Alto
Comissariado da ONU mostra preocupação com projeto antiaborto
O
Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos criticou o projeto de lei
antiaborto que tramita no Congresso brasileiro. Em declaração em Genebra,
Suíça, a porta-voz Liz Throssel disse que a entidade está “preocupada” com a
aprovação da medida no Brasil.
Nesta
semana, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência do projeto de lei. O texto
equipara o aborto a crime de homicídio. De acordo com a representante da ONU, a
“aprovação do projeto de emergência que equipara o aborto com mais de 22
semanas a um homicídio”, sem um necessário debate, é um risco.
“Estamos
preocupados com o fato de que esse procedimento impede um debate sobre o
projeto de lei nas comissões parlamentares, e isso é um passo necessário para
entender as implicações dessa lei e se cumpre os padrões internacionais de
direitos humanos”, afirmou, segundo coluna de Jamil Chade, do Uol.
Em
episódio no mês passado, o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU fez uma recomendação explícita
para a descriminalização do aborto “em todos os casos e para que mulheres e
meninas tenham acesso ao aborto seguro”.
E
enviou ao governo brasileiro as recomendações de que o país “garanta que
mulheres e meninas tenham acesso adequado a serviços de aborto seguro e
pós-aborto para assegurar a plena realização de seus direitos, sua igualdade e
sua autonomia econômica e corporal para fazer escolhas livres sobre seus
direitos reprodutivos”.
A
porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos também ressaltou
que o “acesso ao aborto legal e seguro está solidamente enraizado nas leis
internacionais de direitos humanos”.
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Contrários ao PL antiaborto são maioria nas redes, mostra pesquisa
Nas
redes sociais, vencem as manifestações contra o Projeto de Lei antiaborto, em
comparação às repercussões favoráveis à medida que equipara a interrupção da
gravidez de 22 semanas a crimes de homicídio.
A
Quaest monitorou os dados das redes sociais em torno da PL 1904/2024 nos
últimos 3 dias: 52% das postagens são de críticas e contrárias ao projeto e
somente 15% a favor.
Foram
analisadas mais de 1 milhão de publicações. O ápice das postagens foi no dia de
ontem, com quase 700 mil publicações. Apesar de o gráfico mostrar uma aparente
queda das postagens desse tema nesta sexta-feira, não há uma conclusão, uma vez
que o estudo coletou dados até às 13h30 de hoje.
Entre
as principais palavras-chaves para comentar o PL estão “crianças” e “estupro”.
A constatação ocorre porque estudos mostram que as crianças vítimas de estupro
são as principais gestantes que tentam interromper gravidez após 22 semanas de
gestação, no Brasil, atualmente.
De
acordo com o diretor da Quaest, Felipe Nunes, os dados foram coletados nas três principais redes sociais: X,
Facebook e Instagram, e o número de interações classificadas (likes,
compartilhamentos e comentários) chegou a 5.1 milhões.
¨
PL do aborto pode
aumentar casos de gravidez infantil, dizem instituições
Entre
1º de janeiro e 13 de maio deste ano, foram feitas 7.887 denúncias de estupro
de vulnerável ao serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100). A média de
denúncias nos primeiros 134 dias do ano foi de cerca de 60 casos por dia ou de
dois registros por hora, conforme reportado pela Agência Brasil.
Em
eventual aprovação do Projeto de Lei 1.904/2024, parte dessas meninas vítimas
de estupro e que vivem em situações de vulnerabilidade social pode não
conseguir interromper a gravidez indesejada. O alerta é de movimentos sociais e
de instituições que vieram a público repudiar a proposta que altera o Código
Penal Brasileiro.
O
projeto de lei, assinado por 32 deputados federais, equipara aborto a
homicídio; e prevê que meninas e mulheres que vierem a fazer o procedimento
após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas de estupro, terão penas
de seis a 20 anos de reclusão – punição maior do que a prevista para quem
comete crime de estupro de vulnerável (de oito a 15 anos de reclusão). A
legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de
forma legal.
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Retrocesso
inconstitucional
De
acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda), o PL é inconstitucional, viola o Estatuto da Criança e do
Adolescente e contraria normas internacionais que o Brasil é signatário.
“Representa
um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos
reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual”, assinala nota do Conanda.
Também
em nota, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, lembra que “as
principais vítimas de estupro no Brasil são meninas menores de 14 anos,
abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que
mais precisam do serviço do aborto legal, e as que menos têm acesso a esse
direito garantido desde 1940 pela legislação brasileira”.
Em
média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil. Em 2022,
último período disponível nos relatórios do Sistema Único de Saúde (SUS), foram
mais de 14 mil gestações entre meninas com idade até 14 anos.
“O
Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estupro,
prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde
física e psicológica. Ou seja, perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade,
como o abandono escolar”, lembra a ministra.
“A
gente está institucionalizando a barbárie. A gente está deixando com que cada
um haja com a sua própria energia, na medida das suas possibilidades para lidar
com uma situação criminosa e que o Estado brasileiro está se recusando a
equacionar”, acrescenta a advogada Juliana Ribeiro
Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo FBSP, contabiliza que
56,8% das vítimas de estupro (adultos e vulneráveis) em 2022 eram pretas ou
pardas; 42,3% das vítimas eram brancas; 0,5% indígenas; e 0,4% amarelas. A
pesquisadora assinala o recorte racial e social do PL e pondera que quem tem
possibilidade de custear os procedimentos para aborto seguro, no exterior ou
mesmo clandestino no Brasil, “não vai mudar nada.”
·
Aberração jurídica
O
advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e
juventude, considera o PL 1.904/2024 “uma verdadeira aberração jurídica.”
Em
sua opinião, o Brasil precisa “aprimorar o atendimento social,
psicológico, policial, judicial e de saúde das mulheres e meninas gestantes em
decorrência de estupros, e também gestantes que estejam em risco de vida ou
grávidas de fetos anencéfalos.”
Ele
acrescenta que meninas e mulheres vítimas de estupros “não demoram para
realização do procedimento por mero capricho.” As vítimas podem
demorar mais a fazer os procedimentos de aborto previstos em lei para além da
20ª semana de gestação “por estarem submetidas, ameaçadas e
constrangidas por seus agressores, e em razão da burocracia dos serviços de
saúde, policiais e judiciais, e também pelas oposições morais e religiosas de
alguns profissionais públicos e privados e das próprias famílias.”
Para
Jolúzia Batista, articuladora política do Centro Feminista de Estudos e
Assessoria (Cfemea), “o Projeto de Lei 1.904/2024 é uma tragédia”, e ganhou
status de proposição que deve tramitar com urgência, depois de votação
simbólica no Plenário da Câmara dos Deputados, em razão de “um contexto
político e eleitoral”, disse se referindo às eleições municipais em outubro e à
sucessão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2025.
·
Votação simbólica
A
decisão de acelerar a tramitação é atribuída ao presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em declaração à Agência Câmara, Lira disse que
a votação simbólica foi acertada por todos os líderes partidários durante
reunião nessa quarta-feira (12). Em regime de urgência, o projeto é votado
diretamente no plenário, sem passar por debates nas comissões da Casa.
“É
vergonhoso e um golpe contra os direitos das mulheres, da infância e da
adolescência a manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ao
colocar o PL em regime de votação de urgência. Ao impedir o debate público
pelas comissões pertinentes e pela sociedade, Lira desrespeita os direitos de
crianças e mulheres”, critica o movimento Me Too Brasil,
organização que atua contra o assédio e o abuso sexual.
Em
2022, de cada quatro estupros, três foram cometidos contra pessoas “incapazes
de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro
motivo (deficiência, enfermidade etc.)”, informa publicação do FBSP, em
2023.
O
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que apenas 8,5% dos
estupros no Brasil são relatados à polícia. A projeção do instituto é que, de
fato, ocorram 822 mil casos anuais.
Mantida
a proporção de três quartos dos casos registrados nas delegacias, o Brasil
teria mais de 616 mil casos de vulneráveis por ano.
¨ NOTA PÚBLICA da Comissão Arns, em repúdio ao PL 1904/24, ao
equiparar aborto a homicídio
A
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns
vem a público manifestar a sua profunda indignação com a decisão da Câmara dos
Deputados, aprovada ontem, de colocar em regime de urgência a votação do
Projeto de Lei 1904/24, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas
ao homicídio.
Causa
perplexidade ver a pressa com que esta casa parlamentar pretende tratar um tema
complexo, que toca direitos já estabelecidos, abrindo caminho para a
criminalização das mulheres que recorrem ao aborto legal – as gestantes com
risco de vida, as vítimas de estupro e as gestantes de fetos anencefálicos.
É
evidente que este projeto de lei, se aprovado, atingirá sobretudo mulheres e
meninas engravidadas por estupradores. Para eles, penas de até oito anos.
Para
elas, penas de até 20 anos, como para o homicídio, por interrupção da gravidez
feita a partir de 22 semanas de gestação – quando o próprio Código Penal
Brasileiro não estabelece prazos para a realização do aborto legal.
É
uma infâmia contra as mulheres brasileiras, sobretudo com as adolescentes, que
constituem parcela significativa dos casos de estupro no país.
Fora
isso, esta lei alcançará, como um alvo preciso, mulheres e meninas pobres,
majoritariamente negras e moradoras das periferias, sempre carentes de acesso
aos meios adequados para a interrupção da gravidez. É impossível tolerar
tamanha injustiça!
A
Comissão Arns, ao registrar aqui o seu inconformismo, pede aos diferentes
setores da sociedade civil que se mobilizem para barrar esta escalada
obscurantista e aos parlamentares, a rejeição de um projeto que atropela
direitos, fere a dignidade das mulheres, humilha a cidadania e ameaça a nossa
democracia.
São
Paulo, 13 de junho de 2024.
Fonte:
Jornal GGN/Viomundo
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