sábado, 15 de junho de 2024

Alto Comissariado da ONU mostra preocupação com projeto antiaborto

O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos criticou o projeto de lei antiaborto que tramita no Congresso brasileiro. Em declaração em Genebra, Suíça, a porta-voz Liz Throssel disse que a entidade está “preocupada” com a aprovação da medida no Brasil.

Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência do projeto de lei. O texto equipara o aborto a crime de homicídio. De acordo com a representante da ONU, a “aprovação do projeto de emergência que equipara o aborto com mais de 22 semanas a um homicídio”, sem um necessário debate, é um risco.

“Estamos preocupados com o fato de que esse procedimento impede um debate sobre o projeto de lei nas comissões parlamentares, e isso é um passo necessário para entender as implicações dessa lei e se cumpre os padrões internacionais de direitos humanos”, afirmou, segundo coluna de Jamil Chade, do Uol.

Em episódio no mês passado, o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU fez uma recomendação explícita para a descriminalização do aborto “em todos os casos e para que mulheres e meninas tenham acesso ao aborto seguro”.

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E enviou ao governo brasileiro as recomendações de que o país “garanta que mulheres e meninas tenham acesso adequado a serviços de aborto seguro e pós-aborto para assegurar a plena realização de seus direitos, sua igualdade e sua autonomia econômica e corporal para fazer escolhas livres sobre seus direitos reprodutivos”.

A porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos também ressaltou que o “acesso ao aborto legal e seguro está solidamente enraizado nas leis internacionais de direitos humanos”.

<><> Contrários ao PL antiaborto são maioria nas redes, mostra pesquisa

Nas redes sociais, vencem as manifestações contra o Projeto de Lei antiaborto, em comparação às repercussões favoráveis à medida que equipara a interrupção da gravidez de 22 semanas a crimes de homicídio.

A Quaest monitorou os dados das redes sociais em torno da PL 1904/2024 nos últimos 3 dias: 52% das postagens são de críticas e contrárias ao projeto e somente 15% a favor.

Foram analisadas mais de 1 milhão de publicações. O ápice das postagens foi no dia de ontem, com quase 700 mil publicações. Apesar de o gráfico mostrar uma aparente queda das postagens desse tema nesta sexta-feira, não há uma conclusão, uma vez que o estudo coletou dados até às 13h30 de hoje.

Entre as principais palavras-chaves para comentar o PL estão “crianças” e “estupro”. A constatação ocorre porque estudos mostram que as crianças vítimas de estupro são as principais gestantes que tentam interromper gravidez após 22 semanas de gestação, no Brasil, atualmente.

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De acordo com o diretor da Quaest, Felipe Nunes, os dados foram coletados nas três principais redes sociais: X, Facebook e Instagram, e o número de interações classificadas (likes, compartilhamentos e comentários) chegou a 5.1 milhões.

 

¨      PL do aborto pode aumentar casos de gravidez infantil, dizem instituições

Entre 1º de janeiro e 13 de maio deste ano, foram feitas 7.887 denúncias de estupro de vulnerável ao serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100). A média de denúncias nos primeiros 134 dias do ano foi de cerca de 60 casos por dia ou de dois registros por hora, conforme reportado pela Agência Brasil.

Em eventual aprovação do Projeto de Lei 1.904/2024, parte dessas meninas vítimas de estupro e que vivem em situações de vulnerabilidade social pode não conseguir interromper a gravidez indesejada. O alerta é de movimentos sociais e de instituições que vieram a público repudiar a proposta que altera o Código Penal Brasileiro.

O projeto de lei, assinado por 32 deputados federais, equipara aborto a homicídio; e prevê que meninas e mulheres que vierem a fazer o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas de estupro, terão penas de seis a 20 anos de reclusão – punição maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerável (de oito a 15 anos de reclusão). A legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal.Parte superior do formulário

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Retrocesso inconstitucional

De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o PL é inconstitucional, viola o Estatuto da Criança e do Adolescente e contraria normas internacionais que o Brasil é signatário.

“Representa um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual”, assinala nota do Conanda.

Também em nota, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, lembra que “as principais vítimas de estupro no Brasil são meninas menores de 14 anos, abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que mais precisam do serviço do aborto legal, e as que menos têm acesso a esse direito garantido desde 1940 pela legislação brasileira”.

Em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil. Em 2022, último período disponível nos relatórios do Sistema Único de Saúde (SUS), foram mais de 14 mil gestações entre meninas com idade até 14 anos.

“O Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde física e psicológica. Ou seja, perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade, como o abandono escolar”, lembra a ministra.

“A gente está institucionalizando a barbárie. A gente está deixando com que cada um haja com a sua própria energia, na medida das suas possibilidades para lidar com uma situação criminosa e que o Estado brasileiro está se recusando a equacionar”, acrescenta a advogada Juliana Ribeiro Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo FBSP, contabiliza que 56,8% das vítimas de estupro (adultos e vulneráveis) em 2022 eram pretas ou pardas; 42,3% das vítimas eram brancas; 0,5% indígenas; e 0,4% amarelas. A pesquisadora assinala o recorte racial e social do PL e pondera que quem tem possibilidade de custear os procedimentos para aborto seguro, no exterior ou mesmo clandestino no Brasil, “não vai mudar nada.”

·        Aberração jurídica

O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, considera o PL 1.904/2024 “uma verdadeira aberração jurídica.”

Em sua opinião, o Brasil precisa “aprimorar o atendimento social, psicológico, policial, judicial e de saúde das mulheres e meninas gestantes em decorrência de estupros, e também gestantes que estejam em risco de vida ou grávidas de fetos anencéfalos.”

Ele acrescenta que meninas e mulheres vítimas de estupros “não demoram para realização do procedimento por mero capricho.” As vítimas podem demorar mais a fazer os procedimentos de aborto previstos em lei para além da 20ª semana de gestação “por estarem submetidas, ameaçadas e constrangidas por seus agressores, e em razão da burocracia dos serviços de saúde, policiais e judiciais, e também pelas oposições morais e religiosas de alguns profissionais públicos e privados e das próprias famílias.”

Para Jolúzia Batista, articuladora política do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), “o Projeto de Lei 1.904/2024 é uma tragédia”, e ganhou status de proposição que deve tramitar com urgência, depois de votação simbólica no Plenário da Câmara dos Deputados, em razão de “um contexto político e eleitoral”, disse se referindo às eleições municipais em outubro e à sucessão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2025.

·        Votação simbólica

A decisão de acelerar a tramitação é atribuída ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em declaração à Agência Câmara, Lira disse que a votação simbólica foi acertada por todos os líderes partidários durante reunião nessa quarta-feira (12). Em regime de urgência, o projeto é votado diretamente no plenário, sem passar por debates nas comissões da Casa.

“É vergonhoso e um golpe contra os direitos das mulheres, da infância e da adolescência a manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ao colocar o PL em regime de votação de urgência. Ao impedir o debate público pelas comissões pertinentes e pela sociedade, Lira desrespeita os direitos de crianças e mulheres”, critica o movimento Me Too Brasil, organização que atua contra o assédio e o abuso sexual.

Em 2022, de cada quatro estupros, três foram cometidos contra pessoas “incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência, enfermidade etc.)”, informa publicação do FBSP, em 2023.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são relatados à polícia. A projeção do instituto é que, de fato, ocorram 822 mil casos anuais.

Mantida a proporção de três quartos dos casos registrados nas delegacias, o Brasil teria mais de 616 mil casos de vulneráveis por ano.

 

¨      NOTA PÚBLICA da Comissão Arns, em repúdio ao PL 1904/24, ao equiparar aborto a homicídio

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns vem a público manifestar a sua profunda indignação com a decisão da Câmara dos Deputados, aprovada ontem, de colocar em regime de urgência a votação do Projeto de Lei 1904/24, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio.

Causa perplexidade ver a pressa com que esta casa parlamentar pretende tratar um tema complexo, que toca direitos já estabelecidos, abrindo caminho para a criminalização das mulheres que recorrem ao aborto legal – as gestantes com risco de vida, as vítimas de estupro e as gestantes de fetos anencefálicos.

É evidente que este projeto de lei, se aprovado, atingirá sobretudo mulheres e meninas engravidadas por estupradores. Para eles, penas de até oito anos.

Para elas, penas de até 20 anos, como para o homicídio, por interrupção da gravidez feita a partir de 22 semanas de gestação – quando o próprio Código Penal Brasileiro não estabelece prazos para a realização do aborto legal.

É uma infâmia contra as mulheres brasileiras, sobretudo com as adolescentes, que constituem parcela significativa dos casos de estupro no país.

Fora isso, esta lei alcançará, como um alvo preciso, mulheres e meninas pobres, majoritariamente negras e moradoras das periferias, sempre carentes de acesso aos meios adequados para a interrupção da gravidez. É impossível tolerar tamanha injustiça!

A Comissão Arns, ao registrar aqui o seu inconformismo, pede aos diferentes setores da sociedade civil que se mobilizem para barrar esta escalada obscurantista e aos parlamentares, a rejeição de um projeto que atropela direitos, fere a dignidade das mulheres, humilha a cidadania e ameaça a nossa democracia.

São Paulo, 13 de junho de 2024.

 

Fonte: Jornal GGN/Viomundo

 

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