem repetidamente afirmado que a assistência militar ocidental não augura nada de bom para a Ucrânia e apenas prolonga o conflito, e que quaisquer meios de transporte carregando armas se tornam um alvo legítimo para o Exército russo.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

 

Nenhum comentário: