Adriana
Maria Silva Cutrim: ‘Assédio eleitoral e a sombra do voto de cabresto’
Em
ano de eleição, as denúncias de assédio eleitoral explodem, o que levanta uma
questão importante para reflexão: a fragilidade da democracia diante de
práticas que violam a liberdade de pensamento e de voto, direitos fundamentais
e irrenunciáveis. Esse cenário se torna ainda mais preocupante quando
consideramos o assédio eleitoral no ambiente de trabalho, que não apenas
compromete a integridade do processo democrático, mas também viola os direitos
fundamentais dos trabalhadores.
Mesmo
em nações como o Brasil, que possuem uma sólida estrutura legal para garantir
esses direitos, persistem essas formas insidiosas de agressão, que ecoa o
triste legado do “voto de cabresto”, um resquício do passado que ainda se faz
presente, mas agora assumindo uma nova dimensão principalmente potencializada
pelas redes sociais.
Signatário
de importantes instrumentos normativos internacionais sobre direitos humanos,
como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticas, o Brasil prevê em sua Constituição que ninguém será
privado de direitos por motivo de convicção filosófica ou política. Prevê
também que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos.
Apesar
das garantias legais de liberdade de voto, o ambiente de trabalho muitas vezes
se torna um espaço de pressão e coerção eleitoral. Sob ameaças de demissão ou
retaliação, os funcionários são frequentemente forçados a votar em candidatos
indicados pela direção da empresa, abusando do poder diretivo para manipular a
escolha política dos trabalhadores. Essa prática não apenas viola o direito
fundamental de cada cidadão de exercer seu voto de forma independente, mas
também cria um ambiente de medo e submissão que compromete a integridade do
processo democrático.
Para
não dizer que não falei das flores, abro um parêntese sobre o serviço púbico.
Além do ambiente laboral das empresas, de igual modo, há relatos no ambiente do
serviço público, de servidores que ocupam funções de confiança, cargos
comissionados e até pessoal terceirizado e estagiários que são obrigados, em
época de campanha, a participar de carretas, trajados com cores de partidos e
camisas com nomes e número de candidatos, correndo atrás de trio elétrico do
candidato da situação, a fazer bandeiraços e planfletagens nas principais
esquinas, sob pena de perder o cargo.
Fecho parêntese.
A
prática do assédio eleitoral, especialmente no ambiente de trabalho, se torna
ainda mais repreensível ao considerar a vulnerabilidade do trabalhador diante
do poder diretivo do empregador. Esse cenário coloca o indivíduo diante de uma
escolha injusta entre o exercício pleno da sua cidadania, por meio do voto
livre, e a manutenção do seu emprego, a fonte de sua subsistência e de sua
família.
Spacca
Relembrando
o termo “voto de cabresto”, cunhado durante o período do coronelismo na
República Velha, percebe-se uma intrínseca relação com o assédio eleitoral
moderno. A antiga prática de submissão do eleitorado a interesses particulares
de líderes políticos locais reflete-se hoje nas pressões e coações exercidas
dentro das relações de trabalho, onde o empregador detém o poder de influenciar
indevidamente as opções políticas de seus empregados.
• Proteção contra discriminação
As
normas de proteção contra qualquer forma de discriminação e as garantias de
liberdade de pensamento e de voto não são apenas dispositivos legais, mas sim
expressões de valores sociais fundamentais, que visam a preservar a dignidade
humana e o direito à liberdade. Em outras palavras, o assédio moral eleitoral,
caracterizado por condutas abusivas que visam à submissão do trabalhador a
interesses políticos específicos, constitui uma violação grave desses
princípios.
Ao
abordar o tema do assédio eleitoral no ambiente de trabalho, não se pode
negligenciar as consequências jurídicas e reputacionais para as empresas
envolvidas nessas práticas. A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT)
no combate a esse tipo de violação é rigorosa, tendo como prerrogativa a defesa
dos direitos coletivos, difusos e individuais indisponíveis dos trabalhadores.
A postura da instituição frente ao assédio eleitoral se reflete na aplicação de
penalidades severas às empresas que violam os preceitos de liberdade e
dignidade dos trabalhadores.
Uma
das consequências diretas para as empresas que praticam ou toleram o assédio
eleitoral é a imposição de altas indenizações, seja através da assinatura de
termos de ajuste de conduta, seja através de condenações judiciais em ação
civil pública. Essas indenizações visam a reparar os danos morais coletivos
causados aos trabalhadores e ao regime democrático, além de servirem como um
mecanismo dissuasório contra a perpetuação de tais práticas. A magnitude dessas
indenizações reflete a gravidade do ato e o compromisso do sistema de justiça
em proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores e a integridade do
processo eleitoral.
Além
do impacto financeiro, as empresas flagradas praticando assédio eleitoral
enfrentam significativos prejuízos à sua reputação. Em uma era caracterizada
pela rápida disseminação de informações e pelo aumento da consciência social e
política dos consumidores, a imagem de uma empresa pode ser severamente afetada
ao ser associada a práticas que violam direitos fundamentais e a ética
empresarial. A reputação, uma vez manchada, demanda esforços consideráveis e
tempo para ser restaurada, podendo, em casos extremos, resultar na perda de
clientes, parceiros comerciais e oportunidades de negócios.
A
atuação firme do MPT e as consequências para as empresas reforçam a necessidade
de uma gestão empresarial ética e alinhada aos princípios democráticos e de
respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores. A adoção de políticas
internas claras, treinamentos e uma cultura organizacional que valorize a
liberdade de expressão e a diversidade de opiniões políticas são essenciais
para prevenir o assédio eleitoral e garantir um ambiente de trabalho saudável.
Portanto,
além de representar uma violação aos direitos fundamentais dos trabalhadores, o
assédio eleitoral traz consequências sérias e duradouras para as empresas,
tanto em termos financeiros quanto reputacionais. Isso sublinha a importância
de uma vigilância constante e de uma postura proativa por parte das
organizações no combate a essas práticas, em prol da preservação dos valores
democráticos no ambiente de trabalho, bem como de sua própria integridade e
imagem no mercado.
Diante
desse cenário, é imperativo reconhecer o assédio eleitoral como uma
manifestação contemporânea do voto de cabresto, rejeitando-o veementemente. A
efetivação dos direitos e liberdades fundamentais exige um compromisso coletivo
de vigilância e resistência contra tais práticas, assegurando que a
participação política ocorra em um ambiente livre de coações e discriminações,
verdadeiro alicerce de uma sociedade democrática.
• Voto de Cabresto: prática política
comum no Brasil. Por Thiago Souza
O
voto de cabresto foi uma prática política baseada no direcionamento do voto da
população mais pobre pelos coronéis, que eram grandes proprietários de terra e
possuíam muitos funcionários.
Mediante
ameaças de demissão e agressão física, esses trabalhadores eram coagidos a
votar no candidato indicado por seus patrões.
Esse
termo foi criado no intuito de representar os trabalhadores que tinham seu voto
direcionado como um animal sendo guiado por um cabresto.
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Voto de Cabresto na República Velha
Nas
regiões mais carentes do Brasil, essa é uma prática recorrente desde os tempos
do Império, perdurando até hoje.
Isso
acontecia porque nosso sistema eleitoral era frágil e fácil de ser adulterado e
manipulado segundo os interesses das elites agrárias.
Nesse
caso, o eleitor só necessitava entregar pessoalmente um pedaço de papel com o
nome do seu candidato.
Note
que ele poderia ser escrito pelo próprio coronel, já que a maioria desses
eleitores nem mesmo sabia ler, e depositá-lo numa urna, num saco de pano.
É
notável, nesse contexto, a troca de favores que constituiu o sistema de
"voto em aberto", o qual ficara então conhecido como "voto de
cabresto".
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Voto de Cabresto e Coronelismo
Não
é possível pensar em voto de cabresto sem considerar o Coronelismo ou a
violência deste regime.
É
conhecido o fato de o coronel ser um fazendeiro muito rico. Ele lançava mão de
seu poder econômico e militar para garantir a eleição dos seus apadrinhados
políticos.
Não
raramente, esses coronéis obrigavam sua clientela, até mesmo com violência
física, em casos extremos, podiam chegar a morte.
Esse
domínio político sobre uma região é denominado "curral eleitoral" os
quais elegem os candidatos apoiados pelo líder local.
O
voto aberto favorecia o Voto de Cabresto. À época, era possível identificar o
voto de cada eleitor e assim os eleitores eram pressionados e fiscalizados por
jagunços do coronel.
Esta
situação só teve fim (ou foi reduzida), após a Revolução de 1930, quando
Getúlio Vargas ascende ao poder, combatendo o coronelismo.
Mais
adiante, em 1932 entra em vigor o primeiro Código Eleitoral do Brasil, que
garante o voto secreto e, com isso, golpeia duramente o poder das elites
rurais.
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Tipos de fraudes nas eleições e outros modos de coerção
Para
garantir o controle político de seu “curral eleitoral”, os coronéis manipulavam
o poder político. Destaca-se o abuso de autoridade, a compra de votos ou a
utilização da máquina pública.
Não
era raro, também, a criação de "votos fantasmas", troca de favores e
fraudes eleitorais. Essas eram forjadas a partir de documentos falsificados
para que menores e analfabetos pudessem votar.
Outra
maneira recorrente era a fraude da contagem de votos, quando os coronéis
desapareciam com urnas para adulterar seu resultado. Contudo, a forma mais
eficaz era a coerção pela violência física e psicológica.
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O contexto atual
Atualmente,
as práticas de “voto de cabresto” tornaram-se mais sofisticadas. Elas continuam
a vigorar, inclusive nos centros urbanos, onde a figura paramilitar a exercer a
violência são as milícias.
Logo,
a vontade do eleitor é violada por narcotraficantes, milícias, líderes
religiosos e pela manipulação das massas. E, seus imaginários, são levados por
meio do clientelismo gerado pelos programas assistenciais.
Merece
destaque, atualmente, o chamado "voto de cajado", do qual pastores e
líderes espirituais “impõem” aos fiéis um certo candidato da igreja, levando o
indivíduo a se sentir segregado caso apresente uma ideia contrária.
O
reflexo disso é o fortalecimento da bancada religiosa no Congresso e outras
instâncias representativas brasileiras.
• Definição do termo "Voto de
Cabresto"
Voto
de cabresto é uma expressão dada pela superposição de duas palavras. Assim,
temos Voto, que é o exercício pleno da democracia; e a palavra Cabresto, do
latim capistrum, que significa "mordaça ou freio".
Dessa
maneira, temos um conceito quase paradoxal, na medida em que representa a
democracia amordaçada e guiada como um animal de carga.
• Contas-laranja são um grande
obstáculo ao combate aos crimes digitais no Brasil. Por Danilo Vital
O
uso indiscriminado de contas-laranja é a grande ponta solta do combate aos
crimes digitais no Brasil. São elas que recebem os valores das fraudes e
pulverizam o dinheiro, dificultando o rastreio pelas autoridades. E isso tudo
com pouca ou nenhuma consequência.
Esse
diagnóstico é dos especialistas no assunto que participaram do Seminário
Internacional 2024 Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, organizado
pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresas (IREE) na sede
do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em
Brasília.
O
tema foi levantado pela ex-senadora Katia Abreu. Ela destacou que o sistema Pix
permite aos golpistas movimentar o dinheiro rapidamente entre contas, em uma
pulverização que tende a terminar na compra de criptoativos.
“Não
existe nenhuma penalidade para quem aluga conta corrente ou é laranja de uma.
Todo o sistema que lida com isso pensa que a criminalização para a
conta-laranja precisa existir. E talvez uma consequência administrativa
também”, afirmou a ex-senadora.
Ela
citou como exemplo a emissão de cheques sem fundos. O responsável é incluído no
Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos, mantido pelo Banco Central, e fica
com restrições até o pagamento ou pelo período máximo de cinco anos.
Além
de não haver punição, o aluguel de contas-laranja ocorre às claras, como
mostrou um estudo de 2023 da empresa de cybersegurança Tempest. Há registros de
pessoas oferecendo contas por valores fixos ou porcentagem do dinheiro
desviado.
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Possíveis soluções
Katia
Abreu mencionou duas iniciativas legislativas que podem ajudar a combater o
problema. A primeira é o PL 2.254/2022, que propõe a criminalização da conduta
pela inclusão de um inciso no artigo 171 do Código Penal. O projeto está pronto
para deliberação pelo Plenário do Senado.
A
ideia é punir quem abre ou mantém conta em instituição financeira para ceder o
acesso a pessoa ou organização criminosa que atua para desviar recursos por
meio de fraudes contra consumidores ou para triangular e ocultar valores
obtidos por meio de golpes e fraudes.
Ela
citou também a PEC 3/2020, que confere à União a competência privativa para
legislar sobre segurança cibernética. Aos estados caberia legislar sobre
segurança cibernética aplicada à prestação de serviços públicos e zelar por
ela.
“Esses
crimes são nacionais e transancionais. Não há limites ou barreiras, e isso
dificulta muito a vida da Polícia Federal, que é quem mais tem instrumentos
apropriados para seguir o caminho do crime. É preciso um padrão de governança
para a busca desses criminosos.”
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Conta corrente fácil demais
A
iniciativa legislativa conta com a simpatia de Isaac Sidney, presidente da
Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele destacou que a pessoa que
permite que sua conta seja um canal de passagem para dinheiro de fraude não
pode ser tratada como vítima.
“Ela
é partícipe ou coautora do crime. E, de fato, não há tipificação. As discussões
que ocorrem, lá na frente, vão descambar na absolvição por atipicidade da
conduta. Estamos sem um enquadramento penal no Brasil”, afirmou Sidney.
Para
o dirigente da Febraban, também é preciso pensar em um rigor maior com o
processo de abertura de contas correntes em instituições financeiras. Em sua
análise, a facilidade com que isso ocorre mostra que o procedimento tem
“parafusos a menos”.
“É
fundamental que haja o uso de tecnologia, como biometria ou uso de inteligência
artificial, que possa efetivamente caracterizar se quem está abrindo a conta é
realmente a pessoa que detém aquelas informações.”
Segundo
Isaac Sidney, em 2023 os bancos investiram algo em torno de R$ 4,5 bilhões em
tecnologia da informação. Ainda assim, é necessária maior cooperação entre os
atores do mercado e os órgãos regulatórios.
Katia
Abreu concordou com a fala do presidente da Febraban: “É preciso mais critério
para a abertura de contas no Brasil. Não pode ser como uma padaria que faz
cinco, dez mil pães por dia. Precisa ser algo mais como um croissant”.
Fonte:
Conjur/Toda Matéria
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