Ministro
diz que extrema direita quer ‘cada um por si’ na tragédia do RS e defende
governo
O
ministro do Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, disse que
o discurso da extrema direita sobre a maior tragédia climática do Estado é,
“necessariamente, um discurso das fake news e das mentiras” voltado à
construção da narrativa de que “o Estado é ineficiente, o que vale é cada um
por si e as políticas públicas não funcionam”. Responsável por coordenar as
ações da gestão na reconstrução dos municípios gaúchos, o ministro designado
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o cargo afirmou que é
preciso investigar o desastre “sem negacionismo”.
Em
vídeo publicado no X (antigo Twitter) neste domingo, 19, o ministro reconheceu
a existência de três posicionamentos diante do desastre gaúcho. O primeiro,
para ele, é a divulgação de informações que descredibilizam as ações do governo
federal. De acordo com Pimenta, essa estratégia é fundamental para a extrema
direita. “As tragédias e as pandemias são momentos em que o poder público e as
políticas públicas aparecem com muita força e a sociedade enxerga o papel do
Estado. Foi assim que eles fizeram na pandemia (de coronavírus)”, disse o
ministro.
Ao
mesmo tempo, Pimenta afirma existir também o “discurso do neoliberalismo”.
Segundo ele, neste caso surgem as propostas de intervenção mínima do Estado e a
busca por ajuda externa a partir “da contratação de consultorias
internacionais, dos fundos de reconstrução”.
Por
fim, defendendo a atuação do governo federal, o ministro disse que o campo da
esquerda é o que vai propor políticas públicas e programas de recuperação do
Estado a partir de uma “lógica sustentável, socioambiental e que discuta e
aprofunde, além das causas meteorológicas, por que tudo isso aconteceu”. Para
Pimenta, também é importante descobrir como proceder para que situações como
essa não se repitam.
Na
publicação, a autoridade federal no Estado também escreveu que o governo Lula
já começou a buscar esta profundidade na investigação sobre as causas do
desastre, em paralelo ao trabalho de apoio às famílias atingidas pelas
enchentes.
O
debate sobre a desinformação surgiu logo após o início das enchentes no Estado
gaúcho. O próprio ministro, enquanto responsável pela Secretaria de Comunicação
Social da Presidência (Secom), enviou um ofício ao ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, citando a “existência de narrativas desinformativas e criminosas
vinculadas às enchentes e desastres ambientais ocorridos no Estado do Rio
Grande do Sul”.
Por
determinação de Lewandowski, a Polícia Federal (PF) abriu uma investigação para
apurar a suposta disseminação de informações falsas sobre a tragédia climática.
O inquérito tem entre os alvos o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP),
filho do ex-chefe do Executivo Jair Bolsonaro (PL), o coach e pré-candidato à
Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), e o senador Cleitinho Azevedo
(Republicanos-MG).
O
presidente Lula também afirmou que a veiculação de conteúdos falsos sobre o
desastre “não ajudam” e defendeu a regulação das redes sociais. Para o
presidente, o clima vai melhorar quando a população ver que o governo está
trabalhando e “começar a deixar de lado as pessoas raivosas, mentirosas e que
pregam o ódio”.
As
chuvas que provocaram as maiores enchentes da história do Rio Grande do Sul
atingiram, até esta segunda-feira, 20, mais de 2,3 milhões de pessoas e 463
municípios. Ao todo, 88 gaúchos seguem desaparecidos e 157 morreram.
• Reconstrução
do RS precisa priorizar rodovias e moradias, dizem especialistas
A
reconstrução do Rio Grande do Sul exigirá planejamento e definição de
prioridades por parte da gestão Eduardo Leite (PSDB). Especialistas ouvidos
pela Folha de S.Paulo destacam que, a curto e médio prazo, o governo deve
centrar seus esforços na construção de moradias e na recuperação de rodovias e
pontes, afetadas pela tragédia climática.
A
partir de então, o foco deverá ser direcionado aos equipamentos públicos de
saúde e educação.
Leite
anunciou, na última sexta (17), um plano de trabalho que será dividido em três
etapas: emergencial/curto prazo (focado em assistência social, segurança);
reconstrução/médio prazo (habitação e infraestrutura); e futuro/longo prazo
(fortalecer a resiliência a eventos climáticos).
"Recuperar
as redes de rodovias [regionais, estaduais e federais], assim como pontes e
cabeceiras, significa a ligação entre os territórios. É um primeiro passo para
recompor o sistema de circulação das pessoas e de mercadorias", afirma
Luiz Afonso dos Santos Senna, engenheiro e professor da UFRGS (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul).
O
fechamento do Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, previsto para ser
reaberto somente em setembro, piora ainda mais a logística.
De
acordo com painel interativo do estado atualizado até sexta, pelo menos 139
trechos de 57 rodovias federais e estaduais estão com fluxos bloqueados. Isso
ocorre quando há inundação na pista, avaria em ponte, deslizamento de encostas.
Senna
estima que, a médio e longo prazo, o governo também deverá se preocupar com as
estradas que ficaram alagadas por vários dias, mas voltaram a operar. "Com
o tempo, começa aparecer aquelas panelas [buracos], é necessário reavaliar a
sub-base, onde há compostos de areia e brita", diz o engenheiro.
A
situação dos bloqueios levou o Comando Rodoviária da Brigada Militar a
disponibilizar um site indicando trajetos alternativos.
"É
crucial manter as rotas desobstruídas para garantir o acesso aos serviços
essenciais e facilitar o transporte de ajuda humanitária. Pedimos que evitem
circular nas rodovias sem necessidade", afirma a Brigada.
A
arquiteta Clarice Misoczky de Oliveira, co-presidente da IAB-RS (Instituto de
Arquitetos do Brasil) e professora da UFRGS, também afirma que a reconstrução
do estado só será possível a partir da reabilitação das rodovias.
A
proposta para recuperar e construir casas também deve compor o rol de
prioridades. Mais de 540 mil pessoas tiveram que deixar suas casas, sendo que
ao menos 77 mil estão em abrigos.
"Muitas
escolas hoje servem como abrigos e devem voltar ao uso original", diz
Oliveira.
"A
questão habitacional é mais dramática. Há municípios no Vale do Taquari, como
Muçum e Roca Sales, que se desenvolveram em áreas de encostas. Cidades como
Santa Tereza em que parte das casas estão em áreas de inundações. Precisamos
construir com segurança", prosseguiu.
O
governo federal irá comprar junto ao setor privado os imóveis em áreas urbanas
já concluídos ou que ficarão prontos até o final de 2025 --cerca de 5.000
unidades.
Outra
medida na área de habitação, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), é o Vale Reconstrução, um pagamento único de R$ 5.100 a famílias que
perderam seus bens na catástrofe.
"A
política habitacional no país não é tão azeitada como a de educação e saúde.
Será necessário fortes investimentos para moradias em locais seguros, porque
poderemos ter novas inundações", afirma Gustavo Fernandes, professor de
administração pública da FGV/EASP.
O
cineasta Tadeu Jungle, que dirigiu "Rio de Lama", documentário sobre
o rompimento da barreira da Samarco que soterrou Bento Rodrigues, em Mariana
(MG), afirma que, nesse processo de reconstrução, o auxílio psicológico será
vital.
"Perder
tudo é uma situação dificílima. Pessoas que voltaram à cidade pela primeira vez
recordavam que ali tocavam músicas todos os finais de semana, as pessoas iam
até a praça assistir. Outra senhora que chora vendo a escola, que era muito
bonita. A casa é o teto do afeto, você perde o vizinho, o caminho do dia a dia.
Nada disso mais tem", recorda Jungle.
Além
de habitação e pavimentação, a gestão Leite deverá priorizar os reparos dos
equipamentos nas áreas de saúde e educação. Dados da Secretaria Estadual de
Saúde mostram que 269 hospitais tiveram seus prédios danificados. Em Porto
Alegre, das 134 unidades básicas de saúde, 37 foram fechadas.
Com
a desativação desses locais, profissionais de saúde vêm atendendo a população
em abrigos, de forma improvisada.
O
arquiteto e urbanista Anderson Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), classifica o processo de
reconstrução como uma oportunidade para reconstruir todo o sistema de drenagem.
"Precisamos
combinar esse sistema de drenagem com outras obras como os jardins de chuva,
recuperar mata-auxiliar. É a oportunidade para que as cidades se adaptem aos
impactos climáticos, como o aumento na intensidade de chuvas e as ondas de
calor", diz Nakano.
Para
o professor de administração pública Alvaro Martim Guedes, da Unesp
(Universidade Estadual Paulista), as obras nos sistema de drenagem e de
contenção devem ser conduzidas concomitantemente às de restauração das casas,
pavimentação, hospitais e escolas.
"Tudo
indica que as inundações podem se repetir, é preciso dar ênfase na prevenção
para termos garantia de toda essa recuperação. Caso contrário, é como construir
castelo na areia", diz Guedes.
• Porto
Alegre gastou apenas R$ 11,6 milhões com defesa civil entre 2021 e 2023
A
Prefeitura de Porto Alegre (RS) gastou apenas R$ 11,6 milhões com ações de
defesa civil desde 2021, segundo dados do Relatório Resumido da Execução
Orçamentária enviado anualmente pela capital gaúcha ao Ministério da Fazenda.
No
período, o município teve um orçamento global de quase R$ 27 bilhões e passou
por uma enchente histórica em setembro de 2023, que deixou 49 mortos.
Procurada,
a prefeitura não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O
baixo valor gasto pela capital gaúcha deixou a cidade em quarto lugar no estado
nos gastos com defesa civil. Os investimentos de Canoas (R$ 54 milhões), Santa
Cruz do Sul (R$ 43 milhões) e Imbé (R$ 15 milhões) estão na frente de Porto
Alegre. Somadas as três cidades, elas tiveram um orçamento de R$ 8,5 bilhões
nos últimos três anos.
Em
números absolutos, a capital gaúcha é a 24ª no país em volume de gastos com
defesa civil. Nos últimos três anos, ela teve o sétimo maior orçamento. Por
isso, quando o cálculo é feito em percentual do gasto total, a cidade cai para
a posição 567.
A
defesa civil consiste tanto em ações preventivas quanto de socorro,
assistenciais ou reconstrutivas destinadas a evitar desastres ou minimizar seus
impactos.
O
urbanista e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Roberto
Andrés diz que para os políticos, o investimento em defesa civil e na prevenção
de tragédias "não dá voto", o que dificulta a solução do problema.
"Não
caiu a ficha na política que esse é um tema central hoje e como não tem uma
bala de prata fica difícil convencer [a investir]", continua.
A
mitigação dos impactos da mudança climática passa por diversas frentes. O
primeiro, aponta, é a redução das emissões de gases de efeito estufa. "As
cidades são responsáveis por 60% das emissões, então essa é uma contribuição
que todos temos que dar", disse.
Em
seguida, vem a adaptação das cidades. "Como elas vão conviver melhor com
calor extremo e chuvas mais fortes? Aí tem arborização urbana, sistema de
drenagem, áreas verdes, parques. Tudo isso permite que água seja absorvida pelo
solo", apontou.
Nesse
quesito também entram os sistemas técnicos de drenagem nos pontos de maior
risco. "Em Porto Alegre há um sistema em funcionamento de controle de água
do Guaíba, mas ele estava sem manutenção", afirma.
Nos
últimos sete anos, a cidade gastou R$ 16,4 milhões com a manutenção do seu
sistema de drenagem.
Em
entrevista à Folha de S.Paulo publicada na quarta-feira (15), o prefeito de
Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), disse que nos três anos da sua gestão houve
cerca de R$ 500 milhões de investimento em drenagem urbana, tratamento de água
e áreas afins.
Quando
não é possível evitar tragédias, entram os sistemas de monitoramento e resposta
a catástrofes. "São necessárias equipes bem treinadas, atuantes e
comunicação com a população para enfrentar a tragédia e evitar perdas
maiores", afirma o urbanista.
A
todas essas frentes se soma a proteção do meio ambiente. "Se todos os rios
que desembocam no Guaíba tivessem mata ciliar com 50 metros de cada lado, elas
absorveriam essa água", disse Andrés.
O
subfinanciamento da prevenção é um problema crônico no Brasil em todas as
esferas. O governo Lula (PT) destinou R$ 1,05 bilhão para lidar com as
consequências de desastres em 2023 e somente R$ 36 milhões para tentar evitar
os problemas.
O
orçamento federal tem um programa específico para a gestão de riscos e
desastres que conta com a participação de diversos ministérios. Na divisão de
trabalhos, o MIDR (Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional) cuida
do enfrentamento às consequências dos desastres e o Ministério das Cidades fica
com a prevenção.
Em
2023, o Orçamento teve R$ 1,1 bilhão em pagamentos no programa chamado Gestão
de Riscos e Desastres. Desse total, 94,4% saíram do Ministério da Integração,
enquanto a pasta de Cidades usou R$ 36 milhões, ou 3,2% do total.
Fonte:
FolhaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário