terça-feira, 12 de dezembro de 2023

EUA se aliam a setores financeiros e da mídia no Brasil para aplicar Doutrina Monroe 2.0

Senadores norte-americanos celebram os 200 anos da Doutrina Monroe e prometem reviver essa política de intervenções na América Latina. Acadêmicos brasileiros foram à Rússia para debater os instrumentos de que o Brasil dispõe para fazer frente a mais essa ofensiva do poderio norte-americano.

No dia 2 de dezembro, a América Latina rememorou com pesar os 200 anos da Doutrina Monroe, a controversa política norte-americana que buscava garantir o controle de Washington sobre as Américas.

Inaugurada em 1823 pelo presidente James Monroe, a doutrina tinha o intuito declarado de impedir a influência de potências europeias no continente americano. Na prática, a doutrina respaldou intervenções norte-americanas na América Latina para garantir a hegemonia regional de Washington.

Uma doutrina que deveria estar relegada aos livros de história hoje domina o debate político dentro e fora dos EUA. O governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, inaugurou sua pré-campanha à presidência da República anunciando que os EUA precisam de "uma versão da Doutrina Monroe para o século XXI". Seu correlegionário e também candidato à chefia da Casa Branca Vivek Ramaswamy disse que se eleito, "a estrela que norteará minha política externa será uma Doutrina Monroe moderna".

O Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA decidiu celebrar a data reafirmando o seu compromisso com a Doutrina Monroe.

"Duzentos anos depois, a Doutrina Monroe está viva e bem e foi abraçada por praticamente todos os presidentes e administrações desde que foi implementada", reconheceu o senador republicano Jim Risch. "Tenho orgulho de apresentar uma resolução que reafirma o papel [da Doutrina Monroe] como um princípio duradouro da política externa dos EUA."

O atual contexto de transição geopolítica, no entanto, coloca em dúvida a capacidade norte-americana de impor a Doutrina Monroe no espaço latino-americano. Acadêmicos de instituições do Brasil e da Rússia se reuniram hoje (5) em Moscou para debater como Washington busca aplicar a Doutrina Monroe 2.0 na América Latina e quais os instrumentos que a região tem para manter a sua soberania econômica e política.

"Grandes potências muitas vezes buscam estabelecer esferas de influência para garantir a sua segurança, ainda que usem nomes bonitos para caracterizá-las. No caso dos EUA, alguns desses nomes são 'hemisfério ocidental' e 'Doutrina Monroe'", disse o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ricardo Zortea. "Países que querem ser independentes devem tomar cuidado para não serem ludibriados pelos nomes bonitos dessas esferas de influência."

Segundo ele, para manter sua posição na América do Sul, os EUA investem no antagonismo entre os países da região e na influência direta sobre determinados grupos de interesse.

"Tradicionalmente os EUA buscam manter um equilíbrio de poder entre Argentina e Brasil, cooperando com elites pró-americanas em ambos os países, principalmente em setores ligados à mídia e ao mercado financeiro", disse Zortea à Sputnik Brasil. "O objetivo é impedir a aprovação de políticas de desenvolvimento e o aumento do poderio militar na região."

Por outro lado, o declínio do poder norte-americano já não permite que Washington utilize as mesmas estratégias de interferência dos tempos da Doutrina Monroe, aponta o professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabiano Mielniczuk.

"A Doutrina Monroe não é mais como era antes, mas se manifesta na preocupação de garantir que nenhum líder possa emergir na América do Sul — e o Brasil seria o principal candidato", disse. "Os americanos não querem um líder capaz de confrontá-los, muito menos do Brasil, que tem um sistema de alianças […] que inclui o BRICS, o G20 e o G77."

O professor da UFRGS lembrou as recentes intervenções dos EUA nos assuntos internos de países como Bolívia e Venezuela, que explicitam a vontade de Washington de manter a região sob seu jugo. Para ele, a melhor aposta para o Brasil garantir a sua independência é investir na integração regional sul-americana.

"Não adianta tentarmos nos aventurar em corrida armamentista para suplantar esse desafio. A melhor forma de fazer frente a ímpetos hegemônicos dos EUA é o regionalismo", considerou Mielniczuk. "O Brasil investe na construção de uma identidade regional sul-americana para garantir o combate à pobreza e à miséria, que são os reais problemas da região."

O professor Zortea concorda que o Brasil tem instrumentos para se defender das tentativas dos EUA de imporem sua hegemonia ao espaço sul-americano.

"O Brasil tem todos os recursos disponíveis na sua mão. Tem capacidade institucional, tem uma burocracia profissional, uma economia grande e ótima capacidade tecnológica. O que o Brasil precisa é de consenso político e vencer a ideologia liberal econômica, que impede a realização de gastos em política externa. A presença soberana do Brasil no mundo custa caro e demanda muito investimento", concluiu o especialista.

Nesta terça-feira (5), acadêmicos de Brasil, Argentina e Rússia se reuniram no 13º Programa Científico e Educativo "Diálogo em Nome do Futuro", promovido pelo Fundo de Diplomacia Pública Aleksandr Gorchakov, em Moscou.

Durante suas estadias na capital russa, os acadêmicos Fabiano Mielniczuk e Ricardo Zortea ainda participaram de eventos promovidos pelas principais universidades do país, como a Escola Superior de Economia (HSE, na sigla em inglês) e o Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO, na sigla em russo).

 

Ø  Estudo aponta que intervenções militares dos EUA tornam os americanos menos seguros

 

Dados empíricos demonstram que, embora o belicismo dos EUA possa enriquecer os contratantes militares, as consequências para cidadãos ao redor do mundo têm sido graves. Uma nova pesquisa da Universidade Brown fornece respaldo empírico para a afirmação de que a máquina de guerra dos EUA está tornando os americanos — e o mundo — menos seguros.

"Existem mais grupos militantes do que quando começamos a chamada 'Guerra ao Terror' em 2001", disse Stephanie Savell, pesquisadora sênior do projeto Custos da Guerra da universidade. "Há mais recrutas para esses grupos, há muitas consequências para toda essa ação militar ao redor do mundo", acrescentou.

"E estamos vendo no Iraque e na Síria agora que a presença dos EUA nesses lugares, em nome do contra-terrorismo, na verdade... torna mais provável que [as tropas dos EUA] se envolvam em ações agressivas no exterior", enfatizou a pesquisadora.

Em outras palavras, guerra e violência só geram mais guerra e violência.

A pesquisa de Savell revela que os EUA mantêm presença militar em 78 países, o que equivale a 40% das nações do mundo. Seu estudo também identifica 800 bases militares dos EUA ao redor do globo. A controvérsia sobre o que constitui uma "base" gera alguma incerteza nessa contagem — alguns estimam o número de instalações militares em mais de 900.

Enquanto isso, as tropas americanas e aliados foram atacadas cerca de 82 vezes no Iraque e na Síria desde 17 de outubro, à medida que o apoio americano à incursão terrestre de Israel na Faixa de Gaza inflamou a raiva em todo o mundo árabe.

A pesquisa de Savell também aponta que pelo menos 4,5 milhões de mortes ocorreram como resultado direto ou indireto das guerras lideradas pelos EUA desde 11 de setembro de 2001.

"Caminhamos muito na direção de usar o militar como a principal ferramenta da política externa dos EUA", disse Savell. "E, argumentavelmente, isso não está tornando os americanos ou qualquer outra pessoa no mundo mais seguros."

"Muitas vezes, o que está acontecendo é que os EUA estão fornecendo financiamento, armas e treinamento para regimes que estão muito longe de serem democráticos. Eles estão usando essas ferramentas para reprimir dissidentes políticos e opositores políticos. E isso está realmente criando e alimentando um ciclo de blowback em que esses grupos visados estão então se juntando a movimentos militantes", ressaltou a pesquisadora.

Contrariando o objetivo frequentemente declarado dos EUA de promover democracia e "liberdade", outro estudo demonstrou que o Estado norte-americano apoia militarmente 73% dos países considerados "ditaduras" em todo o mundo.

A beligerância dos EUA prejudicou a reputação global de países nos últimos anos, especialmente no Oriente Médio, onde o presidente russo, Vladimir Putin, estabeleceu relações diplomáticas com base nos princípios de soberania e respeito mútuo.

Recentemente, a "Carta a América" do falecido líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, viralizou na plataforma TikTok. A missiva retrata a oposição aos estadunidenses em todo o mundo árabe como uma resistência ao militarismo do país, contradizendo o mantra frequentemente repetido de "eles nos odeiam pela nossa liberdade" da era pós-11 de Setembro.

Os legisladores dos EUA responderam renovando pedidos para a proibição da plataforma chinesa, e o jornal britânico The Guardian removeu a carta de seu site com receio de que os americanos fossem encorajados a se envolverem ainda mais em pensamento crítico.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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