terça-feira, 27 de junho de 2023

CPMI do 8 de janeiro questiona George Washington sobre conexões agrárias

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro recebeu na quinta (22) a aguardada oitiva de George Washington de Oliveira Sousa, mentor da tentativa frustrada de atentado a bomba no aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro de 2022. Em uma sessão entrecortada por ataques da oposição bolsonarista — que tenta emplacar a tese de que os atos golpistas que ocorreram antes e durante o 08 de janeiro seriam fruto de “infiltrados” de esquerda — poucos parlamentares exploraram as conexões políticas e empresariais do terrorista.

Uma delas foi a senadora Ana Paula Lobato (PSB-MA), que citou dados do dossiê “As Origens Agrárias do Terror“, publicado em maio pelo De Olho nos Ruralistas, para sustentar parte de seu inquérito. Antes dela, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da comissão, fez referência a outra reportagem do observatório, publicada em dezembro, poucos dias após George Washington ser preso, revelando a extensão dos negócios — de transportadoras a postos de combustíveis — controlados pelo tio dele, Sebastião José de Souza.

Em sua fala, a senadora Ana Paula se referiu especificamente ao fato de George Washington ter ligado para o empresário e político Ricardo Pereira da Cunha e o pecuarista Bento Carlos Liebl. Cunha é dono da empresa USA Brasil de Xinguara, destinatária da chave PIX divulgada por diversos fazendeiros do Pará que recolhiam doações para financiar atos antidemocráticos, conforme mostrou a Repórter Brasil. Liebl é fazendeiro em São Félix do Xingu (PA), onde ele e sua família são donos de pelo menos 15 mil hectares, segundo dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (SNCR/Incra).

A pergunta foi reiterada posteriormente pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), porém George Washington não respondeu a nenhum dos questionamentos.

SENADORA MENCIONA REPORTAGEM DO OBSERVATÓRIO EM SUAS PERGUNTAS

Na terça-feira (20), a advogada Rannie Karlla de Lima Monteiro protocolou um pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal para que o terrorista obtivesse o direito dele permanecer em silêncio diante de questões que pudessem incriminá-lo. Apesar da corte não ter acatado o pedido, o mesmo foi possibilitado após o presidente da comissão, o deputado Arthur Maia (União-BA), mudar a condição de George Washington de testemunha para investigado.

Confira abaixo o trecho na íntegra:

Sen. Ana Paula Lobato: O site De Olho nos Ruralistas identificou que o senhor, ao ser preso, fez questão de ligar para duas pessoas. É significativo que não se tratasse de um membro familiar ou um advogado. Assim, lhe pergunto: quem são nomeadamente estas pessoas e sua ligação com elas?

George Washington de Oliveira Sousa: Permanecerei calado, senhora.

Ana Paula: Por qual motivo específico após sua prisão em flagrante o senhor priorizou o contato com tais pessoas?

GW: Permanecerei calado, senhora.

Ana Paula: Qual o teor dessas conversas? O senhor ouviu destas pessoas algum aconselhamento específico?

GW: Permanecerei calado.

Ana Paula: O senhor se considera um homem de negócios bem-sucedido com sua empresa de gás no Pará?

GW: Permanecerei calado.

GOVERNO PEDIU QUEBRA DE SIGILO DE TIO E PRIMAS DE GEORGE WASHINGTON

Utilizando o tempo de relatora, a senadora Eliziane Gama tentou retirar de George Washington mais informações sobre o apoio que teria recebido de amigos e familiares. Em dado momento, ela cita dados divulgados por este observatório sobre os negócios em nome de seu tio Sebastião José de Souza, o Tião, e de suas primas.

— Eu tenho a informação de que essa caminhonete [na qual George Washington dirigiu de Xinguara até Brasília] era de propriedade das sócias do posto Cavalo de Aço, no qual, em tese, você era funcionário – mais precisamente gerente, como lembra minha colega -, e, portanto, essa caminhonete seria de propriedade da pessoa jurídica desta empresa, cujas sócias são as Sras. Francisca Alice de Sousa Reis e Michelle Tatianne Ribeiro de Sousa. Confere essa informação?

Mais uma vez, ele se manteve calado.

Nascido em Sobral (CE), George Washington de Oliveira Sousa informou à Justiça, em 2016, que morava na Rua da Uriboca Velha, 770, em Marituba (PA), na região metropolitana de Belém. O mesmo endereço de Tião, dono da Transportadora Patriarca e, junto com as filhas, de uma vasta rede de postos de gasolina em cinco estados da Amazônia Legal. Um dos postos em nome das primas de George Washington fica em Xinguara, com o mesmo nome — Cavalo de Aço — da churrascaria ao lado, em nome de George Washington de Oliveira Sousa Filho.

A propriedade ao lado da casa em Marituba, em área similar, está à venda por R$ 2.250.000. A 500 metros, no Km 11 da Rodovia BR-316, ficam outras empresas de Tião e das filhas: o Super Posto 2000, em nome das irmãs Francisca Alice de Sousa Reis, e Michelle Tatianne Ribeiro de Sousa; e a loja de conveniências BR Point 2000, em nome do pai delas, Sebastião. Tião já teve outra empresa ao lado, uma metalúrgica, junto com o criador do Sindicato da Habitação do Pará.

O próprio anúncio de venda da casa ao lado, no bairro do Uriboca, informa que Tião é o dono do endereço informado por George Washington, na primeira casa acima. Várias imobiliárias colocaram o imóvel à venda.

Após a intervenção de Eliziane, o vice-líder do governo na Câmara, deputado Rogério Correia (PT-MG) pediu a quebra do sigilo bancário de Sebastião José de Souza, Francisca Alice e Michelle Tatiana.

FAZENDEIROS VIZINHOS À TI APYTEREWA ESTÃO POR TRÁS DE TERRORISTA

Uma das pessoas indicadas como contato de emergência pelo terrorista foi Bento Carlos Liebl, natural de São Bento do Sul (SC). Ele é proprietário da Fazenda Santa Tereza, em São Félix do Xingu, com 4.274 hectares, enquanto seu pai, Bento Liebl, é dono de 4.181 hectares da Fazenda Mamoeiro.

Outra familiar, Bernadete Liebl Peschl possui a Fazenda São Carlos, com 4.342 hectares, enquanto a cunhada de Bento Carlos, Simone Rudnick Liebl, aparece como proprietária da Fazenda São Bento, de 3.000 hectares, alvo de embargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) por desmatamento de 24 ha de floresta; desmatamento com uso de fogo. Duas propriedades vizinhas, as fazendas Bituva Grande, de 6.786 hectares, e Minuano, de 5.523 hectares, estão registradas em nome de Olivia Reusing, sogra de Bento Carlos.

Juntas, as seis fazendas compõem um mega-latifúndio de quase 30 mil hectares, localizado na fronteira Sul da Terra Indígena (TI) Apyterewa, a mais desmatada do país entre 2019 e 2022. Três dos imóveis são imediatamente vizinhos do território do povo Parakanã, conforme mostra o mapa elaborado por De Olho nos Ruralistas, com base em dados georreferenciados do Incra.

Duas investigações da Repórter Brasil, em 2020 e 2022, apontaram São Félix do Xingu como epicentro do desmatamento ilegal associado à pecuária irregular na Amazônia. Ali, rebanhos provenientes de áreas dentro da TI são abatidos em propriedades do entorno como forma de “piratear” a procedência do gado ilegal. Esses rebanhos alimentam a cadeia de produção da Marfrig e de outros grandes frigoríficos.

A multinacional presidida por Marcos Molina está ligada a pelo menos uma das fazendas identificadas por este observatório. Bento Carlos Liebl é casado com Solange Reusing Liebl, que foi presidente da Associação dos Produtores Rurais de São Félix do Xingu. Em 2016, ela despontou na mídia especializada como uma das líderes do projeto “Carne Sustentável: do campo à mesa”, realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a ONG The Nature Conservancy (TNC). No projeto, a Marfrig passou a fornecer à rede de supermercados Walmart a marca “Rebanho Xingu”, composta por lotes com certificado de “boas práticas ambientais” provenientes de propriedades pré-selecionadas da região, incluindo a Fazenda Bituva Grande, do pai de Solange, José Otto Reusing, registrada em nome da mãe Olívia.

Dona da Fazenda São Bento, Simone Rudnick Liebl é casada com Adison Joel Liebl, irmão de Bento Carlos. Adison é diretor de uma das maiores transportadoras do país, a Rápido Sunorte, dona de uma imensa frota de caminhões, além de armazéns no Porto de Itajaí, tendo como principal atividade o transporte de madeira. Apesar da Rápido Sunorte ter sede em São Bento do Sul (SC) — local onde reside boa parte da família — existe um registro de 1990 de uma empresa com razão social Madeireira Sunorte, de mesmo nome da transportadora, em São Félix do Xingu. A empresa se encontra baixada por não ter iniciado oficialmente suas atividades.

 

Ø  Thiago Guarani, da TI Jaraguá, detalha violência policial durante ato contra Marco Temporal

 

— Eu fui tentar chamar o pessoal de volta e quando olhei para trás eles já estavam atirando na gente, atirando, mirando no rosto. Acertaram nosso xeramoi, nosso líder espiritual, xeramoi Natalício, eles atiraram na testa dele, quase no olho. Eles começaram a atirar bomba, a atirar, a jogar do helicóptero, até que nós saímos da rodovia, conseguimos sair da rodovia.

Durante o lançamento do relatório “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas”, no dia 14, no Cine Petra Belas Artes, o líder indígena Karai Djekupe, ou Thiago Guarani, detalhou a ação violenta da Polícia Militar de São Paulo durante um ato dos Guarani Mbya, da Terra Indígena (TI) Jaraguá. O protesto contra o Marco Temporal ocorreu no dia 30 de maio, na Rodovia dos Bandeirantes.

“Depois que nós saímos, a Polícia veio atrás de nós, fora da rodovia”, contou Karai. “Eles não estavam ali para nos dispersar da rodovia. Eles estavam ali para nos violentar. Após a gente sair, eles nos seguiram, continuaram atirando em nós. Até na porta da aldeia eles continuaram atirando em nós. Deram rasante de helicóptero dentro da aldeia, derrubando galho de árvores na cabeça das pessoas, na minha, inclusive”.

Por volta das 5h30, um grupo de cerca de cem indígenas fechou o km 29 da rodovia, abrindo faixas contra o Projeto de Lei 490, que tinha sido aprovado durante aquela noite pela Câmara. Agora no Senado, o projeto prevê que as demarcações de terras indígenas aconteçam apenas em locais onde as comunidades estavam no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Desse modo, a lei deixará de fora centenas de comunidades que foram expulsas dos seus territórios ao longo da história e, principalmente, durante a ditadura iniciada em 1964. Para saber mais sobre a repressão aos indígenas nos anos de chumbo, assista ao episódio “Um projeto de extermínio”, da série De Olho na História.

‘ELES NOS SEGUIRAM ATÉ A TERRA INDÍGENA E VIOLÊNCIA CONTINUOU DURANTE A NOITE’

O protesto foi marcado por um ritual religioso, no qual os indígenas rezavam para pedir que os Juruá, não-indígenas em Guarani, evitassem a aprovação do PL. Karai conta que, durante toda a manhã, eles negociaram com os policiais a forma como iria acontecer a manifestação. “Fechamos a rodovia por segurança, para não sermos atropelados”, explicou. “Nós deixamos as motos passarem, as ambulâncias passarem, e explicamos que estamos sob ameaça e que nós fomos rezar, negociamos. As mulheres estavam à frente e negociaram”.

Seu relato aponta várias idas e vindas por parte dos policiais, que, primeiro, pediram que fosse fechada apenas uma faixa, o que foi aceito pelos indígenas. Depois, que eles deviam ficar só no acostamento. Por fim, um policial falou que uma “ordem de cima” dizia que eles tinham que sair. “Vocês sabem, né, gente? Nós somos governados pelo Palácio dos Bandeirantes, né? Palácio dos Bandeirantes”, ironizou o líder indígena, em referência ao bandeirantismo, enquanto contava a história para uma plateia formada por muitos indígenas, pesquisadores e jornalistas.

O que se viu em seguida, relatou Thiago Guarani,, foi uma ação truculenta da Tropa de Choque da PM, atirando com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Pelo menos cinco indígenas ficaram feridos. Quando a ação começou eles correram em direção à terra indígena e os policiais continuaram atirando até os limites da TI.

“E essa violência continuou durante a noite, continuou no dia seguinte”, descreveu. “A gente estava exercendo um ato constitucional, de se manifestar. Estávamos decidindo não ficar parado para os outros seguissem seu fluxo. Imagina se o Marco Temporal passa”.

Depois do episódio, os indígenas tentaram fazer outra manifestação, no dia 04, com autorização dos órgãos estaduais, mas a desembargadora Maria Lúcia Pizzotti proibiu os indígenas de protestarem na rodovia.

Veja o depoimento do líder indígena no vídeo:

POPO GUARANI MBYA LEVOU ABELHAS DE VOLTA PARA O PICO DO JARAGUÁ

Demarcada em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff, a Terra Indígena Jaraguá está sob ameaça de retrocesso desde 2017, quando o então governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República, entrou com um mandado de segurança para desmarcar a TI, medida apoiada pelo presidente golpista Michel Temer. O Ministério Público Federal conseguiu, liminarmente, brecar o processo, que espera uma decisão final.

Mesmo diante do futuro incerto, os Guarani  Mbya têm atuado para reverter o quadro de degradação de seu território. Ao longo dos anos, os indígenas conseguiram que nove espécies de abelhas nativas sem ferrão voltassem a voar pela área do Pico do Jaraguá, um cartão-postal da Grande São Paulo.

“Nós recuperamos nascentes que estavam secando por conta do plantio de eucalipto dentro do nosso território”, contou Karai. “Nós protegemos a jaguatirica, nós protegemos o cachorro-do-mato, o guati, o macaco, o porco-espinho, as aves. Eles estão lá vivos nessa grande metrópole, no Pico do Jaraguá. Nosso território garante chuva, nosso território equilibra o ar, porque tem árvores vivas, árvores que conversam, árvores que sonham”.

A TI se encontra ameaçada pela especulação imobiliária que avança sobre o território: “Jorge Paulo Lemann e Itaú estão entre acionistas de construtora que assusta povo Guarani no Jaraguá, em SP.” E até pela promoção de festas raves nos limites da área. Nesse contexto, as discussões do Plano Diretor do município também são uma ameaça, já que elas não têm levado em conta nem a TI Jaraguá nem a TI Tenondé Porã, que ocupa uma área dos municípios de São Paulo, São Bernardo do Campo, São Vicente e Mongaguá.

AMEAÇA DO MARCO TEMPORAL FOI DESTAQUE EM EVENTO QUE LANÇOU ‘OS INVASORES’

Na avaliação de Karaí, a mudança do governo federal não diminuiu a violência e as ameaças aos povos indígenas. O líder indígena lembrou que eles apoiaram a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com a aliança do candidato petista com Geraldo Alckmin, e destacou a ação articulada do Congresso, com sua maioria conservadora. “Muita gente acha que nossa vida vai tranquilizar”, disse. “Mas a gente tem um Congresso Nacional muito mais potencializado em atacar os direitos dos povos originários, os direitos ambientais”.

A aprovação do Projeto de Lei do Marco Temporal foi o principal assunto no lançamento da segunda parte do dossiê Os Invasores, que aponta os políticos com sobreposições em terras indígenas e aqueles que receberam financiamento eleitoral de empresários com fazendas incidentes em TIs.

Quarenta e dois políticos e seus familiares de primeiro grau são titulares de imóveis rurais com sobreposições em TIs, totalizando 96 mil hectares — o equivalente à soma das áreas urbanas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Dezoito integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) receberam R$ 3,6 milhões em doações de campanha de invasores. Entre eles estão o presidente da frente, Pedro Lupion (PP-PR), os vice-presidentes Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e Evair Vieira de Melo (PP-ES), a coordenadora política Tereza Cristina (PL-MS), ex-ministra da Agricultura, e outros oito diretores.

Outro destaque do relatório são os invasores que investiram em peso na candidatura derrotada de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição. Juntos, 41 fazendeiros com sobreposições doaram R$ 1,2 milhão para sua campanha. Eles controlam uma área de 107.847,99 hectares, incidente em 23 áreas demarcadas pela Funai. Na primeira parte do dossiê, foram identificadas 1.692 empresas nacionais e estrangeiras com sobreposições em 213 TIs.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas

 

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