A história
do futebol é uma história da luta de classes
Albert
Camus disse certa vez que aprendeu tudo o que sabia com o futebol.
Infelizmente, a maioria dos esquerdistas negligencia hoje o amplo campo do
futebol. É hora de perceber que a luta pelo jogo também é uma luta na realidade
da vida de milhões de torcedores e esportistas. O futebol tem um valor de uso
para as pessoas e os esquerdistas deveriam fazer parte desse movimento.
Sim,
o futebol é comercial, capitalista, frequentemente racista e nacionalista. Mas
também é subversivo, criativo e solidário. O futebol pode fazer algo que os
esquerdistas quase não conseguem mais fazer: ele pode dar esperança. Mesmo
quando o pequeno Rot-Weiss Essen joga contra o super-poderoso FC Bayern
München, os torcedores do Essen vão ao estádio — porque há dias em que milagres
de futebol acontecem.
Para
aqueles de quem se tirou tudo na vida, que trabalham por pouco dinheiro e não
sabem como trocar a máquina de lavar quebrada, há sempre o seu clube e a
esperança de um dia voltar para o outro lado da vida. Para o sujeito humilhado,
o futebol pode ser um pequeno pedaço de autoempoderamento em um mundo cheio de
derrotas.
É
claro que sempre se pode enfatizar o contrário, como fez a federação sindical
anarco-sindicalista União dos Trabalhadores Livres (FAU) ao pedir, em 1921, que
“a Inglaterra seja punida”, porém “não por motivos nacionais, mas porque eles
inventaram o futebol”. Ela via o jogo como uma distração da luta revolucionária
das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Ambas
as narrativas estão na história do esporte mais popular do mundo, e ambas estão
corretas, como diz o cineasta comunista Pier Paolo Pasolini: “O fato de o
esporte […] ser considerado ‘ópio do povo’ é de conhecimento geral. Por que
isso deve ser repetido constantemente, se não há alternativa? Por outro lado,
esse ópio também tem um efeito terapêutico […]. As duas horas de torcida
(agressividade e confraternização) no estádio são libertadoras.”
É
fácil criticar o circo do futebol diante do Football Leaks, da Copa do Mundo no
Qatar ou dos salários absurdamente altos. Mas também é possível contar a
história de esquerda desse esporte, que está escondida sob o verde gramado
artificial.
Laterais
direitos e esquerdos
Ahistória
das lutas de classe ocorre às vezes no grande palco da história mundial, mas às
vezes em pequena escala. Desde os tempos antigos o futebol tem entusiastas e
detratores. Platão, por exemplo, elogiou a sphairomachia (batalha de bola) como
um exercício militar preparatório. Às vezes os intelectuais criticam o futebol,
às vezes os governantes o proíbem. Em seguida, eles o descobrem novamente e o
instrumentalizam para seus próprios fins.
O
desenvolvimento do futebol como o conhecemos hoje – de um jogo violento das
vilas (no qual as mulheres também participavam) a um esporte culto das escolas
de elite – também se deu como integração de um jogo selvagem. Em meados do
século XIX, a juventude abastada se rebelou contra os adultos quadrados e levou
o jogo das vilas para as grandes cidades da Inglaterra. Os dominantes não
gostaram disso.
No
entanto, como as proibições ao futebol não funcionaram, o Jogo Subversivo foi
integrado. A lista de benefícios para a elite aristocrática e econômica era
longa: a juventude efeminada se endurecia, a mente se disciplinava, o corpo se
tornava saudável, os militares recebiam recrutas prontos para a violência e — o
que era importante na era vitoriana — a juventude era afastada da masturbação.
No
entanto, não apenas a elite chutava, mas também as crianças na rua. O futebol
de rua tornou-se o refúgio do novo proletariado industrial. A chutação selvagem
não raramente terminava em brigas com as autoridades. Proibições, multas e
denúncias são testemunhas disso. Mas o proletariado não deixou que lhe tirassem
o jogo. Ao lado dos clubes burgueses surgiram mais e mais clubes de
trabalhadores. Em 1863, o futebol foi finalmente institucionalizado: Na
Freemason’s Tavern, na Great Queen Street, em Londres, reuniram-se todos que
tinham alguma reputação na nova modalidade esportiva para fundar a Football
Association (FA).
A
quinze minutos de caminhada morava na época um certo Karl Marx, que lá deve ter
tido uma ou duas reuniões políticas. Não se sabe se ele já tinha ouvido falar
do novo esporte. Mas o futebol, como o conhecemos hoje, decolou naquela época.
No início, os clubes burgueses dominavam. Mas vinte anos após a fundação da FA,
o inacreditável aconteceu: O proletariado venceu – pelo menos no futebol. O
Blackburn Olympic, time da classe trabalhadora, ganhou a FA Cup em 1883. Diante
de 8.000 espectadores, eles venceram os campões do ano anterior, Old Etonians,
por 2 a 1 na prorrogação. Os jogadores da classe trabalhadora venceram os
ex-alunos da Eton Public School – que doce satisfação para a classe
trabalhadora e que amarga derrota para a burguesia. Marx não viveu para ver
esse triunfo da classe trabalhadora: ele havia morrido duas semanas antes.
Não
apenas a vitória em si foi espetacular, mas também a forma como ela foi
alcançada. Os times da classe trabalhadora eram fisicamente inferiores. A
desnutrição e as doenças eram suas companheiras diárias. Até mesmo sua altura
era menor. Para compensar essa inferioridade, muitos clubes da classe
trabalhadora passaram a cultivar o jogo de passes em vez jogar com dribles,
chutar e correr como os Etonians. Com isso, os trabalhadores fizeram do jogo
tático o padrão. Até então, os times das Public Schools apostavam em grande
parte no padrão clássico de jogo que ainda conhecemos do futebol americano:
chutar a bola e correr atrás dela.
Enquanto
os cavalheiros do futebol burguês estavam totalmente comprometidos com o
espírito amador, os trabalhadores logo foram pagos para jogar futebol. E era
necessário que assim fosse, porque eles nunca poderiam ter jogar de forma
competitiva se também enfrentassem o duro trabalho braçal nas fábricas. O
Blackburn Olympic, o clube da classe trabalhadora do norte da Inglaterra, foi,
portanto, o primeiro clube de futebol profissional. Em 1885, a FA abandonou
completamente a ideia do amadorismo.
Essa
interação entre a apropriação e a expropriação do futebol também se repete no
futebol feminino ou no futebol dos trabalhadores. O futebol é um campo de
batalha das contradições entre a comercialização e a alegria de viver, entre um
esporte para todos e um esporte para a elite, entre ideias de direita e de
esquerda no campo de futebol.
• O esporte como manifesto
Oestádio
é o único lugar onde você ainda pode falar o que pensa, disse o compositor
genial e maior fã de futebol da União Soviética, Dmitri Shostakovich. E essa
atitude é repetidamente encontrada quando futebol e protestos são analisados de
modo articulado – desde a Primavera Árabe até os protestos do Parque Gezi e as
grandes greves na América do Sul: os torcedores de futebol estão envolvidos em
todos os lugares.
Em
muitos lugares, os ultras são o último movimento social remanescente. Quando
dezenas de milhares de torcedores cantam, choram e comemoram juntos, gritam e
se jogam nos braços uns dos outros, a paixão é transmitida para as pessoas fora
do estádio. De fato, os ultras nem sempre são de esquerda e também contribuem
para a criticada eventização do jogo, mas são um movimento político real com o
qual a esquerda poderia buscar solidariedade.
Personalidades
do futebol também se manifestam repetidamente como atores políticos: a jogadora
da seleção americana Megan Rapinoe enfrentou Trump publicamente. Diego Maradona
era mais um esquerdista instintivo do que um teórico sólido, mas sempre jogou pelos
oprimidos e fez com que toda a cidade de Nápoles sentisse o orgulho da classe
trabalhadora vitoriosa. William “Bill” Shankly, treinador lendário do
Liverpool, disse certa vez: “No socialismo, no qual acredito, todos trabalham
uns para os outros e todos recebem uma parte dos lucros. É assim que eu vejo o
futebol, é assim que eu vejo a vida”.
O
treinador da seleção argentina, César Luis Menotti, publicou o manifesto de
esquerda sobre futebol “O futebol das profundezas do povo”. E os primeiros
pioneiros do futebol, como o jogador-fundador e cosmopolita pacifista Walther
Bensemann ou a ativista dos direitos das mulheres e jogadora Nettie Honeyball,
também pertencem, junto a muitos outros, a esse grupo.
Mas
não foram apenas alguns indivíduos da história do futebol que associaram o
esporte à emancipação; o próprio jogo também aponta para além do status quo. O
belo jogo do futebol total holandês (uma tática especial em que todos jogam de
tudo, da defesa ao ataque), os dribles fascinantes de Messi ou de Maradona, o
gol de Roberto Carlos, no qual o chute com efeito deu à bola uma trajetória
impossível, mas também o Catenaccio e a elegância cirúrgica na defesa de Paolo
Maldini produzem o que para Theodor W. Adorno constitui o encontro com a grande
arte: arrepios. Isso nos revela algo sobre a contradição entre as normas
sociais e as necessidades reprimidas. Desperta em nós o sentimento de que
poderia existir algo mais.
Não
é à toa que Toni Negri comparou a barreira da defesa italiana com as barricadas
dos operários. Para muitos, o futebol pode significar muito mais em um nível
simbólico do que o resto da vida, entre trabalho e o cotidiano. Esses arrepios
também são sempre falsamente conciliados com os males do nacionalismo, do
racismo, do antissemitismo e do sexismo que todas e todos conhecem dos
estádios. Mas é exatamente por isso que é fatal abandonar esse lugar, onde
muitas pessoas sentem arrepios, à direita.
Um
dos jogadores de futebol mais famosos, o qual se considerava um artista, foi
Johann Cruyff. Após o fim de sua carreira, ele disse: “Não passo a vida me
lamentando por nunca ter sido campeão mundial. Joguei em uma equipe fantástica
que trouxe alegria a milhões de espectadores. É disso que se trata no futebol
[…]. Mas a maior recompensa para mim sempre foi quando as pessoas diziam que
jogávamos o melhor futebol do mundo.” Com isso, Cruyff expressou de forma
despreocupada algo decisivo: o futebol bom, verdadeiro e bonito está à
esquerda; é o que constitui a alegria de viver. O futebol que os capitalistas
chamam de bom futebol talvez seja o mais bem-sucedido, mas não o melhor.
E
assim, milhões de pessoas se tornam artistas todos os dias. Nos campos de
futebol, nas ruas e nas ligas selvagens do mundo. Dificilmente em algum lugar o
idioma, a religião e a identidade se tornam tão insignificantes quanto quando
jogamos futebol juntos.
• Resistência no gramado
Há
uma história do futebol de esquerda reprimida, cheia de resistência e alegria
de viver. Uma delas é a do jogador da seleção brasileira Sócrates, que foi
artista do futebol, ativista e médico. Ele personificava os aspectos de
esquerda do jogo. Ele sempre quis jogar o belo futebol e ficou entusiasmado
quando seu clube, o Corinthians, foi radicalmente reestruturado de forma
democrática: todos tinham direito a voto, até o zelador.
Ele
protestou contra a ditadura no Brasil, foi provavelmente o primeiro jogador a
renunciar a uma Copa do Mundo para se tornar médico, e também o primeiro a
viajar para a Copa do Mundo seguinte como médico. Quando lhe perguntaram, após
sua transferência para o Fiorentina, qual jogador ele respeitava mais, Mazzola
ou Rivera, ele respondeu: “Não os conheço. Estou aqui para ler Gramsci no
original e para estudar a história do movimento operário.”
Mas
há também a história de Carlos Kaiser, que foi contratado por vários clubes
profissionais de 1979 a 1992, mas nunca chegou a entrar em ação. O malandro
moderno das favelas brasileiras venceu. Como nos romances picarescos da Idade
Média, Kaiser conseguiu se manter nos maiores e mais brilhantes círculos do
futebol da América do Sul. Ele não era um bom jogador de futebol, mas conseguia
convencer, era perspicaz, era capaz de enganar sem prejudicar os outros e
encontrou os atalhos que as pessoas que vivem em nível de subsistência tão
frequentemente precisam tomar.
Kaiser
editava fitas VHS com tanta frequência, que ninguém conseguia mais reconhecer
os jogadores, apenas os gols. Em seguida ele alegava ser a pessoa retratada no
vídeo, e enviava as fitas para clubes de toda a América do Sul. No final, isso
sempre era suficiente para conseguir um novo contrato de um ou dois anos.
Na
maioria das vezes, ele estava “lesionado” ou não podia jogar por outros
motivos. Os companheiros de equipe o adoravam e os dirigentes do clube não
queriam admitir haverem contratado um jogador de futebol falso. Carlos Kaiser
cumpria seu contrato e depois ia para o próximo clube. Sem querer, ele fez os
grandes negócios do futebol se verem no espelho.
• “No final do século XIX, quando as
mulheres lutavam por seus direitos e queriam também jogar futebol, elas
formaram seus próprios times — muitas vezes sob pseudônimos para evitar
expressões de ódio.”
As
mulheres estão envolvidas no esporte desde seus primórdios na Escócia e na
Inglaterra, e também foram discriminadas pela igreja e pelo estado desde o
início. No final do século XIX, quando o futebol institucional surgia, as
mulheres lutavam por seus direitos e queriam também jogar futebol, elas
formaram seus próprios times – muitas vezes sob pseudônimos para evitar
expressões de ódio. Foi principalmente das classes médias e das classes mais
pobres que surgiram as mulheres corajosas que, de repente, exigiram seu direito
ao futebol. Entre elas estava a goleira Helen Matthew. Ela se deu o nome de
Sra. Graham e nomeou sua equipe como Mrs. Graham’s XI (“as onze da Sra.
Graham”).
O
primeiro jogo público da Sra. Graham e de suas onze foi realizado em maio de
1881. O jogo ocorreu em Edimburgo e foi amplamente anunciado como uma partida
internacional entre a Escócia e a Inglaterra, embora tenha sido mais uma
partida interna do Graham’s XI. A Escócia venceu por 3 a 0 diante de mil
espectadoras e espectadores; a partida foi um pequeno fenômeno mundial. Mas
houve tumultos nos jogos seguintes e Helen Matthew se exilou do futebol na
Inglaterra.
No
início, o futebol feminino era recebido apenas com desaprovação pelos homens,
na melhor das hipóteses como diversão, e era visto como exótico ou bizarro. Nos
primeiros jogos, as mulheres ainda tinham que usar sapatos de salto alto e
espartilhos apertados. Era difícil competir com o domínio masculino.
Gradualmente, o movimento pelos direitos das mulheres se radicalizou. O braço
armado do movimento sufragista, a União Social e Política das Mulheres (WSPU),
também se apoiava no futebol.
Por
um lado, elas se posicionavam a favor do futebol feminino e jogavam elas
próprias futebol; por outro lado, elas realizavam ataques a instalações
esportivas ocupadas por homens. Em 1913, as sufragistas militantes atacaram a
arquibancada principal do Manor Ground Plumstead, sede do Woolwich Arsenal, o
clube antecessor do Arsenal de Londres. Outros ataques ocorreram nos estádios
do Preston North End e do Blackburn Rovers. O futebol era uma questão política
e os explosivos não eram um problema para a WSPU.
Enquanto
os homens estavam no front na Primeira Guerra Mundial, o futebol feminino entre
as trabalhadoras das fábricas de munição tornou-se cada vez mais popular. As
pioneiras foram as mulheres do Dick, Kerr Ladies FC, que jogaram em Liverpool
em 1920 diante de 53.000 espectadoras e espectadores.
Após
a Primeira Guerra Mundial, o futebol feminino era mais popular do que o
masculino na Inglaterra. Os homens não podiam suportar isso. Assim, o futebol
feminino foi proibido em campos oficiais, e somente em 1971 as mulheres puderam
voltar a jogar. Os argumentos falsos dos homens incluíam desde uma suposta
capacidade limitada de gerar filhos devido ao futebol até razões morais,
biológicas e estéticas. Na Alemanha a história se desenrolou semelhantemente,
com atraso.
Havia
também o futebol independente dos trabalhadores. No início do século XX, os
jogadores de futebol proletários lutaram por seu próprio futebol, com suas
próprias ligas, valores e regras. Eles fundaram seus próprios clubes ou jogaram
nos clubes de ginástica dos trabalhadores, como o Turnverein Fichte, em Berlim.
Naquela época, o futebol ainda era novidade na cidade, mas não demorou muito
para se popularizar no clube que levava o nome do filósofo Johann Gottlieb
Fichte.
Alguns
anos depois, o Fichte era o maior clube esportivo de trabalhadores da Alemanha.
Naquela época, a esquerda ainda entendia o esporte como uma contribuição para a
luta da classe trabalhadora contra o capital. Forte, atlético, apto para a luta
de classes — essa era a biopolítica de esquerda e, ao mesmo tempo, o futebol de
baixo. O futebol era jogado de uma forma diferente, em que não se fazia falta
ao companheiro do outro time, porque ele também tinha de trabalhar duro durante
a semana para sustentar a família.
Mas
mesmo o esporte dos trabalhadores não estava isento de conflitos. Assim como
nas questões mundiais mais amplas, também havia tensões entre os
social-democratas e os comunistas nos pequenos clubes.
No
entanto, o esporte dos trabalhadores era muito popular e bem-sucedido e
concorreu com a Associação Alemã de Futebol (DFB) até ser finalmente banido
pelos nacional-socialistas. O esporte dos trabalhadores constitui uma parte
importante da história do futebol alemão e é um exemplo de como o esporte pode
ser politicamente motivado. Isso mostra que não se trata apenas de um jogo, mas
também de um meio de lutar por um mundo melhor.
• Reinventar o futebol
Em
1992, é introduzida a regra do recuo e nasce o chamado futebol moderno. Como na
transição do cinema mudo para o sonoro, os antigos heróis desaparecem e surgem
novos. Sem a possibilidade de retardar o jogo passando de volta para o goleiro,
o jogo se torna muito mais atlético. Uma geração inteira de jogadores de
futebol que gostava de beber com os torcedores não aparecia mais. Ao mesmo
tempo, um certo Silvio Berlusconi está irritado com o fato de que, na Copa dos
Clubes Campeões Europeus, as grandes estrelas e equipes podem ser eliminadas da
competição precocemente por acaso. A agência de publicidade Saatchi &
Saatchi é contratada para desenvolver uma nova competição: a Liga dos Campeões.
Agora
há mais jogos, mais dinheiro e menos acasos. No final, os clubes mais ricos
teriam uma probabilidade maior de prevalecer. Além disso, surgem análises de
vídeo, big data e inteligência artificial. Os jogadores e os clubes se
transformam cada vez mais em mercadorias. Os queridinhos dos investidores, como
Red Bull Salzburg, Leipzig e New York, competem com os investimentos estatais
do Catar e da Arábia Saudita.
O
futebol moderno tenta neutralizar ainda mais o acaso. Em comparação com o
handebol, o basquete e outros esportes, muito poucos gols são marcados no
futebol. Muito depende do acaso. E é exatamente isso que torna o jogo tão
empolgante para milhões de pessoas. Sempre há a esperança de estar do lado com
sorte. Quem já está em desvantagem e não sabe como pagar as próximas contas,
continuará em desvantagem. Quem vai ao estádio ainda pode ter esperança. Mas
esse acaso está sendo atacado pela crescente monopolização e otimização
econômica — e com ele os sonhos de inúmeros torcedores.
Mas
o futebol moderno não é o fim da linha. Os protestos contra a Super League,
contra investidores, salários absurdos ou ingressos caros mostram que muitos
torcedores e esportistas não estão mais dispostos a aceitar a crescente
comercialização. E, no final das contas, aqueles que pagam pelo futebol, seja
clicando em anúncios na Internet, assinando um serviço de streaming
excessivamente caro ou indo ao estádio, têm o maior poder.
Se
eles compreenderem esse poder como um poder coletivo, algo poderá mudar. O
mercado do futebol não é uma lei da natureza, ele é criado por pessoas e pode
ser alterado por elas. Em última análise, aqueles que amam o esporte decidirão
a respeito dele.
O
futebol foi e é político. O futebol torna tangível para muitas pessoas o que
está errado no mundo e o que não funciona no capitalismo. Os movimentos de
esquerda não devem subestimar esse potencial. Ao mesmo tempo, o futebol não é
apenas um reflexo das relações sociais vigentes, mas também sempre um espaço de
possibilidade para ir além delas.
O
acaso e, com ele, a esperança nunca desaparecerão completamente, nem por meio
de IA e muito menos por meio de árbitros de vídeo. Os incontáveis milhões de
torcedores vivenciam – quer percebam dessa forma ou não – o atrito entre a fria
ordem capitalista e o potencial de um mundo humanitário escondido no riso, na
criatividade, na alegria infantil e na solidariedade da experiência
compartilhada, dentro e ao lado do campo.
Fonte:
Por Jonas Wollnhaupt com tradução de Gustavo Crivellari, para Jacobin Brasil
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