terça-feira, 18 de junho de 2024

Adriana Maria Silva Cutrim: ‘Assédio eleitoral e a sombra do voto de cabresto’

Em ano de eleição, as denúncias de assédio eleitoral explodem, o que levanta uma questão importante para reflexão: a fragilidade da democracia diante de práticas que violam a liberdade de pensamento e de voto, direitos fundamentais e irrenunciáveis. Esse cenário se torna ainda mais preocupante quando consideramos o assédio eleitoral no ambiente de trabalho, que não apenas compromete a integridade do processo democrático, mas também viola os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Mesmo em nações como o Brasil, que possuem uma sólida estrutura legal para garantir esses direitos, persistem essas formas insidiosas de agressão, que ecoa o triste legado do “voto de cabresto”, um resquício do passado que ainda se faz presente, mas agora assumindo uma nova dimensão principalmente potencializada pelas redes sociais.

Signatário de importantes instrumentos normativos internacionais sobre direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticas, o Brasil prevê em sua Constituição que ninguém será privado de direitos por motivo de convicção filosófica ou política. Prevê também que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.

Apesar das garantias legais de liberdade de voto, o ambiente de trabalho muitas vezes se torna um espaço de pressão e coerção eleitoral. Sob ameaças de demissão ou retaliação, os funcionários são frequentemente forçados a votar em candidatos indicados pela direção da empresa, abusando do poder diretivo para manipular a escolha política dos trabalhadores. Essa prática não apenas viola o direito fundamental de cada cidadão de exercer seu voto de forma independente, mas também cria um ambiente de medo e submissão que compromete a integridade do processo democrático.

Para não dizer que não falei das flores, abro um parêntese sobre o serviço púbico. Além do ambiente laboral das empresas, de igual modo, há relatos no ambiente do serviço público, de servidores que ocupam funções de confiança, cargos comissionados e até pessoal terceirizado e estagiários que são obrigados, em época de campanha, a participar de carretas, trajados com cores de partidos e camisas com nomes e número de candidatos, correndo atrás de trio elétrico do candidato da situação, a fazer bandeiraços e planfletagens nas principais esquinas, sob pena de perder  o cargo. Fecho parêntese.

A prática do assédio eleitoral, especialmente no ambiente de trabalho, se torna ainda mais repreensível ao considerar a vulnerabilidade do trabalhador diante do poder diretivo do empregador. Esse cenário coloca o indivíduo diante de uma escolha injusta entre o exercício pleno da sua cidadania, por meio do voto livre, e a manutenção do seu emprego, a fonte de sua subsistência e de sua família.

Spacca

Relembrando o termo “voto de cabresto”, cunhado durante o período do coronelismo na República Velha, percebe-se uma intrínseca relação com o assédio eleitoral moderno. A antiga prática de submissão do eleitorado a interesses particulares de líderes políticos locais reflete-se hoje nas pressões e coações exercidas dentro das relações de trabalho, onde o empregador detém o poder de influenciar indevidamente as opções políticas de seus empregados.

•           Proteção contra discriminação

As normas de proteção contra qualquer forma de discriminação e as garantias de liberdade de pensamento e de voto não são apenas dispositivos legais, mas sim expressões de valores sociais fundamentais, que visam a preservar a dignidade humana e o direito à liberdade. Em outras palavras, o assédio moral eleitoral, caracterizado por condutas abusivas que visam à submissão do trabalhador a interesses políticos específicos, constitui uma violação grave desses princípios.

Ao abordar o tema do assédio eleitoral no ambiente de trabalho, não se pode negligenciar as consequências jurídicas e reputacionais para as empresas envolvidas nessas práticas. A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) no combate a esse tipo de violação é rigorosa, tendo como prerrogativa a defesa dos direitos coletivos, difusos e individuais indisponíveis dos trabalhadores. A postura da instituição frente ao assédio eleitoral se reflete na aplicação de penalidades severas às empresas que violam os preceitos de liberdade e dignidade dos trabalhadores.

Uma das consequências diretas para as empresas que praticam ou toleram o assédio eleitoral é a imposição de altas indenizações, seja através da assinatura de termos de ajuste de conduta, seja através de condenações judiciais em ação civil pública. Essas indenizações visam a reparar os danos morais coletivos causados aos trabalhadores e ao regime democrático, além de servirem como um mecanismo dissuasório contra a perpetuação de tais práticas. A magnitude dessas indenizações reflete a gravidade do ato e o compromisso do sistema de justiça em proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores e a integridade do processo eleitoral.

Além do impacto financeiro, as empresas flagradas praticando assédio eleitoral enfrentam significativos prejuízos à sua reputação. Em uma era caracterizada pela rápida disseminação de informações e pelo aumento da consciência social e política dos consumidores, a imagem de uma empresa pode ser severamente afetada ao ser associada a práticas que violam direitos fundamentais e a ética empresarial. A reputação, uma vez manchada, demanda esforços consideráveis e tempo para ser restaurada, podendo, em casos extremos, resultar na perda de clientes, parceiros comerciais e oportunidades de negócios.

A atuação firme do MPT e as consequências para as empresas reforçam a necessidade de uma gestão empresarial ética e alinhada aos princípios democráticos e de respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores. A adoção de políticas internas claras, treinamentos e uma cultura organizacional que valorize a liberdade de expressão e a diversidade de opiniões políticas são essenciais para prevenir o assédio eleitoral e garantir um ambiente de trabalho saudável.

Portanto, além de representar uma violação aos direitos fundamentais dos trabalhadores, o assédio eleitoral traz consequências sérias e duradouras para as empresas, tanto em termos financeiros quanto reputacionais. Isso sublinha a importância de uma vigilância constante e de uma postura proativa por parte das organizações no combate a essas práticas, em prol da preservação dos valores democráticos no ambiente de trabalho, bem como de sua própria integridade e imagem no mercado.

Diante desse cenário, é imperativo reconhecer o assédio eleitoral como uma manifestação contemporânea do voto de cabresto, rejeitando-o veementemente. A efetivação dos direitos e liberdades fundamentais exige um compromisso coletivo de vigilância e resistência contra tais práticas, assegurando que a participação política ocorra em um ambiente livre de coações e discriminações, verdadeiro alicerce de uma sociedade democrática.

 

•           Voto de Cabresto: prática política comum no Brasil. Por Thiago Souza

O voto de cabresto foi uma prática política baseada no direcionamento do voto da população mais pobre pelos coronéis, que eram grandes proprietários de terra e possuíam muitos funcionários.

Mediante ameaças de demissão e agressão física, esses trabalhadores eram coagidos a votar no candidato indicado por seus patrões.

Esse termo foi criado no intuito de representar os trabalhadores que tinham seu voto direcionado como um animal sendo guiado por um cabresto.

<><> Voto de Cabresto na República Velha

Nas regiões mais carentes do Brasil, essa é uma prática recorrente desde os tempos do Império, perdurando até hoje.

Isso acontecia porque nosso sistema eleitoral era frágil e fácil de ser adulterado e manipulado segundo os interesses das elites agrárias.

Nesse caso, o eleitor só necessitava entregar pessoalmente um pedaço de papel com o nome do seu candidato.

Note que ele poderia ser escrito pelo próprio coronel, já que a maioria desses eleitores nem mesmo sabia ler, e depositá-lo numa urna, num saco de pano.

É notável, nesse contexto, a troca de favores que constituiu o sistema de "voto em aberto", o qual ficara então conhecido como "voto de cabresto".

<><> Voto de Cabresto e Coronelismo

Não é possível pensar em voto de cabresto sem considerar o Coronelismo ou a violência deste regime.

É conhecido o fato de o coronel ser um fazendeiro muito rico. Ele lançava mão de seu poder econômico e militar para garantir a eleição dos seus apadrinhados políticos.

Não raramente, esses coronéis obrigavam sua clientela, até mesmo com violência física, em casos extremos, podiam chegar a morte.

Esse domínio político sobre uma região é denominado "curral eleitoral" os quais elegem os candidatos apoiados pelo líder local.

O voto aberto favorecia o Voto de Cabresto. À época, era possível identificar o voto de cada eleitor e assim os eleitores eram pressionados e fiscalizados por jagunços do coronel.

Esta situação só teve fim (ou foi reduzida), após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas ascende ao poder, combatendo o coronelismo.

Mais adiante, em 1932 entra em vigor o primeiro Código Eleitoral do Brasil, que garante o voto secreto e, com isso, golpeia duramente o poder das elites rurais.

<><> Tipos de fraudes nas eleições e outros modos de coerção

Para garantir o controle político de seu “curral eleitoral”, os coronéis manipulavam o poder político. Destaca-se o abuso de autoridade, a compra de votos ou a utilização da máquina pública.

Não era raro, também, a criação de "votos fantasmas", troca de favores e fraudes eleitorais. Essas eram forjadas a partir de documentos falsificados para que menores e analfabetos pudessem votar.

Outra maneira recorrente era a fraude da contagem de votos, quando os coronéis desapareciam com urnas para adulterar seu resultado. Contudo, a forma mais eficaz era a coerção pela violência física e psicológica.

<><> O contexto atual

Atualmente, as práticas de “voto de cabresto” tornaram-se mais sofisticadas. Elas continuam a vigorar, inclusive nos centros urbanos, onde a figura paramilitar a exercer a violência são as milícias.

Logo, a vontade do eleitor é violada por narcotraficantes, milícias, líderes religiosos e pela manipulação das massas. E, seus imaginários, são levados por meio do clientelismo gerado pelos programas assistenciais.

Merece destaque, atualmente, o chamado "voto de cajado", do qual pastores e líderes espirituais “impõem” aos fiéis um certo candidato da igreja, levando o indivíduo a se sentir segregado caso apresente uma ideia contrária.

O reflexo disso é o fortalecimento da bancada religiosa no Congresso e outras instâncias representativas brasileiras.

•           Definição do termo "Voto de Cabresto"

Voto de cabresto é uma expressão dada pela superposição de duas palavras. Assim, temos Voto, que é o exercício pleno da democracia; e a palavra Cabresto, do latim capistrum, que significa "mordaça ou freio".

Dessa maneira, temos um conceito quase paradoxal, na medida em que representa a democracia amordaçada e guiada como um animal de carga.

 

•           Contas-laranja são um grande obstáculo ao combate aos crimes digitais no Brasil. Por Danilo Vital

O uso indiscriminado de contas-laranja é a grande ponta solta do combate aos crimes digitais no Brasil. São elas que recebem os valores das fraudes e pulverizam o dinheiro, dificultando o rastreio pelas autoridades. E isso tudo com pouca ou nenhuma consequência.

Esse diagnóstico é dos especialistas no assunto que participaram do Seminário Internacional 2024 Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresas (IREE) na sede do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.

O tema foi levantado pela ex-senadora Katia Abreu. Ela destacou que o sistema Pix permite aos golpistas movimentar o dinheiro rapidamente entre contas, em uma pulverização que tende a terminar na compra de criptoativos.

“Não existe nenhuma penalidade para quem aluga conta corrente ou é laranja de uma. Todo o sistema que lida com isso pensa que a criminalização para a conta-laranja precisa existir. E talvez uma consequência administrativa também”, afirmou a ex-senadora.

Ela citou como exemplo a emissão de cheques sem fundos. O responsável é incluído no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos, mantido pelo Banco Central, e fica com restrições até o pagamento ou pelo período máximo de cinco anos.

Além de não haver punição, o aluguel de contas-laranja ocorre às claras, como mostrou um estudo de 2023 da empresa de cybersegurança Tempest. Há registros de pessoas oferecendo contas por valores fixos ou porcentagem do dinheiro desviado.

<><> Possíveis soluções

Katia Abreu mencionou duas iniciativas legislativas que podem ajudar a combater o problema. A primeira é o PL 2.254/2022, que propõe a criminalização da conduta pela inclusão de um inciso no artigo 171 do Código Penal. O projeto está pronto para deliberação pelo Plenário do Senado.

A ideia é punir quem abre ou mantém conta em instituição financeira para ceder o acesso a pessoa ou organização criminosa que atua para desviar recursos por meio de fraudes contra consumidores ou para triangular e ocultar valores obtidos por meio de golpes e fraudes.

Ela citou também a PEC 3/2020, que confere à União a competência privativa para legislar sobre segurança cibernética. Aos estados caberia legislar sobre segurança cibernética aplicada à prestação de serviços públicos e zelar por ela.

“Esses crimes são nacionais e transancionais. Não há limites ou barreiras, e isso dificulta muito a vida da Polícia Federal, que é quem mais tem instrumentos apropriados para seguir o caminho do crime. É preciso um padrão de governança para a busca desses criminosos.”

<><> Conta corrente fácil demais

A iniciativa legislativa conta com a simpatia de Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele destacou que a pessoa que permite que sua conta seja um canal de passagem para dinheiro de fraude não pode ser tratada como vítima.

“Ela é partícipe ou coautora do crime. E, de fato, não há tipificação. As discussões que ocorrem, lá na frente, vão descambar na absolvição por atipicidade da conduta. Estamos sem um enquadramento penal no Brasil”, afirmou Sidney.

Para o dirigente da Febraban, também é preciso pensar em um rigor maior com o processo de abertura de contas correntes em instituições financeiras. Em sua análise, a facilidade com que isso ocorre mostra que o procedimento tem “parafusos a menos”.

“É fundamental que haja o uso de tecnologia, como biometria ou uso de inteligência artificial, que possa efetivamente caracterizar se quem está abrindo a conta é realmente a pessoa que detém aquelas informações.”

Segundo Isaac Sidney, em 2023 os bancos investiram algo em torno de R$ 4,5 bilhões em tecnologia da informação. Ainda assim, é necessária maior cooperação entre os atores do mercado e os órgãos regulatórios.

Katia Abreu concordou com a fala do presidente da Febraban: “É preciso mais critério para a abertura de contas no Brasil. Não pode ser como uma padaria que faz cinco, dez mil pães por dia. Precisa ser algo mais como um croissant”.

 

Fonte: Conjur/Toda Matéria

 

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