Layoffs em
tecnologia: por que funcionários negros têm sido os mais atingidos
Recentemente,
várias empresas, incluindo grandes companhias de tecnologia, começaram a
discutir a falta de diversidade das suas equipes de trabalho, depois de terem
adotado práticas de contratação injustas por décadas.
Algumas
companhias investiram bilhões em iniciativas de inclusão e diversidade para
reduzir essas antigas desigualdades e aumentar a representatividade dos
profissionais marginalizados.
Os
dados disponíveis demonstram que os investimentos mais significativos,
particularmente entre as empresas de tecnologia, vieram depois do movimento Vidas
Negras Importam, em 2020. E, em muitos casos, essas iniciativas trouxeram
resultados promissores.
Antes
que Elon Musk assumisse o Twitter no final de 2022, por exemplo, a empresa
mereceu comentários positivos na imprensa por contratar mais funcionários
negros — em alguns locais dos Estados Unidos, os números aumentaram de 6,9%
para 9,4%.
No
mesmo ano, o conglomerado de telecomunicações americano Cisco registrou um
aumento de 120% do número de vice-presidentes negros, superando os alvos de
diversidade estabelecidos originalmente para 2023.
Mas
estes esforços em prol da diversidade — e a representatividade das pessoas não
brancas no ambiente de trabalho de forma geral — podem se perder em meio aos
layoffs — as demissões em massa globais.
Uma
análise dos dados disponíveis ao público para 2022, realizada pela empresa
norte-americana de inteligência no ambiente de trabalho Revelio Labs, indica
que os profissionais negros e de origem latina representaram 7,42% e 11,49%,
respectivamente, das demissões em massa na área de tecnologia em 2022. Vale
lembrar que eles representam, respectivamente, apenas 6,05% e 9,96% dos
profissionais do setor.
Em
maio de 2022, a Netflix dispensou 150 funcionários, 26,6% dos quais foram
identificados como profissionais com antecedentes sub-representados.
Estes
números são úteis para rastrear o impacto dos layoffs sobre a diversidade em
algumas empresas, mas não existem dados públicos suficientes para confirmar se,
de forma geral, os profissionais não brancos estão sendo dispensados em números
mais altos que seus colegas brancos.
Mas
os padrões de contratação e as políticas de demissão em massa, além de dados
sobre a redução dos orçamentos para recursos de diversidade, igualdade e
inclusão, demonstram que muitos profissionais marginalizados estão em
dificuldades na onda atual de cortes corporativos.
·
Os últimos que entram são os primeiros a sair
Diversas
empresas criaram políticas de demissão em massa que adotam o cargo e a
estabilidade como fatores decisivos para a redução de custos.
Muitas
dessas políticas foram adotadas depois de uma série de grandes ações na justiça
sobre discriminação racial e de gênero, apresentadas contra empresas como a
Google, Uber e Riot Games, em 2018.
O
objetivo declarado dessas políticas de layoff é a neutralidade, mas
concentrar-se em funcionários com menos estabilidade e tempo de empresa torna
os profissionais não brancos estatisticamente mais propensos a serem
dispensados, particularmente em empresas que começaram a contratar funcionários
pensando na diversidade apenas nos últimos anos.
Em
uma política de "o último que entra é o primeiro que sai", estes
empregos são os que têm maior possibilidade de corte.
Um
estudo realizado em 2016 por Alexandra Kalev, professora de sociologia e
antropologia da Universidade de Tel Aviv, em Israel, concluiu que esta política
de layoff prejudica os profissionais sub-representados.
E,
embora alguns dados demonstrem que os profissionais não brancos tenham avançado
rumo ao aumento da representatividade em cargos de diretoria, muitos deles
foram contratados recentemente. Por isso, são alvos fáceis das demissões em
massa baseadas na estabilidade.
"As
empresas ainda estão tomando essas decisões e afirmam de forma reflexiva que as
últimas pessoas [que entraram] devem ser as primeiras a sair", segundo
Corey Jones, um dos fundadores e diretor de criação da empresa de consultoria
PrismWork, dedicada a transformações culturais no local de trabalho.
Jones
é um dos autores de um artigo recente publicado pela Harvard Business Review,
com suas colegas da PrismWork, Daina Middleton e Rebecca Weaver. Eles defendem
que empresas inteligentes deveriam "incluir esforços de diversidade,
igualdade e inclusão em todos os estágios do ciclo de vida dos funcionários,
incluindo os rompimentos".
Por
isso, se uma empresa for verdadeiramente comprometida com a inclusão, os
autores argumentam que os layoffs não devem afetar desproporcionalmente os
funcionários marginalizados, seja intencionalmente ou não.
Para
os profissionais não brancos, os desafios representados pelas demissões em
massa são dois.
Depois
de ultrapassar uma barreira inicial mais alta para entrar na empresa que seus
colegas brancos, pode ser difícil encontrar um novo emprego depois de um layoff
— especialmente no setor de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
E,
quando os profissionais não brancos são dispensados e não conseguem emprego nos
seus campos de atuação escolhidos, toda uma rede crescente de profissionais que
fornece mentoria e conexões àqueles que procuram emprego é prejudicada.
Em
um estudo de 2023 sobre o Estado da Desigualdade no mercado de trabalho, da
organização promotora da diversidade Hue, com sede nos Estados Unidos, um em
cada dois profissionais não brancos relatou não ter as conexões profissionais
necessárias para conseguir o emprego desejado.
Para
os profissionais não brancos, "leva mais tempo para se recuperar, quando a
economia começa a estabilizar-se", afirma Fahad Khawaja, fundador e CEO
(diretor-executivo) da Hue.
"Quando
os empregos começam a aparecer novamente, você agora está em uma posição de
desvantagem, o que só dificulta a volta ao mesmo nível dos demais",
explica Khawaja.
Todos
esses fatores podem combinar-se para aumentar a ansiedade com relação aos
layoffs entre os profissionais não brancos, que se sentem particularmente
vulneráveis em um mercado de trabalho reduzido.
"Cerca
de 30% [dos negros, indígenas e outros não brancos] preocupam-se com uma
possível demissão nos próximos 12 meses", afirma Khawaja. "E esse
percentual aumenta quando você examina outras intersecções. Para os latinos ou
latinas, é de 35%. Para os asiáticos, também é de 35%. E, se você olhar pessoas
não brancas LGBTQIA+, chega a cerca de 40%."
·
'Segregação ocupacional'
Outra
questão importante para os profissionais não brancos que estão enfrentando
layoffs é a extinção das iniciativas sobre diversidade, igualdade e inclusão.
A
empresa de transportes norte-americana Lyft, por exemplo, cortou 13% dos seus
funcionários no quarto trimestre de 2022 e eliminou suas equipes de inclusão e
diversidade.
Uma
análise da Revelio Labs revelou que as empresas cortam cargos de diversidade,
igualdade e inclusão "com mais rapidez do que outros cargos; isso começou
em 2021 e continuou a acelerar-se durante os layoffs de 2022".
Daina
Middleton, estrategista-chefe da PrismWork, observa que as empresas se
afastaram dos compromissos de diversidade assumidos em 2020.
"Inicialmente,
houve foco real na diversidade, igualdade e inclusão. Depois, subitamente,
depois dos layoffs, 'nós ultrapassamos isso, chega de diversidade, igualdade e
inclusão, não é mais importante, não é prioridade'", explica ela.
Em
muitos casos, os especialistas afirmam que esses programas estão sendo
reduzidos, pois as empresas costuma eliminar cargos que não são considerados
"geradores de receita".
Uma
análise do site de empregos ZipRecruiter demonstrou que recrutadores,
profissionais de recursos humanos, marketing e vendas foram
desproporcionalmente prejudicados pelas reduções de pessoal.
Estes
cargos, muitas vezes, são ocupados por profissionais de origens
sub-representadas, segundo Ruchika Tulshyan, autora do livro Inclusion on
Purpose ("Inclusão intencional", em tradução livre) — o que é
frequentemente chamado de "segregação ocupacional".
Os
dados disponíveis demonstram que os responsáveis pela área de diversidade que
permanecem empregados são majoritariamente brancos. E estes fatores podem
resultar em redução da motivação entre os funcionários remanescentes.
"Prejudica
a sensação de pertencimento, pode fazer com que os funcionários remanescentes
se perguntem se estão alinhados com os valores da empresa e pode também parecer
arbitrário e injusto", segundo Tanya Tarr, cientista do comportamento e
presidente da empresa Cultivated Insights, dedicada ao aprendizado e ao
desenvolvimento de executivos.
E,
em meio aos cortes orçamentários, Middleton expressa sua preocupação sobre a
viabilidade dos esforços de diversidade e inclusão a longo prazo.
"Se
os especialistas em diversidade, igualdade e inclusão forem afastados da mesa
ou seu poder for retirado, ninguém comanda o desenvolvimento [desses programas]
e a execução, muitas vezes, fica a cargo dos gerentes individuais", afirma
ela.
·
'Tempestade real'
Embora
a situação atual das demissões em massa seja particularmente problemática para
os profissionais não brancos, especialistas afirmam que existem consequências
maiores que afetam a todos.
"A
pesquisa é muito clara", afirma Tarr. "O aumento da diversidade dos
funcionários gera maior inovação, resiliência e lucratividade."
De
fato, as companhias com maior diversidade racial e de gênero têm maior
probabilidade de conseguir retornos financeiros mais altos, segundo um
relatório da empresa de consultoria norte-americana McKinsey & Company.
E,
em um estudo de desempenho de grupos, a empresa britânica de inteligência no
trabalho Cloverpop concluiu que equipes diversas têm melhor desempenho que os
indivíduos em cerca de 87% do tempo, na tomada de decisões comerciais.
Com
relação à retenção dos funcionários, as pesquisas demonstram que profissionais
em companhias diversas e inclusivas são 5,4 vezes mais dispostos a permanecer
por períodos mais longos.
"As
empresas podem achar que cortar os funcionários ou iniciativas de diversidade,
igualdade e inclusão ajudam no resultado de curto prazo, mas, na verdade, eles
estão eliminando o patrimônio humano que seria uma fonte de receita
estável", afirma Tarr.
Enquanto
as pesquisas continuam a confirmar os impactos positivos de equipes de trabalho
diversificadas sobre o sucesso das empresas, alguns executivos expressaram
preocupações sobre o possível retorno às equipes de trabalho homogêneas, que
exibem falta de confiança e inovação.
À
medida que continuam as demissões em massa, muitos profissionais não brancos
podem continuar vendo seu progresso prejudicado, especialmente porque os cortes
não mostram sinais de redução.
"De
muitas formas, parece que uma tempestade real está chegando", afirma
Tulshyan.
Fonte:
BBC Future
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