Viagem no tempo: o que aconteceria se você se encontrasse com seu eu
futuro?
Um clássico conto do escritor americano Ted Chiang conta a história de
um jovem comerciante que viaja para o futuro e encontra o seu "eu" de
anos depois. Ao longo da história, o homem recebe alertas, promessas e dicas
daquela versão mais idosa e sábia de si próprio.
Essas premonições mudam o curso da vida do comerciante, até que ele
acaba se tornando o homem mais velho, que encontra seu eu mais jovem e
compartilha aquele mesmo conhecimento.
Cenas como essa são muito populares e já foram exploradas em muitos
outros romances, em filmes como a trilogia De Volta para o Futuro (1985-1990) e
em diversas séries de TV, desde Uma Família da Pesada até Contratempos –
passando, é claro, por Doctor Who, da BBC, que está completando 60 anos.
Este tipo de narrativa, por razões óbvias, sempre ficou restrito ao
campo da ficção científica. Mas e se – um grande "se" – você
realmente conseguisse encontrar o seu eu do futuro?
Esta é uma questão bastante estranha, mas acredito que vale a pena
pensar mais sobre ela.
Sou psicólogo e professor e, por isso, reconheço que discutir as
implicações hipotéticas das viagens no tempo pode parecer estranho, vindo de
alguém com esta especialização profissional. Mas minhas pesquisas ao longo dos
últimos 15 anos não estão tão distantes assim deste tema.
Meus estudos se concentraram principalmente em como as pessoas pensam e
se relacionam com seus "eus" futuros, e publiquei recentemente um
livro sobre o assunto. Nele, exploro os motivos que nos levam a ter tanta
dificuldade para tomar decisões de longo prazo e como podemos fazer escolhas
melhores, ampliando nossa conexão emocional com nosso eu futuro.
Minhas pesquisas me ensinaram que costumamos imaginar o nosso eu futuro
como outra pessoa – e esta tendência pode nos criar problemas.
Pense em alguém na sua vida que você mal conhece: um vizinho ou um
colega de trabalho, por exemplo. Se esse estranho pedisse que você se privasse
de algo em seu benefício – que lhe emprestasse dinheiro, por exemplo – talvez
você educadamente recusasse.
Se tratarmos o nosso eu futuro da mesma forma, faz sentido por que, às
vezes, nós cedemos aos nossos desejos imediatos (como comprar uma TV ou um
carro último modelo) em vez de fazer algo que nos traria um bem maior no longo
prazo (como economizar para uma viagem no próximo verão).
Nós poderíamos pelo menos tentar fazer com que o nosso eu futuro se
parecesse menos com estranhos e mais com pessoas próximas, como nossos
parceiros, nossos entes queridos ou melhores amigos.
Uma forma de preencher esse fosso emocional é pensar no nosso eu futuro
de forma mais vívida e concreta. Afinal, o que é vívido é emocional e o
emocional pode nos levar à ação.
Em um estudo recente, por exemplo, meus colaboradores e eu fizemos uma
parceria com um banco e descobrimos que clientes que recebem imagens de si
próprios com o avanço da idade, ao lado de mensagens incentivando que eles
economizem para a aposentadoria, são 16% mais propensos a fazer uma
contribuição para a aposentadoria do que as pessoas que receberam apenas as
mensagens de incentivo.
Outro estudo concluiu que escrever cartas para si próprio no futuro – e
respondê-las – também pode fortalecer a conexão entre o eu atual e o do futuro.
• Ajuda da tecnologia
Evidentemente, mostrar às pessoas imagens do seu rosto mais velho ou
fazer com que elas iniciem uma conversa hipotética é muito diferente de
levá-las a realmente conhecer o seu eu futuro. Mas podemos imaginar que será
possível manter interações muito mais ricas no futuro próximo, com o uso da
inteligência artificial.
O que aconteceria se um modelo de IA como o ChatGPT ou Bard pudesse ser
treinado com as experiências de vida dos indivíduos?
Estes modelos ficaram surpreendentemente inteligentes, aprendendo como
os seres humanos se comunicam através de imensos conjuntos de dados – e
trabalham essencialmente fazendo previsões.
Se esse modelo incorporasse informações como seu local de nascimento,
histórico escolar, personalidade, relacionamentos e hobbies (e os mesmos dados
de milhões de outras pessoas), ele poderia ser capaz de prever a pessoa que
você será daqui a 10 ou 20 anos.
É claro que o modelo não poderia prever exatamente quais decisões você
iria tomar. Ele poderia mostrar o seu potencial, com base na vida de pessoas
parecidas com você – não apenas uma vida possível, mas sim o caminho de vida
mais provável que você seguiria.
Agora, imagine-se conversando com a sua versão do futuro, da mesma forma
que você conversa com um amigo ou um ente querido. O que você perguntaria?
Minha reação imediata – e a de outras pessoas com quem conversei – é de
resistência.
Imagino que a fonte dessa resistência resida no desejo de nos vermos
como uma pessoa única. Como um algoritmo poderia fazer uma previsão sobre mim,
com minhas características multicoloridas que me tornam único entre oito
bilhões de pessoas?
Sim, eu preciso aceitar – ainda que relutantemente – que não sou tão
único como gosto de pensar. E os algoritmos já conseguem prever minha
personalidade, desejos e escolhas regularmente. Sempre que ouço uma playlist
personalizada no Spotify ou me interesso por uma recomendação de filme na
Netflix, alguma forma de IA foi responsável por essa previsão.
À medida que os algoritmos ficarem mais poderosos, com maior acesso aos
dados sobre nós e sobre outras pessoas similares, não há motivo que os impeça
de ir além dos detalhes superficiais, como as escolhas de entretenimento do seu
eu futuro. Eles poderão ser capazes de prever como a sua versão mais velha e
sábia poderá se sentir sobre as decisões que tomou ao longo da vida.
• Oito perguntas para o seu
'eu futuro'
Voltando, então, à questão original: se você pudesse viajar no tempo
para encontrar o seu eu futuro, quais aspectos da sua vida você gostaria de
conhecer melhor?
Quais você iria preferir que fossem mantidos em segredo? E, se você
preferisse recusar o encontro, qual seria o motivo?
Pensei muito sobre o que eu faria. Meu primeiro instinto seria perguntar
ao meu eu futuro coisas como... você é feliz? Os seus familiares são felizes e
saudáveis? O ambiente à sua volta é seguro para os seus netos e bisnetos?
Quanto mais analisava essas questões iniciais, mais percebia o quanto eu
me preocupava com o que o futuro me reserva. E um levantamento muito informal
com minha esposa e alguns amigos indicou que eu talvez não esteja sozinho nessa
tendência.
Mas, refletindo um pouco mais, percebi que as perguntas mais poderosas
seriam aquelas que me ajudassem a tomar decisões melhores hoje. Com este
objetivo, eu poderia gerar diversos questionamentos para iniciar um diálogo
entre meus dois eus. Por exemplo:
• Do que você tem mais
orgulho em mim e por quê
• De que formas, positivas e
negativas, você mudou ao longo do tempo?
• Do que você sente mais
falta nas épocas passadas da vida?
• Quais ações você lamenta
ter tomado?
• Quais ações você lamenta
não ter tomado?
• Qual época da vida você
mais gostaria de poder repetir?
• No que eu deveria prestar
mais atenção agora?
• Com o que eu deveria me
preocupar um pouco menos?
Imagine se você fizesse estas oito perguntas para o seu eu futuro. Que
respostas poderiam modificar seu modo de vida atual?
Provavelmente, este seria o diálogo mais importante da sua vida. Mas
você não precisa esperar que surjam as viagens no tempo ou os avanços da IA
para obter respostas que possam servir de base para suas ações.
Nas minhas pesquisas como psicólogo, aprendi que simplesmente reservar
um tempo para imaginar este encontro pode ajudar você a tomar melhores decisões
agora, preenchendo o espaço emocional entre quem você é hoje e quem você será
amanhã.
Tudo o que você precisa é de um pouco de imaginação e disposição para se
colocar no lugar de uma pessoa que, hoje, você trata como um estranho.
Fonte: Por Hal Hershfield, para BBC Future
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